O advogado Paulo Saragoça da Matta diz que o Chega não pode ser responsabilizado criminalmente por ter colocado tarjas na fachada do Parlamento para protestar contra o fim do corte de 5% nos salários dos políticos. Considera, portanto, que a queixa entretanto apresentada no Ministério Público “não tem grandes pernas para andar”.

“A dignidade da Assembleia da República pode ter sido colocada em causa porque não é próprio o que aconteceu. Mas não me parece que seja um caso de dano ou apropriação abusiva do domínio público. Criminalmente não se pode falar de uma responsabilidade“, afirmou, no programa Explicador da Rádio Observador.

“Pode haver uma ilicitude”, admite, ressalvando que o estatuto dos deputados “não prevê uma sanção disciplinar ou criminal para este tipo de conduta”. Além disso, para haver responsabilidade civil dos atos praticados pelos deputados do partido liderado por André Ventura “tinha que haver um dano que teria de ser patrimonial”. As tarjas acabaram por ser removidas pelos membros do Chega quando os bombeiros, que se deslocaram ao Parlamento, se encontravam em posição de as retirar com recurso a uma plataforma elevatória.

Saragoça da Matta nota que esta deslocação dos bombeiros “envolveu um custo”. “Poderá falar-se disso, mas é uma responsabilidade civil muito limitada ao custo de uma intervenção”, admite.

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Já em relação ao tipo criminal de perturbação do funcionamento de órgão constitucional, que alguns juristas associaram ao episódio de sexta-feira, o advogado nota que o tipo criminal prevê que os atos sejam feitos “por quem não é membro” do Parlamento. “Nunca passou pela cabeça do legislador que um deputado pudesse ter qualquer tipo de comportamento que perturbasse de forma ilegítima o funcionamento do Parlamento”, afirma.

“Isto diz muito da evolução social que temos vivido nos últimos anos. Sempre foi considerado que os titulares dos órgãos de soberania sempre eram pessoas acima de comportamentos menos habituais e mais desordeiros. Há uma lacuna decorrente de não ser associada a função dos deputados a este tipo de comportamentos“.

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Já em relação ao argumento apresentado por André Ventura em plenário, colocando as tarjas com uma mensagem partidária no mesmo patamar da iluminação do edifício com as cores LGBT em datas comemorativas, Saragoça da Matta considera a comparação “absolutamente disparatada”. “André Ventura sabe que essa comparação é tão legítima com a colocação das tarjas”, argumenta.

“Chega sabia que seria esta a reação e aproveitou janela de oportunidade para aumentar visibilidade”

Riccardo Marchi, especialista em direita radical, considera que o episódio que marcou a sessão plenária da votação final do Orçamento do Estado para 2025 mimetiza o que se passa pela Europa, com o crescimento das forças políticas radicais. “As forças políticas portuguesas moderadas comportam-se exatamente com as da restante Europa perante as forças populistas”, entende.

“Não conseguem silenciar e passar ao lado da mensagem e fazendo isso acabam por amplificar a mensagem [do Chega]. Este tipo de partidos [radicais] sabe que seria esta a reação e aproveitam esta janela de oportunidade que periodicamente lhes é aberta e que aumenta a sua visibilidade”, afirmou no mesmo programa da Rádio Observador.

O politólogo admite ainda que este é um tema “particularmente guloso para o Chega”. “Estamos a falar daquilo que eles fazem passar com um privilégio da classe política, a mensagem que o Chega passa é que a elite política se preocupa mais com os seus privilégios e não se preocupa com os direitos das demais categorias profissionais”, acrescenta.

“Este é um dos ingredientes típicos da mundividência populista, esta ideia de um povo homogéneo e virtuoso atroado por uma elite política que só se preocupa com os seus interesses”, entende, notando que “o mecanismo funcionou como funciona há 20 anos pela Europa fora”.

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Mas como se pode ignorar uma ação disruptiva como a que foi protagonizada pelo Chega na sexta-feira passada? Riccardo Marchi entende que mesmo que dentro do Parlamento se tivesse silenciado este episódio ele “acabaria sempre por ficar potenciado nas redes sociais e pelos meios de comunicação social”. “Na plataforma X, partilhar as iniciativas do Chega, mesmo que de uma forma crítica, acaba por favorecer o partido e, por isso, o Chega teria sempre capitalizado o evento”, considera.

Recorda ainda que, durante a votação do orçamento, o Chega votou várias vezes ao lado do PS, o que pode não ter agradado a uma parte do eleitorado e das bases do partido. “Havia algumas tensões e este tema calhou bem para promover esta imagem de força antissistema”, assegura.