A cerimónia estava a ser previsível. Christian Bale tinha ganho o prémio de “Melhor Ator” pelo seu papel em “Vice”, Alfonso Cuarón tinha subido duas vezes ao palco por causa do seu muito elogiado “Roma” e a música “Shallow”, interpretada por Lady Gaga para “A Star Is Born”, tinha sido escolhida como a melhor. Até que, perto da reta final, Glenn Close roubou o Globo de Ouro das mãos de Gaga, Rami Malek das mãos de Bradley Copper e “Bohemian Raphosdy”, o filme sobre os Queen de que poucos críticos gostaram, recebeu o galardão mais importante da noite — o de “Melhor Filme” –, contra todas as espectativas. Num “final chocante”, como lhe chamou o The Guardian, a Hollywood Foreign Press Association (HFPA), que organiza todos os anos os Globos de Ouro, conseguiu atirar por terra todas as previsões e apostas que nos últimas semanas inundaram a Internet. E isto só para nos dizer que, afinal, não percebemos mesmo nada disto.
Mas a primeira surpresa da noite apareceu muito antes antes de Close, Malek ou dos Queen, quando “The Kominsky Method” foi considerada a melhor série de comédia do ano passado. A produção da Netflix teve pouco impacto quando estreou em 2018, e isso tornou-se evidente quando começaram a surgir os primeiros comentários nas redes sociais. “Alguém ouviu falar no ‘The Kominsky Method’ antes desta noite?”, perguntou uma utilizadora no Twitter. “A minha tia falou-me sobre isso”, respondeu uma outra utilizadora, com um emoji a encolher os ombros. O mais curioso é que a série teve direito a um segundo galardão, na categoria de “Melhor Ator”. O veterano Michael Douglas foi um dos primeiros a subir ao palco, montado como é costume no hotel Beverly Hilton, em Beverly Hills, onde a cerimónia dos Globos de Ouro decorre todos os anos. Rachel Brosnahan, em “The Marvelous Mrs. Maisel”, ganhou na categoria de “Melhor Atriz”.
HAD ANYONE EVER HEARD OF THE KOMINSKY METHOD BEFORE TONIGHT?!?!?!?!?!?!
— lizz (@lizzmcnamara) January 7, 2019
No drama, a grande vencedora foi a série de espionagem do tempo da Guerra Fria “The Americans”, que vai já na sexta temporada. O prémio de “Melhor Atriz” foi para a apresentadora deste ano dos Globos de Ouro, Sandra Oh, pelo seu papel em “Killing Eve”, e de “Melhor Ator” para Richard Madden, por “Bodyguard”. Madden foi igualmente uma surpresa, uma vez que o escocês é sobretudo conhecido pela série da HBO “Guerra dos Tronos”, onde fez de Robb Stark, o filho mais velho do senhor de Winterfell. O galardão deste domingo mostra que Madden é um ator a ter em atenção, como lembrou o The Guardian. Patricia Clarkson e Ben Whishaw levaram para casa os Globos de Ouro de “Melhor Atriz Secundária” e “Melhor Ator Secundário”, respetivamente.
“The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story” venceu na categoria de “Melhor Mini-Série” e de “Melhor Ator” numa mini-série. Lembrando que o estilista Gianni Versage foi assassinado há 20 anos, numa altura em que a homossexualidade não podia ser assumida abertamente, Brad Simpson, produtor-executivo, afirmou que as mesmas “forças de ódio” ainda “estão connosco” e que nos dizem “que temos de ter medo de quem é diferente de nós”. “Enquanto artistas, devemos lutar e representar aqueles que não estão representados, dar espaço àqueles cujas histórias nunca foram contadas. Devemos resistir e praticar o amor e a empatia nos nossos dia-a-dias. O nosso programa é uma peça de época, mas essas forças não são históricas. Estão aqui, e devemos resistir”, disse.
Assim renasceu uma estrela
O Globo de Ouro já parecia estar nas mãos de Lady Gaga. A imprensa, os fãs e os sites de apostas há muito que a apontavam como a grande vencedora na categoria “Melhor Atriz” de drama. Só que, no último segundo (e contra todas as expectativas), Glenn Close roubou o espetáculo. A atriz de 71 anos foi chamada para receber o prémio das mãos de Gary Oldman, que o apresentou, e Gaga, nomeada por “A Star Is Born”, teve de ficar a assistir da plateia. Mas Close não esqueceu as colegas nomeadas: uma vez em cima do palco, dirigiu-se a todas para dizer o quão honrada se sentia por partilhar aquele momento com elas. “Devíamos estar aqui todas”, disse, enquanto limpava as lágrimas do rosto.
Visivelmente emocionada, Close — galardoada pelo seu papel em “The Wife”, um filme sobre a mulher de um escritor prestes a receber o Prémio Nobel da Literatura –, admitiu que a única pessoa em que conseguia pensar era a sua mãe. “Complementou o meu pai a vida toda. Aos 80 anos, disse-me que achava que não tinha alcançado nada, e isso estava tão errado. As mulheres são cuidadoras; temos filhos, maridos se tivermos sorte. Mas temos de nos preencher, temos de seguir os nossos sonhos. Temos de dizer ‘tenho de fazer isto’ e ‘tenho de poder fazer isto’”, afirmou, perante uma ovação da plateia.
Tal como Muhammad Ali, que um dia sentiu que estava destinado a ser lutador de box, Glenn Close confessou que também sempre soube que o seu destino era ser atriz. Quando era pequena, via os filmes da Disney e dizia para si própria que “podia fazer aquilo”. Hoje, com várias décadas de carreira, não consegue “imaginar uma vida mais maravilhosa”. E foi também por isso que agradeceu este domingo em Beverly Hills, provavelmente no único momento verdadeiramente emotivo da noite deste domingo.
Rami Malek, que ficará para a história como o primeiro ator a vestir o papel de Freddy Mercury, recebeu o galardão de “Melhor Ator” num drama, e foi ao vocalista dos Queen que agradeceu sobretudo. Foi também a Freddy que o realizador de “Bohemian Rhapsody” deixou algumas palavras, depois de subir ao palco para receber o Globo de Ouro de “Melhor Filme” — mais uma vez contra todas as expectativas. “Como é que conseguiu bater ‘A Star Is Born’, que parecia destinado a ganhar, e o mais merecedor ‘Black Panther’ é difícil de compreender”, escreveu o The Guardian, descrevendo a atribuição do prémio à biografia da banda de rock como uma “verdadeira surpresa que é difícil de encontrar nesta temporada” de prémios. Resta saber se o feito será repetido nos Óscares, a 24 de fevereiro.
O filme de super-heróis “Black Panther” estava nomeado para três categorias mas não venceu em nenhuma. “A Star Is Born” teve mais sorte, e levou para casa o prémio de “Melhor Canção”. Esperava-se que Lady Gaga fizesse um grande discurso quando recebesse o Globo de Ouro de “Melhor Atriz” mas, como isso não aconteceu, foram poucas as palavras que deixou ao público. Agradecendo àqueles que ajudaram a criar “Shallow”, Gaga, que confessou ao E! À entrada da cerimónia que sempre quis ser atriz, lembrou que, enquanto mulher, é difícil ser-se levada a sério no mundo da música.
A par de “Bohemian Rhapsody”, o grande vencedor da noite foi “Green Book”. O filme sobre o pianista de jazz afro-americano Don Shirley e o antigo segurança de origem italiana Tony Vallelonga ganhou na categoria de “Melhor Filme” de comédia, fazendo lembrar os presentes que as diferenças existem para ser ultrapassadas. “Green Book” ganhou também o “Melhor Argumento” e o “Melhor Ator Secundário”. Regina King levou para casa o seu primeiro Globo de Ouro, de “Melhor Atriz Secundária”. Olivia Colman foi considerada a “Melhor Atriz” de comédia pelo papel em “The Favourite”. Já sem grandes surpresas foi o vencedor de “Melhor Ator” num filme de comédia: Christian Bale, que interpretou o vice-presidente Dick Cheney em “Vice”, levou o prémio para casa.
“Roma”, que se passa na década de 1970 na Cidade do México, ganhou na categoria de “Melhor Filme Estrangeiro”. O realizador, Alfonso Cuarón, agradeceu aos atores, presentes na plateia. “Estas novas experiências, estas novas caras, não são desconhecidas. Começamos agora a perceber o quanto temos em comum”, afirmou o mexicano, que deixou uma palavra também à sua família e ao seu país de origem. “Este filme não teria sido possível sem as cores que constituem quem eu sou.” Cuarón ainda voltou uma segunda vez ao palco, para receber o galardão de “Melhor Realizador”.
Jeff Bridges está vivo. E nós também, e por isso podemos fazer a diferença
As últimas duas edições dos Globos de Ouro ficaram marcadas por discursos poderosos. Em 2017, Meryl Streep, que recebeu o prémio Cecil B. DeMille, apelou à união e à tolerância, pediu uma imprensa mais forte e dirigiu fortes ataques a Donald Trump recentemente eleito. No ano seguinte, Oprah Winfrey, galardoada com o mesmo prémio carreira, fez um discurso emotivo, que deixou a plateia de lágrimas nos olhos. Lançando um apelo à verdade, à liberdade e, acima de tudo, à esperança por um mundo melhor, a apresentadora de televisão anunciou uma nova era sem “homens brutalmente poderosos”.
Os discursos de Streep e de Winfrey aconteceram em momentos conturbados. A atriz recebeu o prémio Cecil B. DeMille, atribuído anualmente a uma personalidade que tenha contribuído de forma “excecional” para “o mundo do entretenimento”, na ressaca da eleição de Donald Trump como 45º presidente dos Estados Unidos da América, e esperava-se que a atualidade política marcasse de alguma forma a entrega dos Globos de Ouro. Em 2018, com uma cerimónia que pretendia homenagear as vítimas de assédios sexuais em Hollywood, o tema quente do dia, contava-se que o discurso de Oprah Winfrey também seguisse uma direção política. Nenhuma das duas dececionou.
Em 2019, contrariando a tendência dos últimos anos, o Cecil B. DeMille foi atribuído a um ator. Jeff Bridges, conhecido por filmes como “Starman — O Homem das Estrelas”, “A Última Golpada” e sobretudo por “The Big Lebowski”, foi o galardoado durante a noite deste domingo por ter conquistado as “mentes e corações” de espectadores no mundo inteiro, afirmou Meher Tatna, presidente da Hollywood Foreign Press Association (HFPA), em comunicado. E também à diferença dos anos anteriores, Bridges não carregou o seu discurso de política, escolhendo uma abordagem mais positiva e lembrando a todos que está vivo e que isso é suficiente para fazer a diferença.
“Isto é uma honra maravilhosa”, começou por dizer, afirmando que eram muitas as pessoas a quem tinha que agradecer, porque “isto é um trabalho coletivo”. Num discurso marcado pelo positivismo e energia, o ator de 69 anos, nomeado sete vezes para os Óscares (e vencedor de um) e cinco para os Globos de Ouro (e vencedor também de um), garantiu que, apesar de muitas vezes não parecer, é possível fazer a diferença. “Às vezes pode parecer que não estamos à altura do desafio, mas estamos. Estamos vivos!”, afirmou, dirigindo-se à plateia de atores e realizadores. “Podemos fazer a diferença. Podemos virar isto para o sentido que queremos seguir — em direção ao amor, a um planeta mais saudável.”
Uma das novidades desta edição dos Globos de Ouro foi a introdução de um novo prémio carreira, o Carol Burnett, dedicado à televisão. A galardoada desta noite de domingo foi precisamente a veterana do pequeno ecrã, que, numa curta entrevista ao E! na passadeira vermelha, antes do início da cerimónia, admitiu ter ficado muito espantada por terem dado o seu nome ao galardão. “Acho que agora vou ter de manter o meu nome”, brincou. Em cima do palco do Beverly Hilton, Burnett falou do “sonho de criança”, que acabou por concretizar-se. “Às vezes sonho em ser criança outra vez e percebo a sorte que tive em estar ali, na altura certa”, afirmou a atriz de 85 anos e várias décadas de carreira à frente das câmaras. “Recebi um dom — uma tela para pintar com o vosso talento, que pode fazer as pessoas rirem ou chorarem, ou talvez as duas coisas.”
Words of inspiration from comedy genius Carol Burnett. #GoldenGlobes pic.twitter.com/mSWxIrjP7P
— Golden Globe Awards (@goldenglobes) January 7, 2019
Veja aqui todos vencedores da 76ª edição dos Globos de Ouro:
Categorias de cinema
- Melhor Drama: “Bohemian Raphsody”. Realizado por Bryan Singer;
- Melhor Comédia ou Musical: “Green Book”. Realizado por Peter Farrelly;
- Melhor Realizador: Alfonso Cuarón, “Roma”;
- Melhor Atriz (Drama): Glenn Close, em “The Wife”;
- Melhor Atriz (Comédia ou Musical): Olivia Colman, em “The Favourite”;
- Melhor Atriz Secundária: Regina King, em “If Beale Street Could Talk”;
- Melhor Ator (Drama): Rami Malek, em “Bohemian Rhapsody”;
- Melhor Ator (Comédia ou Musical): Christian Bale, em “Vice”
- Melhor Ator Secundário: Mahershala Ali, em “Green Book”;
- Melhor Argumento: Nick Vallelonga, Brian Currie e Peter Farrelly, para “Green Book”;
- Melhor Banda Sonora: Justin Hurwitz, para “First Man”;
- Melhor Canção: “Shallow” (música e letra de Lady Gaga, Mark Ronson, Anthony Rossmando e Andrew Wyatt), de “A Star Is Born”;
- Melhor Filme de Animação: “Spider-Man: Into the Spider-Verse”;
- Melhor Filme Estrangeiro: “Roma” (México). Realizado por Alfonso Cuarón.
Categorias de televisão
- Melhor Série (Drama): “The Americans”;
- Melhor Série (Comédia ou Musical): “The Kominsky Method”;
- Melhor Mini-Série ou Filme Produzido para a Televisão: “The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story”;
- Melhor Atriz (Drama): Sandra Oh, em “Killing Eve”;
- Melhor Atriz (Comédia ou Musical): Rachel Brosnahan, em “The Marvelous Mrs. Maisel”;
- Melhor Atriz (Mini-Série ou Filme Produzido para a Televisão): Patricia Arquette, em “Escape at Dannemora”;
- Melhor Atriz Secundária: Patricia Clarkson, em “Sharp Objects”;
- Melhor Ator (Drama): Richard Madden, em “Bodyguard”;
- Melhor Ator (Comédia ou Musical): Michael Douglas, em “The Kominsky Method”;
- Melhor Ator (Mini-Série ou Filme Produzido para a Televisão): Darren Criss, em “The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story”;
- Melhor Ator Secundário: Ben Whishaw, em “A Very English Scandal”.