O Reino Unido e os Estados Unidos da América adotaram esta quarta-feira normas legislativas que restringem significativamente o acesso a terapias hormonais, habitualmente usadas por crianças e jovens trans no processo de transição do género atribuído à nascença para o género com o qual se identificam.

No caso britânico, como explica o The Guardian, o ministro da Saúde, Wes Streeting, tornou definitivas as restrições temporárias que tinham sido implementadas no início do ano, proibindo que os medicamentos usados na terapia hormonal (conhecidos como inibidores de puberdade) sejam prescritos a pessoas com menos de 18 anos de idade em todo o Reino Unido.

Já no caso norte-americano, detalha a CNN, a Câmara dos Representantes aprovou esta quarta-feira um pacote legislativo relacionado com as forças armadas que inclui, entre várias outras medidas, uma norma que retira das coberturas do Tricare (o plano de saúde dos militares norte-americanos) o acesso a cuidados terapêuticos relacionados com a afirmação da identidade de género.

Como explica a estação televisiva norte-americana, o pacote legislativo foi aprovado com 281 votos a favor e 140 contra, havendo uma forte divisão partidária: 124 congressistas do Partido Democrata e apenas 16 do Partido Republicano votaram contra. A questão da identidade de género acabaria por se tornar o tema central do debate em torno deste pacote legislativo — e algumas medidas unanimemente apoiadas, como o aumento dos salários de entrada dos militares, acabaram ofuscadas no debate.

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Governo britânico diz querer proteger comunidade trans

No Reino Unido, a discussão em torno das terapias hormonais já se prolonga desde março, quando o Serviço Nacional de Saúde britânico anunciou que estes medicamentos de bloqueio hormonal deixariam de ser prescritos a menores de idade. Dois meses depois, foi o próprio governo a anunciar legislação de emergência para proibir a prescrição destes medicamentos a menores de idade.

A decisão foi alvo de grande controvérsia no país, com ativistas a acusarem o governo de colocar em risco a saúde dos jovens trans.

De acordo com a pediatra britânica Hilary Cass, autora do relatório científico que serviu de base à decisão do governo, estes medicamentos têm “riscos significativos” e “benefícios não comprovados”. Por isso, “só devem ser prescritos na sequência de uma análise multidisciplinar e dentro de um protocolo de investigação”.

“Apoio a decisão do governo de manter as restrições à prescrição de inibidores de puberdade para a disforia de género fora do Serviço Nacional de Saúde, onde essas garantias não são fornecidas”, sublinhou.

Na Câmara dos Comuns, o ministro da Saúde afirmou que a sua decisão tem como objetivo proteger a comunidade trans — e lembrou a sua própria experiência ao assumir-se publicamente como homossexual para destacar que o governo pretende melhorar o acesso da comunidade LGBTQ aos cuidados de saúde.

“Sei que não é fácil ser um jovem trans no nosso país hoje, a comunidade trans está no lado errado de todas as estatísticas de saúde mental, auto-mutilação e suicídio”, disse Streeting. “Não posso fingir que sei o que isso é, mas sei o que é sentir que temos de enterrar um segredo sobre nós próprios, ter medo de quem somos, ser gozado por causa disso e depois viver a experiência libertadora de nos assumirmos.”

“Sei que não vai parecê-lo com base nas decisões que tomo hoje, mas preocupo-me verdadeiramente, tal como este governo. Estou determinado a melhorar a qualidade e o acesso aos cuidados de saúde para todas as pessoas trans”, destacou ainda o ministro, sublinhando que a medida foi tomada “com base nas provas científicas e no conselho dos médicos, não devido à política ou a pressões políticas”.

A decisão foi recebida com elogios pelo Serviço Nacional de Saúde e por vários académicos, mas com críticas por associações de defesa dos direitos das pessoas trans.

Republicanos e democratas divididos nos EUA

No caso dos Estados Unidos, a discussão em torno do pacote legislativo sobre as forças armadas foi praticamente dominada pela medida relativa aos cuidados relacionados com a identidade de género, aprofundando uma discordância social entre partidos que ficou bem patente nas recentes eleições presidenciais que deram a vitória a Donald Trump.

Na discussão deste pacote, que exclui os cuidados de género a menores de idade da cobertura do plano médico das forças armadas, o congressista Adam Smith, o principal elemento do Partido Democrata na comissão parlamentar que acompanha as forças armadas, anunciou que votaria contra.

“Negar abertamente cuidados de saúde a pessoas que precisam deles, só por causa de um preconceito enviesado contra pessoas trans, é errado”, afirmou. “A inclusão desta disposição prejudicial coloca em risco a vida de crianças e pode forçar milhares de militares a ter de escolher entre continuar o serviço militar ou abandonar, para garantir que os seus filhos podem ter os cuidados de saúde de que necessitam.” Entre os republicanos, a medida foi amplamente apoiada.