A acusação do caso Sócrates pode demorar. A procuradora-geral Joana Marques Vidal quer que a equipa de quatro procuradores que investiga o caso conclua o despacho de encerramento de inquérito o mais rapidamente possível, mas o procurador Rosário Teixeira diz não estar em condições de o fazer. A investigação ainda tem muito trabalho pela frente, já que o titular do processo alega terem ainda que ser ouvidas 20 testemunhas, ler mil documentos e analisar 5.540.127 ficheiros informáticos. Isso mesmo foi dado a conhecer ao diretor do Departamento Central e Investigação e Ação Penal (DCIAP), Amadeu Guerra, numa informação em que Rosário Teixeira pede mais tempo para concluir a investigação.

Amadeu Guerra vem agora dar razão a Rosário Teixeira. De acordo um despacho datado de 11 novembro, a que o Observador teve acesso, o chefe do DCIAP recusa avocar os autos para concluir a investigação, porque reconhece que os magistrados do Ministério Público afetos ao inquérito estão empenhados na elaboração do despacho final no mais curto espaço de tempo possível. Mas não se compromete com qualquer prazo e dá 30 dias a Rosário Teixeira para explicar o estado atual da acusação.

Amadeu Guerra considera que a celeridade também não pode condicionar a decisão que cabe ao Ministério Público (MP), ao ponto de a sua atuação poder configurar o vício de ‘insuficiência do inquérito’, por a sua convicção assentar em pressupostos errados decorrentes da insuficiente ponderação da prova recolhida, da omissão de diligências ou da utilização dos meios de prova adequados à formação da correta decisão.

Na origem deste despacho está uma informação de Paulo Silva, inspetor tributário de Braga, que assume neste processo as funções de órgão de polícia criminal, segundo a qual só seria possível concluir a investigação durante o próximo ano. Amadeu Guerra diz de forma clara no despacho de 11 de novembro que também não concorda com os prazos propostos por Paulo Silva.

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As divergências no MP sobre o timing do encerramento da investigação a José Sócrates estão assim ao rubro — quase um ano depois da detenção do ex-primeiro-ministro. A procuradora-geral Joana Marques Vidal quer que a equipa de quatro procuradores que investiga o caso conclua o despacho de encerramento de inquérito o mais rapidamente possível mas o procurador Rosário Teixeira diz não estar em condições de o fazer. E Paulo Silva até fala em um ano.

As explicações de Rosário Teixeira a Amadeu Guerra

O inspetor tributário Paulo Silva fez questão de incluir nos autos um relatório, revelado pelo Diário de Notíciascom fortes críticas aos desejos da hierarquia do MP de concluir a investigação a José Sócrates o mais depressa possível e extrair certidão para novos inquéritos de matérias que ainda estejam em aberto. Segundo Silva, não se verificou qualquer atraso na investigação que se iniciou no verão de 2013. Atrasos, segundo o inspetor, ocorreram na disponibilização de meios para a investigação e no envio da documentação bancária por parte de autoridades internacionais.

Esta informação de Paulo Silva, que caiu muito mal na hierarquia do Ministério Público, deu origem a um relatório de Rosário Teixeira para Amadeu Guerra no qual o procurador titular dos autos suscita a intervenção do seu superior hierárquico para autorizar o prolongamento da investigação sob pena Amadeu Guerra ter de avocar a mesma.

Nesse relatório, o procurador Rosário Teixeira afirma mesmo, preto no branco, que não há condições para proferir despacho final de encerramento.

E explica as razões que o levam a pedir mais tempo para concluir o inquérito:

  • elevada complexidade e extensão da prova recolhida, mas não concluída a sua análise;
  • elevada conflitualidade processual, que foi sendo desencadeada desde a detenção dos arguidos, nomeadamente o elevado número de recursos, reclamações e pedidos de informação interpostos essencialmente pela defesa de José Sócrates;
  • necessidade de audição de novas testemunhas, estimando-se ainda necessária a audição de perto de duas dezenas de intervenientes;
  • Falta ainda a execução de trabalhos materiais, tais como a transcrição de interceções telefónicas e de depoimentos.

Rosário Teixeira faz ainda questão de descrever um levantamento quantitativo e qualitativo dos autos:

  • Foram realizadas 105 buscas
  • Estão coligidos e carecem de análise 5.540.127 ficheiros informáticos (2.747 GB)
  • 1.881 documentos/dossiers em suporte de papel
  • 188 apensos bancários anexos ao inquérito, a que correspondem 133.815 registos bancários

E conclui, informando sobre a composição da sua equipa (neste momento, e não desde o início da investigação):

  • quatro procuradores do Ministério Público que estão a trabalhar na elaboração do despacho final
  • equipa de investigadores da Autoridade Tributária de Braga liderada por Paulo Silva que foi reforçada

Amadeu Guerra dá 30 dias a Rosário Teixeira

O diretor do DCIAP analisou a informação que lhe foi remetida por Rosário Teixeira e decidiu dar 30 dias ao procurador-geral adjunto titular dos autos da Operação Marquês para elaborar informação resumida sobre:

  1. A fase em que se encontra a investigação, a prova analisada e a eventual prova por analisar;
  2. Diligências que falta realizar e prazo previsível para a sua realização;
  3. Razões determinantes dos atrasos, formas de os ultrapassar e prazo previsível para ser proferido o despacho de encerramento de inquérito;
  4. Reporte da falta de meios e sugestões que contribuam para encurtar o prazo de encerramento da investigação.

Este prazo dado por Amadeu Guerra deve-se à compreensão que o diretor do DCIAP tem em relação à complexidade qualitativa e quantitativa da informação analisada nos autos, nomeadamente as operações financeiras e fatos criminalmente relevantes que ocorreram em diversos países entre 2007 e 2014.

Amadeu Guerra faz ainda questão de referir, no seu despacho, que a finalidade deste inquérito (conhecido como Operação Marquês) e a missão do MP, enquanto detentor da ação penal não se compadece com a elaboração do despacho final, e consequente encerramento do inquérito, sem ter sido analisada de forma objetiva a prova relevante com a devida ponderação.

Contudo, o diretor do DCIAP não deixa de pressionar o procurador Rosário Teixeira e os restantes investigadores ao afirmar que os objetivos do MP só serão alcançados se for possível compatibilizar essa análise com a celeridade que a investigação merece e é exigível.

Com esta decisão de Amadeu Guerra é praticamente certo que a investigação a José Sócrates não estará concluída antes do próximo dia 21 de novembro – um ano depois de o ex-primeiro-ministro ter sido detido por suspeitas da prática do crime de corrupção passiva, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.