O Partido Socialista espanhol (PSOE) está mergulhado numa grave crise interna depois de, na quarta-feira, 17 membros do comité executivo se terem demitido para forçar a saída do líder, Pedro Sánchez. Desde as primeiras horas desta quinta-feira que se multiplicam as movimentações na sede do partido, em Madrid, para onde convergiram tanto os apoiantes como os opositores de Sánchez. Sánchez, por outro lado, não tem intenções de se demitir.

Desde as 10h30 que os 18 membros que restam do comité executivo do PSOE estão reunidos. Segundo os estatutos do partido, a demissão da “metade e mais um” daquele órgão leva automaticamente à destituição do líder e à convocação de um congresso extraordinário. O que está agora em disputa é se a saída dos 17 membros, na quarta-feira, é suficiente para afastar Sánchez. O comité executivo tem atualmente 35 membros, mas originalmente tinha 38. Os estatutos não especificam se a “metade mais um” se refere ao número atual de membros ou se, pelo contrário, diz respeito ao número original. Em qualquer dos casos, 17 demissões não representam a fasquia que os estatutos exigem (seriam 18 para um comité de 35 pessoas e 20 para um com 38 membros).

Ainda assim, esta manhã, a presidente do comité federal do partido disse, à entrada da sede, que “neste momento a única autoridade que existe no PSOE” é ela própria. Além de liderar o comité que coordena as diferentes federações do partido pelo território espanhol, Verónica Pérez é também a secretária-geral do PSOE em Sevilha, que integra a federação do partido na Andaluzia — liderada por Susana Díaz, a principal candidata a substituir Pedro Sánchez. Sem se referir especificamente ao líder, a responsável disse aos jornalistas que o comité executivo já não está em funções e pediu “dignidade pessoal” aos companheiros de partido.

Depois destas declarações, Verónica Pérez esteve duas horas no hall de entrada da sede do partido e não foi recebida por qualquer membro da direção. No sábado reúne-se o comité federal e Pérez queria preparar esse encontro. No entanto, acabou por se ir embora sem ter falado com quem quer que fosse. Poucos minutos depois, uma fonte do PSOE disse à agência Efe que o comité federal não tem um presidente fixo (é eleito no início de cada reunião, diz o partido) e que, por isso, não havia qualquer obrigação de receber Pérez.

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Por volta das 13h30 (hora de Lisboa), saiu finalmente fumo branco da longa reunião do que resta do comité executivo — não reconhecido pelos opositores a Sánchez. Num comunicado entregue às dezenas de jornalistas que desde manhã se acotovelam na Rua Ferraz, em Madrid, aquele órgão diz que os planos que o líder já tinha anunciado são para manter. Ou seja, eleições primárias a 23 de outubro e congresso extraordinário a 12 e 13 de novembro.

Estes acontecimentos terão consequências ainda imprevisíveis, mas já deu origem a pelo menos um efeito caricato. Depois da demissão em bloco de quarta, um homem foi acorrentar-se à sede do partido em Mérida em protesto contra aquilo que diz ser “um golpe de estado”. Lá continua.

Rajoy sabia das demissões desde a semana passada

Mariano Rajoy sabia que os 17 membros do comité executivo do PSOE se iam demitir na quarta-feira pelo menos desde a semana passada. A revelação é feita no jornal El Español, que escreve ainda que as movimentações no Partido Socialista estão a ser seguidas de muito perto pelo ainda chefe de Governo e pela sua equipa. Vários dirigentes do Partido Popular, como o ministro dos Negócios Estrangeiros em funções, têm boas relações com os antigos líderes socialistas Felipe González e José Luís Zapatero.

O ex-presidente do governo Felipe González está, aliás, no centro desta crise partidária. Na quarta-feira, horas antes da demissão em bloco, o antigo governante disse numa entrevista radiofónica que se sentia “enganado” por Pedro Sánchez, que lhe teria garantido que ia viabilizar um governo de Mariano Rajoy. “Falei com Sánchez porque ele me pediu que nos encontrássemos depois das eleições de 26 de junho. E, a 29, explicou-me que o PSOE ia para a oposição, que não tentaria formar nenhum governo alternativo e que votaria contra a investidura do governo do PP, mas que na segunda votação se absteria para não impedir a formação de governo”, disse González.

O histórico socialista é contra a eventual formação de um governo minoritário do PSOE com o apoio das esquerdas e de partidos independentistas, uma solução que, segundo pessoas próximas à atual direção partidária, continua a estar na mente de Pedro Sánchez. E que foi inclusivamente apoiada por alguns líderes territoriais, como Miquel Iceta, dos socialistas da Catalunha. No sábado passado, Iceta defendeu Sánchez entusiasticamente. “Resiste às pressões! Por Deus, livra-nos de Rajoy e do PP!”, gritou num comício. Esta quinta-feira, num debate no parlamento catalão, o socialista apelou aos partidos independentistas que se sentem à mesa com Sánchez e não impeçam um governo do PSOE.

Pedro Sánchez acossado pelo partido

O PSOE é composto por diferentes órgãos, cada um com poderes bem definidos. O comité federal, a que preside Verónica Pérez, é a instância mais importante do partido entre congressos. Dele tomam parte os secretários-gerais das diferentes regiões de Espanha, os porta-vozes no Congresso dos Deputados e no Senado, os membros do comité executivo e ainda outros militantes eleitos em congresso de partido. Apesar da posição expressa pela responsável deste órgão esta manhã, nem todos os seus membros estão de acordo. O líder do PSOE de La Rioja, por exemplo, já manifestou apoio a Sánchez, bem como outras delegações do partido em todo o país. Em Oliva (Valência), uma pequena delegação do PSOE classificou a atitude dos 17 demissionários como “golpe de estado”.

O comité federal funciona num sistema parlamentário e é diretamente responsável pela linha política e pelo controlo da direção do partido (o comité executivo). Foi este órgão, por exemplo, que delineou as “linhas vermelhas” nas negociações do PSOE com o Podemos e que deu autorização a Sánchez para falar com o Ciudadanos depois das eleições de dezembro de 2015.