O Tribunal Cível de Coimbra ouviu esta quarta-feira, durante três horas, uma das quatro rés que estão a ser julgadas no âmbito de uma ação interposta por Boaventura de Sousa Santos, para assegurar a defesa do seu bom nome.
O julgamento, que teve início a 15 de novembro de 2024 à porta fechada, foi retomado durante a manhã desta quarta-feira, para ouvir Sara Araújo, uma das quatro rés deste processo.
Depois de ter sido inquirida durante cerca de três horas, Sara Araújo disse à agência Lusa que vai continuar a ser ouvida durante a tarde, porque “o advogado do professor Boaventura ainda pretende mais esclarecimentos”.
“Foi extremamente cansativo. Perdi um pouco a noção do tempo, mas penso que estive cerca de três horas a ser ininterruptamente interrogada pela juíza e pelos advogados”, referiu.
De acordo com Sara Araújo, a audiência desta manhã serviu para “desmentir a petição inicial do professor Boaventura”, em que alega que ao longo dos anos as quatro mulheres mantiveram “excelentes relações com ele”, nutrindo por ele admiração.
“O que estive a fazer foi a tentar narrar os diferentes episódios, quer de assédio moral, quer de assédio sexual, quer de extrativismo intelectual, que ocorreram ao longo destes anos”, contou.
As três horas em que foi ouvida “foram muito difíceis”, sendo “muito doloroso regressar a lugares que se pretendem esquecer”.
“Nós entrámos muito jovens como investigadoras, muitas de nós éramos grandes promessas para a investigação e como é que o nosso caminho foi desviado a este ponto? Alguma coisa funcionou de forma muito errada e é muito importante que se perceba precisamente o que é que nos trouxe até aqui”, acrescentou.
Em seu entender, tal aconteceu não porque o tenham permitido, mas porque “há algo muito errado a funcionar dentro das universidades”.
Direção do CES dá por concluído processo de inquérito sobre Boaventura Sousa Santos
“O assédio moral é normalizado, a saúde mental das mulheres é completamente arrasada e o assédio sexual é completamente banalizado”, concretizou.
O sociólogo Boaventura de Sousa Santos não marcou presença na sessão desta manhã e o seu advogado escusou-se a prestar declarações.
O julgamento prossegue durante a tarde de quarta-feira, tendo ainda sessões marcadas para sexta-feira e dias 22 e 27 de janeiro.
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Três investigadoras que passaram pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra denunciaram situações de assédio num capítulo do livro intitulado “Má conduta sexual na academia — para uma ética de cuidado na Universidade”, o que levou a que os investigadores Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins acabassem suspensos, em abril de 2023, de todos os cargos que ocupavam no CES.
O CES acabou por criar, uns meses depois, uma comissão independente para averiguar as denúncias, tendo divulgado o seu relatório quase um ano depois, em 13 de março de 2024, que confirmou a existência de padrões de conduta de abuso de poder e assédio, por parte de pessoas em posições hierarquicamente superiores, sem especificar nomes.
De acordo com o relatório então divulgado à comissão independente, foram denunciadas 14 pessoas, por 32 denunciantes, num total de 78 denúncias.
Uma semana depois, um grupo de 13 mulheres instou, num documento assinado por todas, as autoridades judiciárias portuguesas a investigarem com urgência as alegadas condutas criminosas mencionadas no relatório.
No final de setembro de 2024, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos intentou a ação cível para tutela da personalidade em curso no Tribunal Cível de Coimbra, com a qual procura assegurar a proteção do seu bom nome e honra, face a acusações de um coletivo de mulheres.
Rés preferiam que julgamento onde Boaventura faz defesa do bom nome fosse público
As quatro rés que estão a ser julgadas no âmbito de uma ação interposta por Boaventura de Sousa Santos, para assegurar a defesa do seu bom nome, preferiam que o julgamento decorresse aberto ao público, revelou esta quarta-feira a advogada.
“A questão da não publicidade foi uma decisão da juíza. Todas as mulheres envolvidas preferiam que decorresse de porta aberta e manifestámos isso mesmo, mas acabou por ser o entendimento da juíza que vingou”, referiu à agência Lusa a advogada Lara Roque Figueiredo, que representa as quatro rés.
À saída para a pausa de almoço, a advogada Lara Roque Figueiredo explicou que a decisão da juíza, em não permitir publicidade ao julgamento, foi tomada depois de ouvir as partes e “tendo em conta a questão logística que foi criada na primeira sessão e que podia prejudicar não só o andamento do processo, mas também o funcionamento do próprio Tribunal”.
“Na altura a juíza entendeu que estavam em causa factos que dizem respeito à vida pessoal, quer do autor, quer das rés. Vão ser prestadas declarações de cariz pessoal e a juíza entendeu que a audiência deveria ser à porta fechada, excluindo assim o princípio da publicidade, que é aquele que rege normalmente todos os julgamentos”, referiu.
À agência Lusa, a advogada realçou a importância deste tipo de julgamentos decorrerem de porta aberta ao público, “não só para as pessoas que estão envolvidas, mas de uma forma geral para a sociedade”.
“Para que outras raparigas e mulheres vejam o exemplo de coragem que está aqui a ser feito e que não se inibam de, no caso de estarem perante situações semelhantes, de as denunciar, de as publicitar e de fazerem ouvir a sua voz. É essa a mensagem que queremos transmitir com a postura e coragem das mulheres que estão aqui hoje [esta quarta-feira] e nos próximos dias”, frisou.
No despacho, lido aos jornalistas pelo oficial de justiça e assinado pela juíza Isabel Alves, a 15 de novembro de 2024, foi determinado que “a audiência não seja pública”.
“Considerando os factos que irão ser discutidos na presente audiência e que estão descritos na petição inicial, considerando a necessidade de confrontar as testemunhas com os documentos juntos aos autos, designadamente correspondência eletrónica trocada entre as partes, entendemos que importa salvaguardar a dignidade quer do autor, quer das rés, bem como garantir o normal funcionamento da audiência”, alegou.
No despacho é ainda sublinhado que os autos dizem respeito à tutela de personalidade e bom nome do requerente Boaventura de Sousa Santos, criador do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, e que a ação está relacionada com a alegada imputação por parte das rés ao autor, de situações de assédio moral, sexual, abuso de poder e extrativismo intelectual.