Horas antes de se reunir com os amigos na Bourbon Street, Matthew Tenedório começou as celebrações de Ano Novo a jantar com os pais em casa de um dos dois irmãos. Era muito chegado à família, como mostram os registos fotográficos nas redes sociais do pai e de vários primos, pelo que o jantar familiar na noite de fim do ano não foi anormal. Como também não foi a preocupação dos pais com o festejar fora de casa a entrada em 2025, apesar da idade.
Essa preocupação foi revelada pela própria mãe. Tanto ela, Cathy Tenedório, como o pai do jovem de 25 anos, Luís Tenedório, estavam apreensivos em relação à sua ida para a festa na principal rua de Nova Orleães. Não o demoveram, mas pediram-lhe que assim que chegasse a casa onde já morava sozinho, depois dos festejos, enviasse uma mensagem a dar conta de que estava seguro. Essa mensagem nunca chegou, como contou Cathy à NBC News.
O apelido paterno Tenedório é português e revelou a lusodescendência de uma das 15 vítimas mortais do ataque com um camião na manhã de quarta-feira durante as celebrações do Ano Novo, em Nova Orleães. Matthew não morreu devido aos ferimentos causados pelo atropelamento em massa — feito por um “lobo solitário” que apoiaria a causa do Estado Islâmico — como as restantes vítimas. Foi atingido mortalmente por uma bala quando começou a troca de tiros entre o autor do ataque, Shamsud-Din Bahar Jabbar, um veterano do exército dos EUA, e a polícia norte-americana.
O jovem pertencia à terceira geração de emigrantes portugueses. Nasceu, em 1999, em Huntington, Long Island, no Estado de Nova Iorque. O seu pai, Luís Tenedório, nasceu em Portugal, mas foi cedo que viu os seus pais, avôs de Mathew — João e Dalila Tenedório — fazerem dos EUA a nova casa para a família e aquela que viria a ser a sua descendência.
Nova Orleães. Um “lobo solitário” que pode ser sintoma do renascimento do Estado Islâmico
Avós de Matthew casaram em Vila Real exatamente 70 anos antes do atentado em Nova Orleães
João de Sousa Tenedório, o avô de Matthew Tenedório, tem o registo de nascimento em Vila Nova de Cerveira, como foi confirmado por fonte da Junta de Freguesia da localidade ao Observador. Casou, pouco mais de 20 anos depois, na freguesia extinta de São Pedro, em Vila Real, com Dalila Teixeira Ribeiro (nome de solteira).
O certificado de casamento dos avós de Matthew Tenedório assinala a data da celebração a 1 de janeiro de 1955, exatamente 70 anos antes da tragédia que se abateu sobre a família de origem portuguesa que criou raízes nos EUA.
Após o casamento, o rasto do casal de emigrantes é mais difícil de seguir. Nas suas redes socais, Luís Tenedório (ou “Lou”, como se apresenta), o pai do jovem de 25 anos, refere que a sua “cidade de nascimento” é Lisboa. Pelo que terá sido da capital que os seus pais, com origens no Minho, decidiram emigrar para os EUA, já depois do nascimento do filho.
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Depois, segundo avançou o Jornal Luso-Americano, Luís Tenedório cresceu em Long Island, numa casa da Washington Street, em Mineola, tornando-se mais tarde técnico audiovisual da emissora norte-americana de televisão NBC, afeto aos estúdios do Rockefeller Center, em Manhattan.
Luso-descendente de 25 anos entre as vítimas de ataque terrorista em Nova Orleães
Matthew seguiu os passos profissionais do pai. Era ao lado dele que trabalhava, também como técnico audiovisual de eventos desportivos e de música. Segundo o seu primo, Michael Tenedório, em declarações ao mesmo site, este era o emprego de sonho do jovem de 25 anos que passou a infância a acompanhar espetáculos norte-americanos.
“Lou” Tenedório deixou uma mensagem de homenagem ao filho nas redes sociais
Na entrevista que deu ao lado da mulher à NBC News, Luís Tenedório surgiu visivelmente emocionado e pouco conseguiu verbalizar perante a consternação de ter acabado de perder o filho no ataque em Nova Orleães. Através do Facebook, deixou esta sexta-feira uma mensagem de despedida e homenagem para o seu “lindo menino que vai deixar saudades para sempre”.
Agradeceu a todos os que dirigiram à família Tenedório “maravilhosas palavras de simpatia” que, segundo os membros da família, os “ajudaram a iniciar o processo de luto”. “Da nossa família e amigos amorosos e estranhos perfeitos, o amor é absolutamente esmagador”, escreveu o emigrante português nos EUA.
Partilhou ainda uma fotografia dos seus três filhos, Matthew, Jeremy e Jonathan, quando eram crianças, e a mensagem do postal de aniversário que a família tinha dado ao jovem quando este fez 25 anos, há pouco mais de dois meses, em outubro de 2o24. “Encontrámo-lo no quarto dele ontem à noite. O seu cartão de aniversário de 25 anos. Ele estava a guardá-lo como se fosse especial para ele. Tal como ele, especial”, escreveu na publicação.
Um primo de Matthew criou entretanto uma página na plataforma GoFund Me, contando que as vidas dos familiares ficaram “estilhaçadas” ao saberem da “morte trágica” do jovem e pedindo ajuda para pagar o funeral. Até agora, a família, que já atravessava dificuldades financeiras porque está a pagar o tratamento de um cancro com que a mãe de Matthew foi diagnosticada, conseguiu angariar cerca de 33 mil dólares (32.140 euros).