Os detalhes sobre a vida de Mohammed Emwazi, conhecido como “Jihadi John”, começam a ser desvendados. Da infância difícil em Londres aos primeiros contactos com os radicais islâmicos na faculdade, até, por fim, ter vestido a pele de carrasco do Estado Islâmico, o percurso do homem mais procurado do mundo começou a ser seguido de perto pelos serviços secretos britânicos pelo menos desde 2009. A sua identidade só agora foi revelada mas a mãe já há muito o sabia, revela o Telegraph.
Em agosto, quando o vídeo da execução do jornalista James Foley começou a circular na internet, Ghania Emwazi, mãe de “Jihadi Jonh”, teve a certeza: “Aquele é o meu filho!”, gritou. A voz e o sotaque britânico não enganavam o ouvido de quem o conhecia tão bem. Quando a família voltou a ver as imagens, o pai dissipou qualquer dúvida que pudesse restar: aquele era Mohammed Emwazi, 27 anos, nascido no Kuwait, mas criado no Reino Unido desde os cinco. O mais velho dos seis filhos do casal tinha-se tornado o principal rosto da propaganda do Estado Islâmico.
O momento da execução do jornalista norte-americano James Foley
Quando as peças do puzzle se começaram a juntar e o cerco das autoridades começou a tornar-se mais apertado à família de Emwazi, o pai confessou aos investigadores que “esperava dia após dia ouvir a morte do filho”, contou um familiar ao Telegraph. No entanto, antes de se tornar o carrasco do Estado Islâmico, nada fazia prever que Mohammed Emwazi viesse a abraçar o jihadismo.
Um estudante “normal”, completamente integrado, dizem os colegas. Professores contam outra versão
Uma antiga colega de Emwazi, que preferiu não se identificar, contou ao Telegraph que Emwazi era um “típico rapaz no nordeste londrino” que “gostava de jogar futebol” e que “era amigo de todo a a gente”. Na multicultural sociedade londrina, Emwazi era amigo “de rapazes indianos, paquistaneses e de pessoas de diferentes religiões”, continua. “Não penso que ele fosse particularmente religioso na altura”, sublinha ainda a ex-colega de Emwazy.
Uma versão não inteiramente corroborada por Jo Shuter, antiga diretora da escola Quintin Kynaston (Londres), onde Emwazi estudou. A professora contou à BBC que Emwazi “não era um jovem particularmente social” e “não tinha um grande grupo de amigos”. Terá sido mesmo vítima de bullying por parte dos seus colegas. E há mais um fator a acrescentar: o jovem britânico nascido no Kuwait teve de receber tratamento para controlar a raiva porque estava sempre a lutar com os colegas.
Mohammed Emwazi ainda criança. Fonte: The Telegraph
“Víamos que se enraivecia e trabalhávamos isso com ele. Demorava muito tempo para se acalmar e trabalhámos muito como escola para o ajudar a lidar com a sua raiva e a controlar as suas emoções”, disse à BBC um professor que preferiu manter o anonimato.
Mas todos os pequenos problemas que marcaram o início da carreira escolar do homem agora conhecido como “Jihadi John” foram aparentemente desaparecendo. Emwazi tornou-se num “jovem pacato, razoável e trabalhador” que conseguiu ir para a faculdade que queria ir”, mesmo tendo a “responsabilidade” de ser “o mais velho de seis irmãos”, sublinhou Jo Shuter.
Universidade: o início da radicalização?
Em 2006, Mohammed Emwazi conseguiu ingressar no curso de Informática na Universidade de Westminster, aparentemente sem grande dificuldade. Os colegas de curso recordam um jovem “educado” com tendência para “vestir roupas ocidentais elegantes”. Mas – e há sempre um mas – foi também nessa altura que Emwazi começou a tornar-se mais próximo da fé islâmica e a abraçar os costumes muçulmanos: deixou crescer a barba e começou a ter alguma relutância em fazer “contacto visual com mulheres”, contam os seus antigos colegas.
Quando mais tarde foi interrogado pelas autoridades sobre este período da sua vida, Emwazi negou que alguma vez tenha admirado o jhiadismo. De acordo com o Washington Post, o jovem, então na casa dos 20, era apenas um frequentador ocasional de uma mesquita em Greenwich e não correspondia, pelo menos na altura, ao perfil de terrorista.
Seria uma viagem de final de curso à Tanzânia com mais dois amigos – um alemão entretanto convertido chamado Omar e Abu Talib, de quem pouco se sabe – que alterou o curso dos eventos. Pelo menos admitindo esta versão dos acontecimentos, lembra o jornal britânico. Foi depois dessa viagem ao país africano que começaram os problemas com os serviços secretos britânicos.
Aqui, as versões dividem-se: há quem garanta que foi a perseguição do MI5 que levou à radicalização de Emwazi, já depois de ter admitido suicidar-se por não aguentar mais a pressão; mas o Governo britânico garante que o jovem já há muito que se preparava para se juntar aos jihadistas – foi precisamente por isso que entrou nos radares dos serviços secretos.
Tanzânia, Amesterdão, Reino Unido: os primeiros interrogatórios
Em agosto de 2009, chegados a Dar es Salaam, capital da Tanzânia, os três jovens foram detidos pelas autoridades fronteiriças daquele país, que tinham ordens específicas para os deterem e interrogarem, como revelou um dos agentes que estava de serviço ao jornal britânico.
“Eles chegaram num voo da KLM que partiu da Holanda. Os nossos parceiros internacionais de segurança avisaram-nos que eles deveriam ser interrogados cuidadosamente. [Depois], deveriam ser colocados no mesmo avião para regressar naquela noite. Mas, durante a detenção, os nossos agentes perderam o barco e o avião partiu. Como medida de segurança, permaneceram detidos e partiram no voo seguinte”.
Algumas fontes garantiram ao Telegraph que Emwazi e os amigos ficaram detidos na prisão de Stakishari, conhecida pelas condições brutais – e é aqui que se começa a desenhar a segunda versão dos acontecimentos. Quando regressou ao aeroporto de Schipol (Amesterdão), o jovem foi abordado por um grupo de quatro homens armados do MI5 que o levaram para interrogatório e o acusaram de ser terrorista e de ter planos para se juntar ao braço da al-Qaeda na Somália. Algo que Emwazi sempre negou.
O grupo de direitos humanos Cage, que tinha estado em contacto com Emwazi, confirmou que a pressão dos serviços secretos internos britânicos contribuiu para a sua radicalização. Mohammed Emwazi terá mesmo revelado ao Cage que o MI5 o tentou recrutar para ser um agente infiltrado na luta contra o terrorismo.
Mas há mais: segundo o Mail on Mail on Sunday, Emwazi enviou um email ao jornalista Robert Verkai, onde assumia que tinha vontade de morrer por não aguentar mais a perseguição. “Por vezes sinto-me como um morto vivo. Eu não tenho medo que eles me matem. Tenho mais medo de um dia tomar o máximo de comprimidos que conseguir para poder dormir para sempre! Eu só quero escapar a esta gente!!!”, escreveu o jovem, segundo o jornal.
Terminado o interrogatório na Holanda, o jovem foi repatriado para o Reino Unido, onde um novo batalhão de questões o aguardava. Perguntaram, entre outras coisas, o que achava sobre os atentados em Londres, sobre o 11 de Setembro, sobre a guerra no Afeganistão e até o que pensava sobre os judeus.
Emwazy terá respondido apenas: “Vemos pessoas inocentes a serem mortas todos os dias nas notícias. [Quanto aos judeus] é a religião deles e qualquer pessoa tem o direito de ter a sua própria crença”, de acordo com o que conta Asim Qureshi, diretor de investigação da organização de defesa dos direitos humanos, que veio recentemente garantir que Emwazy era um jovem “extremamente gentil”.
No entanto, durante este segundo interrogatório, Emwazy teve conhecimento que, durante a viagem para a Tanzânia, o MI5 visitou a sua família – que não sabia nada sobre a viagem – e abordou também a sua noiva – uma rapariga que tinha apresentado à família. Foi nessa altura que o jovem visitou o responsável pelo Cage, “indignado” com o tratamento e a perseguição de que estava a ser alvo.
A estadia em Kuwait e o regresso ao Reino Unido
Depois deste episódio sucederem-se vários outros encontros com as autoridades britânicas. Antes, porém, Emwazy tinha viajado para o Kuwait para se juntar à família da noiva. Quando regressou a Londres para visitar os pais foi novamente detido para interrogatório no aeroporto de Heathrow, mas autorizado a estar no Reino Unido por oito dias.
Voltou para o Kuwait, mas, em julho de 2010, depois de o noivado ter terminado, Emwazy regressou definitivamente a Londres, onde foi mais uma vez detido – as autoridades suspeitavam das sucessivas viagens do britânico e acreditavam que o jovem estava prestes a integrar uma rede terrorista. Emwazy começou a sentir-se preso, como revelou ao Cage:
“[Sinto-me] uma pessoa presa e controlada por homens dos serviço de segurança, que me impedem de viver a minha vida nova na minha minha terra natal e no meu país”, confessou Emwazy.
Entre detenções, a vida sentimental somava insucessos atrás de insucessos: o primeiro noivado tinha terminado e o segundo teve o mesmo desfecho.
A transformação em “Jihadi John”
Em 2010, como é percetível pelas sucessivos interrogatórios e pelo cerco cada vez maior das autoridades, Mohammed Emwazi já estava referenciado pelo Governo britânico como potencial terrorista. O jovem continuava a dizer-se inocente. De acordo com o Telegraph, que teve acessos a vários documentos usados em processos judiciais contra um outro terrorista, tudo parecia apontar para que Emwazi pertencesse já a uma rede local de extremistas, conhecidos como “The London Boys” e que era vigiada de perto pelos serviços secretos. O britânico estava impedido de sair do país.
De alguma forma, e mesmo sob fortes medidas de vigilância, Emwazi terá, no entanto, conseguido viajar para a Síria no verão de 2013. Entrou em território sírio para se juntar ao Estado Islâmico, depois de anos a agir nas sombras da cidade londrina. Os pais, esses, foram os últimos a saber que Emwazi tinha partido para combater os “infiéis”.
Mas há uma peça que ainda falta no complexo puzzle da transformação do jovem britânico nascido no Kuwait em “Jihadi John”: como é que subiu tão rápido na hierarquia do Estado Islâmico e se transformou no carrasco e poster boy da organização terrorista.
Os primeiros relatos sobre “Jihad John” começam a surgir numa prisão em Idlib, na Síria. Um antigo refém ocidental, que conseguiu escapar da prisão depois de duras negociações, contou ao jornal britânico que Emwazi fazia parte da equipa de guardas que vigiam os reféns. Terá sido essa a primeira missão como militante do Estado Islâmico.
Um outro ex-refém revelou também como o guerrilheiro sentiu enorme prazer em aplicar o “waterboarding” – um método de tortura – em quatro reféns ocidentais. Agora Emwazi e outros dois homens de sotaque britânico, incluindo um de nome “George”, ocupam alguns dos “lugares mais poderosos do Estado Islâmico”, assegura o Washington Post. A alcunha, essa, recebeu-a na comunicação social, em homenagem a um homem que cantou contra precisamente tudo aquilo em que acredita o jihadista: John Lennon.