António Costa já fez saber que quer pôr o tema do combate à violência doméstica na ordem do dia. Começou por lhe dar um lugar de destaque no congresso socialista do final de novembro, quando chamou a atriz Maria do Céu Guerra ao palco para ler, um por um, os nomes das mais de 30 mulheres que morreram este ano na sequência de crimes deste tipo. Foi um dos momentos mais simbólicos e marcantes do encontro socialista que consagrou Costa como líder do partido. Depois, o tema voltou na mensagem de Natal, quando o secretário-geral socialista falou na urgência de “combater fenómenos que nos envergonham, como é o caso da violência doméstica”. E, esta semana, o grupo parlamentar socialista escolheu precisamente esse tema para abrir o primeiro debate do ano no Parlamento.

Mas o projeto de lei que o PS vai levar amanhã a plenário para discussão e votação final não deverá passar pelo crivo dos deputados da maioria. Fonte parlamentar social-democrata diz ao Observador que se trata apenas de “um número político feito à pressa” e que tem problemas de “redundância” relativamente ao que já está previsto na lei. O PSD prepara-se assim para chumbar a proposta dos socialistas e para apresentar depois um outro projeto de lei sobre o mesmo tema. 

O projeto de lei do PS prevê uma alteração ao Código de Processo Penal no sentido de “promover a proteção de vítimas de violência doméstica instituindo procedimentos para a regulação provisória das responsabilidades parentais com atribuição provisória de pensão de alimentos e permitindo o afastamento do agressor” da morada de residência da família. Uma das medidas que constam do projeto é a possibilidade de uma regulação provisória das responsabilidades parentais, já que estes casos prolongam-se nos tribunais por um tempo médio de dois anos.

No centro da proposta está a ideia de que os tribunais devem poder determinar, numa fase inicial do processo penal (ainda na fase de inquérito), o afastamento do agressor de casa e a obrigatoriedade de este acautelar as exigências familiares e manter as responsabilidades parentais, nomeadamente no que diz respeito à atribuição de uma pensão de alimentos.

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A proposta foi aprovada em sede de comissão, mas para os sociais-democratas trata-se apenas de um “número político” para ir ao encontro daquilo que o PS quer pôr na agenda política, referiu a mesma fonte, lembrando que projeto semelhante já tinha sido levado ao Parlamento pelos socialistas “há dois anos”, mas foi chumbado na especialidade. Para o PSD, o projeto “parece ter sido feito à pressa” e tem dois problemas: primeiro, a redundância legal, já que a medida de afastamento do agressor já está prevista no Código Penal e, depois, a confusão de área de atuação, uma vez que a questão da pensão de alimentos é do âmbito civil e não penal, explica ao Observador um dirigente social-democrata.

O Conselho Superior de Magistratura, que emitiu um parecer sobre o projeto de lei a pedido pela comissão de Assuntos Constitucionais aquando da discussão do projeto de lei na especialidade, elogiou a iniciativa de legislar no sentido de combater este crime crescente em Portugal, mas teceu críticas no mesmo sentido:

“A medida de coação de afastamento já se encontra prevista genericamente no Código de Processo Penal (…). O ministério Público já tem o dever de promover as medidas de afastamento necessárias imediatamente (…). Se houver necessidade de introduzir alterações a este regime elas devem dirigir-se aos preceitos já existentes e não operar pela multiplicação de normas com o mesmo objetivo, que prejudica a harmonia do sistema e dificulta a aplicação da lei”.

Outra indicação de que a proposta de alteração socialista poderia não ser bem recebida foi dada pela Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos, que enviou um comunicado para as redações dando conta da sua posição contra aquela medida que, diz, pretende apenas “afastar as crianças de um dos progenitores”. Para a Associação, “não é com a repressão” que se resolvem os problemas familiares associados à violência doméstica, mas sim com uma ação concertada “a montante, ajudando as famílias”.

No final do ano, quando foi agendada a votação deste projeto de lei em plenário, a deputada socialista Elza Pais, que está à frente da iniciativa, tinha defendido a proposta, dizendo ser uma “medida incisiva para a prevenção e combate aos homicídios conjugais”. “Pode trazer mais celeridade à decisão de separação do agressor por parte da mulher”, disse na altura a deputada, referindo que a atribuição provisória de uma pensão de alimentos vai no mesmo sentido, dando mais recursos financeiros à mulher.