Os irmãos Kouachi, suspeitos de terem sido os autores do atentado à redação do Charlie Hebdo na quarta-feira, já estavam referenciados pelos serviços secretos franceses há algum tempo como potenciais terroristas, mas as autoridades suspenderam a vigilância aos dois homens a meio do ano passado. A partir dessa altura, a principal prioridade passou a ser as pessoas que chegam à Europa de países como a Síria e o Iraque. E os meios não eram suficientes para cobrir todas as situações.

“Temos de fazer escolhas. Eram as pessoas que vinham da Síria que nos preocupavam”, afirma ao Wall Street Journal Christian Prouteau, fundador do grupo de intervenção da Gendarmerie, a polícia francesa que foi responsável pelo assalto à gráfica onde Said e Cherif Kouachi foram mortos.

Os serviços secretos franceses foram alertados pelos congéneres norte-americanos de que os irmãos tinham recebido treino militar no Iémen, junto da célula da Al-Qaeda existente naquele país. Depois de três anos de vigilância e sem que os Kouachi dessem sinais de atividades suspeitas, França decidiu deixar de seguir os dois homens, concentrando os esforços em informações relativas à Síria e ao Iraque, países para onde muitos cidadãos francófonos se têm dirigido para lutar nas fileiras do autoproclamado Estado Islâmico.

O facto de os Kouachi não fazerem nada foi interpretado pelas autoridades francesas como um sinal de que representariam baixo risco para o país, mas para os Estados Unidos significava precisamente o contrário. “Estes tipos estavam discretos há já muito tempo para poderem preparar alguma”, disse, por sua vez, um alto funcionário dos serviços secretos norte-americanos ao mesmo jornal.

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Segundo o periódico canadiano The Globe and Mail, alguns vizinhos de Said e Cherif Kouachi, preocupados com o que se estaria a passar na casa dos dois irmãos, decidiram, há cerca de dois meses, forçar a porta do apartamento e encontraram “um esconderijo de armas” antes de serem surpreendidos pelos Kouachi, que regressavam nesse momento. Os vizinhos terão sido então ameaçados de que não deveriam dizer nada à polícia.

“Não se consegue monitorizar tudo ao mesmo tempo com a mesma qualidade e é por isso que se trocam informações”, diz um agente francês. As agências de informações secretas de todo o mundo comunicam entre si para vigiar zonas onde a sua presença não é tão forte. França, por exemplo, tem uma vasta rede no Norte de África e menos presença no Iémen, enquanto os Estados Unidos dependem dos franceses para monitorizar alguns países africanos.

Com o surgimento do ISIS, entretanto autodenominado Estado Islâmico, França viu-se a braços com um número bastante grande de pessoas suspeitas de poderem preparar ataques terroristas na Europa. Neste momento, os serviços secretos estarão a vigiar mais de 1.000 pessoas, o que, segundo os especialistas, torna difícil perceber quem realmente representa uma ameaça real.