Um Barack Obama triunfante e desafiante fez durante a noite passada em Washington, já pela madrugada, um dos seus últimos discursos do Estado da Nação perante um Congresso onde o seu partido já não tem maioria, tentando fazer avançar a sua agenda política e ameaçando os republicados com o cenário de veto caso tentem reverter as politicas que fez aprovar nos últimos anos, como é o caso da reforma na imigração.

Depois de cinco anos a gerir um país em profunda crise, Barack Obama apresentou-se perante o país (e o mundo que espera todos os anos por este discurso) para apresentar as suas prioridades no próximo ano.

Boa parte do discurso girou à volta da situação da economia norte-americana, mas desta vez o tom era diferente: “A sombra da crise passou”, declarou triunfante perante o Congresso, que agora tem maioria republicana nas suas duas câmaras. Obama seguiu a lista das suas vitórias, desde o crescimento da economia, a baixa taxa de desemprego (que não seria tão baixa nem antes da crise), o número recorde de pessoas que acabou o ensino secundário, que terminou estudos superiores, que tem agora seguro de saúde, entre outros.

Terminada a lista de sucessos, o Presidente dos Estados Unidos lançou uma provocação aos republicanos: “Isto são boas notícias, senhores”, disse, olhando para a bancada republicana e provocando alguns risos na sala, como se os republicanos não fossem capazes de reconhecer estas boas notícias.

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Com o orçamento quase a ser enviado para o Congresso, a parte central do discurso de Obama centrou-se em torno do que chama “middle class economics”, ou, a economia da classe média. Para concretizar os seus planos, que custarão cerca de 235 mil milhões de dólares e que deverão ser conseguidos com o aumento de impostos sobre os mais ricos (o que os republicanos estão frontalmente contra), Barack Obama defende a criação de uma baixa médica paga (que não existe atualmente) de sete dias, leis que promovam a igualdade nos salários de homens e mulheres, e cortes nos impostos para a classe média.

Outra das provocações de Barack Obama aos republicanos passou pelo salário mínimo, que os republicanos se recusam a aprovar, apesar de em alguns Estados esta medida já ter ido avante: “Para todos neste Congresso que se recusam a passar uma lei para garantir o salário mínimo, isto é o que vos tenho a dizer: Se acreditam mesmo que conseguem trabalhar a tempo inteiro e suportar uma família com menos de 15 mil dólares por ano, então experimentem. Se não, então votem para aumentar o salário a milhões de americanos”, disse.

Apesar das provocações, os republicanos mantiveram-se impávidos e serenos. O protocolo do Estado da Nação não dá margem para provocações à margem, chegando mesmo a bater palmas ao Presidente dos Estados Unidos quando este disse que queria criar condições para que as grandes empresas se estabelecessem em território norte-americano.

Sobre o impasse partidário em Washington, Barack Obama alertou para os riscos de voltar aos impasses do passado, dizendo que o país não se pode dar a esse luxo e que “as políticas vão continuar a funcionar, desde que a política não as bloqueie”, mas também deixou um aviso aos republicanos: “Se chegar uma lei à minha secretária que tente reverter alguma destas coisas, eu vou vetá-la”, disse.

Fechar o capítulo no Afeganistão

Depois de uma cerimónia mais formal para marcar o fim da guerra no Afeganistão no final do ano passado, agora foi a vez de Barack Obama o fazer no Congresso e tentar explicar o que considera ser um novo rumo na política externa norte-americana, com base nas lições do passado: “A questão não é se a América vai liderar o mundo, mas como. Quando tomamos decisões precipitadas, reagindo às manchetes em vez de usar as nossas cabeças; quando a primeira resposta a um desafio é enviar as nossas tropas, então arriscamo-nos a ser arrastados para conflitos desnecessários e negligenciar a estratégia necessária para um mundo mais seguro e mais próspero. Isso é que os nossos inimigos querem que nós façamos”, disse.

Ainda assim, o Presidente dos EUA quis passar uma mensagem de força, garantindo que os EUA estão ao lado de todos os que combatem o terrorismo no mundo, “desde uma escola no Paquistão às ruas de Paris”, e que o país irá continuar a perseguir os terroristas e a desmantelar as suas redes, e que se “reservam ao direito de agir unilateralmente”, como têm feito desde o 11 de setembro sempre que houver uma ameaça direta aos EUA e aos seus aliados.

No Congresso, democratas e republicados uniram-se numa homenagem aos mortos no ataque ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, empunhando lápis amarelos.

US lawmakers pay tribute to the victims of the Paris attacks by holding up pencils during the State of the Union address by US President Barack Obama, before a joint session of Congress on January 20, 2015 at the US Capitol in Washington, DC.   AFP PHOTO/JIM WATSON        (Photo credit should read JIM WATSON/AFP/Getty Images)

Usar a força contra o Estado Islâmico

Barack Obama defendeu ainda a estratégia que tem sido usada no Iraque e na Síria, no combate ao Estado Islâmico, onde os EUA fazem parte de uma coligação maior e onde tem dado sobretudo apoio a forças locais no terreno. Esta estratégia, diz, “vai levar o seu tempo e requer determinação, mas irá ter sucesso”, pedindo ao Congresso que aprove uma resolução que autorize o uso da força contra o Estado Islâmico, para demonstrar ao mundo a união nos EUA contra o terrorismo.

A Rússia está isolada

Obama lançou ainda farpas à Rússia. O Presidente dos EUA aproveitou para dizer ao país que está a fazer valer o princípio de que “os países grandes não podem fazer bullying com os pequenos”, opondo-se à “agressão russa” e apoiando a democracia ucraniana.

Barack Obama disse que “a Rússia está isolada”, com a economia em crise, enquanto os Estados Unidos estão mais fortes e unidos com os seus aliados, quando há um ano muitos elogiavam a estratégia de Putin.

Acabar o embargo com Cuba

Depois dos passos sem precedentes dados com o anúncio de negociações para retomar as relações diplomáticas cortadas há quase meio século, Obama foi ao Congresso pedir para acabar com o embargo ao país vizinho, dizendo que a estratégia face a Cuba já passou o prazo de validade há muito.

“A nossa mudança em relação à política face a Cuba tem o potencial para acabar um legado de desconfiança no nosso hemisfério, de acabar com desculpas esfarrapadas para manter restrições a Cuba, defender os valores democráticos e estender uma mão amiga ao povo cubano. Este ano, o Congresso deve começar o trabalho para acabar este embargo”, disse.

Continuar a negociar com o Irão

Barack Obama elogiou ainda os progressos que tem sido feito em relação ao Irão, que levou os dois países a sentarem-se à mesa e conversarem pela primeira vez na última década, ainda que seja apenas para discutir o programa nuclear iraniano e os progressos tardem em transformar-se num acordo.

Ainda assim, diz Obama, os EUA têm a possibilidade de até à primavera conseguirem um acordo abrangente que garantiria a segurança do país e dos aliados na região, como é o caso de Israel, evitando mais um conflito no Médio Oriente.

“Não há garantias que as negociações vão chegar a bom porto, e eu vou manter todas as opções em aberto para evitar um Irão com capacidade nuclear. Mas aprovar novas sanções neste Congresso vai impedir o sucesso da diplomacia, alienar os EUA dos seus aliados e garantir que o Irão reativa o seu programa nuclear. Não faz sentido. É por isso que irei vetar novas sanções que ameacem reverter este progresso. O povo americano espera que entremos em guerra apenas em último recurso, e eu pretendo manter-me fiel a esse princípio”, disse.

Promessa de fechar Guantanamo mantém-se

É uma promessa de longa data, mas Barack Obama continua a manter que vai fechar Guantanamo. A população da prisão norte-americana ao largo de Cuba já foi reduzida para metade durante a presidência de Obama, e é agora “tempo para finalizar o trabalho”. “Não vou ceder na minha determinação de a fechar. Nós não somos assim”, disse, sobre uma prisão que reconhece ser muito criticada pela comunidade internacional e que os próprios terroristas usam como desculpa para recrutar.