A defesa de José Sócrates prometeu e cumpriu: interpôs uma providência cautelar para impedir a publicação de notícias sobre a Operação Marquês.
A ação especial foi interposta nas Vara Cíveis de Lisboa, tendo sido aceite por uma juíza daquele tribunal.
Ao que o Observador apurou, a administração da Cofina, empresa proprietária do jornal “Correio da Manhã” (CM) e da revista “Sábado” foi notificada por volta das 16 horas – o que terá obrigado as direções editoriais a analisar, em conjunto com a administração da Cofina, sobre o que fazer perante esta ordem judicial. No caso do CM, a direção editorial e os jornalistas que têm assinado peças sobre o processo Sócrates foram igualmente notificados da providência cautelar do ex-primeiro-ministro.
Em declarações ao Observador, Eduardo Dâmaso, director-adjunto do CM, garantiu que o “jornal vai acatar a ordem judicial mas vai contestá-la em sede judicial. Não vamos desistir e vamos continuar a nossa linha de investigação sobre matérias relacionadas com José Sócrates que entendamos que têm interesse público. Foi essa linha de investigação que permitiu descobrir a casa de Paris de José Sócrates antes de existir qualquer inquérito judicial, de revelar os negócios com a Octapharma também antes desta matéria ter atenção judicial, entre outros assuntos. Esta ação não nos vai calar”, afirmou o responsável do CM.
Esta providência cautelar “configura” para Dâmaso “uma forma de censura prévia” ao mesmo tempo que “permite que os advogados do eng. José Sócrates continuem a afirmar tudo o que entendem sem qualquer escrutínio”, acrescentando que “há muito que somos visados pelos insultos de José Sócrates, como aconteceu uma vez mais no passado fim-de-semana em Vila Velha de Ródão”.
O jornalista, com uma carreira longa a acompanhar matérias relacionadas com a justiça e a investigação jornalística, “estamos perante uma pessoa [José Sócrates] que não convive bem com a imprensa, em geral, e com a liberdade de expressão, em particular”.
Eduardo Dâmaso diz que a “situação recorda bem como seria necessário e útil que tivesse sido aberto um inquérito proposto pelos investigadores do caso Face Oculta sobre a tentativa de controlo da comunicação social que estava espelhada numa das certidões extraídas”.
O director-adjunto do CM faz ainda questão de justificar o fato de o jornal ter decidido constituir-se assistente do processo que envolve José Sócrates. “Somos assistentes devido ao interesse público do processo mas também por legítima defesa. O eng. José Sócrates visou-nos em duas ações cíveis com pedidos de indemnização que, só num deles, ultrapassa um milhão de euros”, conclui.
Contactada pelo Observador, a assessoria de imprensa da defesa de Sócrates assegurou que a ação judicial não visa impedir a publicação de notícias sobre o processo mas sim “impedir a devassa da vida privada do eng. José Sócrates que é feita diariamente pelo jornal Correio da Manhã”.
Questionada sobre se serão interpostas outras providências cautelares que visem outras publicações, a mesma fonte oficial garantiu que “neste momento, só o grupo Cofina é visado. O que não impede ações semelhantes caso outras publicações venham a seguir o mesmo caminho que as publicações da Cofina”, concluiu a mesma fonte oficial
Defesa de Sócrates já tinha deixado aviso
Recorde-se que Pedro Delile, advogado de José Sócrates, já tinha avisado no passado dia 21 de Outubro, que, no seu entendimento, os jornalistas que se tinham constituído assistentes no processo tinham sido “advertidos do segredo de justiça como nós fomos”.
Estamos a ponderar ainda o que vamos fazer. Estamos a estudar a possibilidade de apresentar requerimentos, participações e interpor uma providência cautelar, o que será então anunciado. É um facto que há jornalistas assistentes no processo que têm acesso a ele e é um facto que, por exemplo, o Correio da Manhã está a publicar notícias nesse âmbito”, afirmou. O advogado sublinhou nesse momento, contudo, que “o que vier a ser feito não se dirige especificamente ao Correio da Manhã, mas a qualquer jornal que esteja nessas circunstâncias”.
O caso do Sol no processo Face Oculta
Esta não é a primeira vez que um órgão de comunicação social é visado por uma ordem judicial desta natureza. Em Fevereiro de 2010, quando o processo Face Oculta estava em segredo de justiça, o semanário Sol foi alvo de uma providência cautelar de Rui Pedro Soares, então administrador executivo da Portugal Telecom, com o objetivo de impedir a publicação de escutas telefónicas e de outros dados do processo principal que estava a ser investigado pelo DIAP de Aveiro e das certidões extraídas para a Procuradoria-Geral da República com o objetivo de serem investigadas pelo DCIAP ou pelo DIAP de Lisboa.
O processo Face Oculta estava relacionado com o grupo empresarial do sucateiro Manuel Godinho e visava, entre outros, Armando Vara, então administrador do BCP. Desse processo foram igualmente extraídas certidões que visavam o então primeiro-ministro José Sócrates – certidões essas que foram arquivadas por proposta do procurador-geral Pinto Monteiro e de Noronha Nascimento, presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Rui Pedro Soares era visado pelas autoridades judiciais nessas certidões – que são sempre extraídas para as comarcas territorialmente competentes.
A providência cautelar foi aceite pela Varas Cíveis de Lisboa, tendo um solicitador, a pedido do advogado de Rui Pedro Soares, tentado notificar a empresa proprietária do semanário Sol na véspera da publicação da edição semanal daquela publicação. A direcção editorial do Sol, liderada por José António Saraiva, tomou a decisão de avançar à mesma com a publicação da edição prevista, onde revelou mais novidades sobre as escutas do processo Face Oculta que envolviam José Sócrates e Rui Pedro Soares.
Recorde-se que Armando Vara é igualmente arguido na Operação Marquês, sendo igualmente certo que este processo nasceu com transferências bancárias que envolvem igualmente Rui Pedro Soares – referenciado igualmente no processo mas que não é dado pelo Ministério Público como suspeito de ilícitos criminais.