Um conjunto de fábricas químicas da Rússia que supostamente produzem bens com fins civis estão a fornecer ingredientes a instalações que fabricam explosivos utilizados por Moscovo na sua guerra contra a Ucrânia. A conclusão surge de uma investigação da agência Reuters, que analisou registos ferroviários russos para verificar que tipo de mercadoria foi enviada entre estas produtoras industriais.

De acordo com a Reuters, foram identificadas cinco empresas químicas, nas quais cinco bilionários sancionados pelo Ocidente desde o início da guerra detêm participações. Entre eles constam Roman Abramovich, antigo proprietário do Chelsea Football Club e que detém uma participação significativa na Evraz, e Vagit Alekperov, apontado pela Forbes como o homem mais rico da Rússia e que é em parte dono da Lukoil. Outra das empresas é a Eurochem, fundada pelo bilionário russo Andrey Melnichenko e sediada na Suíça.

Todas estas empresas negaram à Reuters estar a fornecer material para explosivos e munições, dizendo apenas produzir bens de uso civil, mas a investigação da Reuters conta outra história. Para aferir o grau de apoio que estas fábricas estão a prestar ao esforço de guerra russo, a agência passou a fino o movimento de mais de 600.000 remessas ferroviárias feitas desde a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022 até setembro de 2024.

Para fazer esta análise, a Reuters serviu-se de duas bases de dados comerciais de acesso público que lhe foram fornecidas pela ONG Open Source Centre, que monitoriza possíveis violações de sanções na Rússia. Estes dados não só detalham o tipo de carga em cada vagão ferroviário, como determinam o peso de cada uma, a sua origem e o seu destino, assim como os nomes das empresas que enviaram as mercadorias e das empresas que as receberam.

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Além disso, a agência noticiosa consultou também dados fiscais revelados em 2023 que indicam que várias das empresas químicas analisadas forneceram vários dos fabricantes de explosivos. Todos estes dados juntos apontam que estas empresas químicas forneceram ingredientes vitais a cinco fábricas de explosivos e pólvora na Rússia, todas elas filiais da Rostec, gigante estatal russa fabricante de armas, e todas elas sujeitas a sanções ocidentais.

A questão que esta investigação levanta é quanto à eficácia das sanções económicas colocadas sobre oligarcas ou empresas russas, já que as produtoras químicas escaparam a tais medidas ou a proibições de importação de produtos críticos dos EUA ou da União Europeia. Em causa está o facto dos seus bens químicos serem produtos de uso civil — como fertilizantes — essenciais para áreas como a agricultura, sendo que a sua limitação poderia ter impactos económicos significativos no comércio internacional, assim como a nível da produção alimentar.

No entanto, como a Reuters aponta, o contorno às sanções ocidentais tem permitido a estas empresas químicas ajudar a produzir os explosivos de que a Rússia depende no cenário de guerra na Ucrânia e com os quais tem registado grandes avanços no terreno — principalmente dada a escassez de munições do lado ucraniano. Por exemplo, a agência aponta que a Eurochem tem fornecido a fábrica de Sverdlov em Dzerzhinsk, o único fabricante importante na Rússia dos explosivos plásticos HMX e RDX utilizados em artilharia e mísseis.

Para citar apenas um dos vários exemplos presentes na investigação da Reuters, a agência identificou o envio de 38 mil toneladas de ácido acético e cinco mil toneladas de ácido nítrico de duas fábricas da Eurochem para Sverdlov durante a guerra da Ucrânia. Ambas matérias primas servem para produzir plásticos explosivos, sendo que, por exemplo, cinco mil toneladas de ácido nítrico podem ser utilizadas para fabricar três mil toneladas de RDX, o suficiente para alimentar 500 mil cartuchos de artilharia de grande calibre.

Se da parte do governo dos EUA não houve resposta quanto a esta problemática, um porta-voz da Comissão Europeia disse à Reuters que a UE está “a explorar ativamente as possibilidades de medidas adicionais para aumentar a pressão e colmatar as lacunas de forma a evitar implicações negativas para a segurança alimentar”.

Algumas destas empresas já têm estado sob a mira das investigações desde o início da guerra, como a empresa detida por Abramovich, oligarca com passaporte português. A Evraz, por exemplo, foi acusada em julho de 2022 pelo consórcio de jornalismo de investigação Organized Crime and Corruption Reporting Project de fornecer produtos siderúrgicos e explosivos a fabricantes de armas russos. No entanto, as sanções foram apenas aplicadas ao magnata e não à sua empresa.