José Reis, juiz desembargador do Tribunal de Relação de Lisboa, acredita que não existem motivos para manter José Sócrates no Estabelecimento Prisional de Évora. O juiz, que se mostrou contra a declaração de especial complexidade decretada por Carlos Alexandre, defende que nem sequer havia indícios de corrupção quando o ex-primeiro-ministro foi detido em novembro de 2014.
Na declaração de voto vencido apresentada por José Reis na votação de quarta-feira, a que o Diário de Notícias teve acesso, o juiz do Tribunal da Relação de Lisboa defende que José Sócrates nunca foi “em momento algum” confrontado com factos concretos em relação aos crimes de que é acusado porque “eles inexistem”.
“Em momento algum, o recorrente foi confrontado com quaisquer factos ou indícios concretos e suscetíveis de integrar o crime de corrupção e, seguramente, não o foi porque, no extenso rol de factos (recheado de expressões conclusivas e dedutivas) que o MP lhe imputou, eles inexistem”, escreveu José Reis.
Na mesma declaração, o juiz chega mesmo a dizer que o conteúdo do processo se resume a “interpretações e deduções”, não existindo nenhum indício concreto dos crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais.
No que diz respeito ao dinheiro que circulava entre Sócrates e o amigo Carlos Santos Silva, José Reis considera estar “subjacente que tudo é contrapartida (indevida, claro) de ‘atos do governo'”. Porém, o juiz defende que esses atos nunca chegaram a ser descritos. “Em suma, continua a faltar a descrição indiciária objetiva do cimento da ligação“.
“Sucede que, no caso, tal quadro [a falta de um crime e precedente ao branqueamento de capitais] se apresenta manifestamente incompleto dada a total ausência de descrição de indícios factuais que eventualmente possam integrar o crime de corrupção. Esta é a realidade nua e crua“.
Por estes motivos, o juiz entendeu que não existem razões para declarar o processo de especial complexidade, até porque “não há complexidade alguma em investigar o nada, o vazio“. No projeto do acordão inicial, que depois foi transposto para a declaração de voto de vencido, Reis chegou mesmo a propor a emissão de um mandado de libertação de José Sócrates por falta de provas.
Na quarta-feira, o Tribunal da Relação de Lisboa recusou o recurso apresentado contra a declaração de especial complexidade no processo de José Sócrates. A decisão do tribunal foi tomada por maioria, uma vez que José Reis se mostrou contra a declaração. Foram precisas três reuniões e uma intervenção por parte da presidente da 3ª secção criminal, Teresa Féria, para que a declaração fosse finalmente confirmada.
A especial complexidade do processo em que está envolvido o antigo primeiro-ministro foi decidida o ano passado pelo juiz de instrução Carlos Alexandre. Esta permite o alargamento dos prazos de prisão preventiva e do segredo de justiça até um ano sem acusação. Sem esta declaração, José Sócrates já teria sido libertado e todos os arguidos já teriam tido acesso aos autos o processo.