Índice

    Índice

José Manuel Fernandes. Portugal merecia esta surpresa

A vitória de Carlos Moedas em Lisboa tem um indiscutível significado político. É uma magnífica surpresa que Portugal merecia e que chega numa hora muito importante.

Primeiro que tudo, a vitória de Carlos Moedas transcende Lisboa, porque Lisboa não é só a capital do país, Lisboa não é só a maior câmara do país – Lisboa foi a câmara a que o actual primeiro-ministro presidiu durante oito anos.

Depois porque a vitória da coligação encabeçada por Carlos Moedas em Lisboa prova que é possível derrotar a máquina socialista, uma máquina que parecia inexpugnável. Escrevi aqui na passada sexta-feira que era importante contrariar a asfixiante hegemonia socialista e que isso podia e devia começar a acontecer este domingo, fazendo recuar o poder do PS nas câmaras. O melhor local para isso acontecer era naturalmente Lisboa, a mais poderosa câmara do país, a mais rica, a mais escrutinada, aquela a que damos mais atenção. Ainda bem que isso aconteceu e ainda bem que não aconteceu só em Lisboa.

É muito importante sublinhar que, nestes tempos de desilusão e desencanto com a política, Carlos Moedas abandonou um dos lugares mais cobiçados em Portugal – administrador da Fundação Gulbenkian – para se empenhar numa corrida eleitoral que até ontem parecia perdida. Ganhou-a, e ganhou-a muito, eu diria quase exclusivamente, por mérito próprio, sem abdicar do rumo que escolheu nem ceder a discursos histriónicos. O seu exemplo é o exemplo de que é possível vir para a política e mudar a política.

Mas a sua vitória é também a derrota de um estilo de fazer política e de governar a cidade e o país, um estilo de que Medina e Costa são o alfa e o ómega.

Por isso este domingo abriu-se uma janela por onde entrou finalmente uma lufada de ar fresco no pesado (e fechado) ambiente político nacional. A surpresa de Lisboa permite ter a esperança – a certeza – de que nada é eterno, pois os eleitores, colocados perante alternativas consistentes, sabem optar pela mudança.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Alexandre Homem Cristo. A bazuca encravou — será que salvou António Costa?

O PS ganha (como esperado) e mantém-se como o maior partido autárquico. Mas a aritmética é um fraco consolo. O PS perde muitas câmaras, algumas importantes, como Coimbra e Figueira da Foz; não ganha Portalegre (vitória PSD); desperdiça oportunidades de consolidar no Alentejo, como Mourão, Redondo e Évora (por um triz). Em Lisboa, Fernando Medina cai a pique e com estrondo. Os números globais dão a vitória ao PS, mas a percepção nacional é de derrota. António Costa quis que o PS tomasse o país e não se coibiu de ser a figura central da campanha socialista, de bazuca em riste e promessas na ponta da língua. Falhou nessa ambição, a bazuca encravou e Costa levou uma lição após uma campanha vergonhosa, na qual se apropriou dos fundos europeus como trunfo eleitoral: já não há paciência para os “donos disto tudo”. O país deu os primeiros sinais de cansaço perante a ambição socialista de colonização do aparelho de Estado. Numa noite em que o PCP é o partido que sai pior das autárquicas, o primeiro-ministro é o grande derrotado político da noite.

O vencedor da noite é Rui Rio, empurrado pelo excelente desempenho de Carlos Moedas: o líder social-democrata vê o PSD ganhar vida e relevância, após semanas de baixas expectativas e sentenças feitas. Elevou o número de câmaras, ganhou Coimbra e Funchal, e retomou várias capitais de distrito. Nas últimas duas semanas, não foram raras as ocasiões em que se discutiu a inevitabilidade da derrota e consequente saída de Rui Rio. Agora, o PS já não parece invencível e a conversa nos bastidores será outra: com esta noite de autárquicas acima do esperado, os adversários internos (com destaque para Paulo Rangel) perderam balanço e Rui Rio ganhou argumentos para se manter no lugar.

Ora, o que é que isto significa? Desde logo, vamos ao que não significa: que Rui Rio seja um bom candidato a primeiro-ministro. Não é. E, portanto, o encravar da bazuca pode perfeitamente ter sido a salvação de António Costa: se estas autárquicas ajudarem Rui Rio a manter-se na liderança do PSD, acredito que ajudarão também os socialistas a vencer as legislativas de 2023. Quando passar a euforia, o PSD terá de olhar para os resultados e perceber que o país quer mudar. E que, se o país quer “novos tempos”, o PSD terá de mudar também.

Helena Matos. Ora “vamolaver”

Parafraseando uma expressão cara ao nosso primeiro-ministro, “vamolaver” rapidamente estas eleições autárquicas:

Pedro Nuno Santos já abriu o champanhe por se ver livre de Fernando Medina na corrida à liderança do PS?

António Costa já percebeu que é mais hábil em manobras de gabinete do que a fazer campanha? E o PS também já percebeu isso?

Quando é que o PS, o PCP e o BE acertam as contas desta noite eleitoral? A avaliar pelo resultado “aquém” de Jerónimo de Sousa e pelas contabilidades de António Costa nas declarações desta noite o deve/haver vai ser longo.

O PS já percebeu que há vida fora da bolha da propaganda?

Entre os eleitos do Chega há algum nome capaz de substituir o líder? O Chega não existe para lá de André Ventura. Um dia, um dos dois, o partido ou o líder, fartam-se um do outro.

Luís Feliciano, sabem quem é? Pode ter sido determinante na derrota de Fernando Medina. Luís Feliciano era o encarregado pela protecção de dados da Câmara Municipal de Lisboa. Rapidamente se esqueceu o nome do homem que Fernando Medina transformou no bode expiatório da partilha de dados de activistas com a embaixada da Rússia, mas há coisas que não se esquecem: Fernando Medina a despedi-lo em directo nas televisões. O sorriso de Medina pode ter começado a parecer falso nesse dia.

Paulo Rangel já percebeu que vai enfrentar um Rui Rio reforçado por estas eleições?

Foram as ciclovias, foram as ciclovias!… Não duvido que muitos daqueles que deram o seu voto a Carlos Moedas o fizeram por causa das ciclovias que Fernando Medina impôs autocraticamente na cidade.

Uma sondagem dá Marta Temido como “a favorita para suceder a Costa”. Não consigo comentar isto! O meu cérebro paralisa.

André Abrantes Amaral. Os fantasmas do PS vieram ao de cima

Os socialistas são perseguidos por dois fantasmas: a demissão de Guterres em 2001 e o afastamento de Sócrates em 2011. O fantasma do pântano e o fantasma da bancarrota. Junte-se a estes dois traumas a difícil situação económica do país (o défice disparou para 5,7% em 2020 e a dívida pública já ultrapassa os 270 mil milhões de euros) e a divisão interna de que padece o PS.

Atenção que a divisão dos socialistas não se reduz ao posicionamento dos sucessores de António Costa. É mais profunda. Alicerça-se numa divergência ideológica que pode causar sérios problemas ao PS. Assenta na luta que opõe os mais próximos de Costa (Mariana Vieira da Silva) aos radicais (Pedro Nuno Santos) e aos mais moderados (Sousa Pinto e Francisco Assis).

Foi o receio de que um resultado menos bom acendesse estas divisões que levaram Costa a apostar tanto nestas autárquicas. É verdade que os resultados não são catastróficos para o PS, mas deixam um sabor amargo. António Costa, como é habitual, desvalorizou o sucedido. Independentemente disso, o medo dos socialistas tinha uma razão de ser que está à vista de todos, tal qual o pântano que, finalmente, ficou à mostra. Tanto no país como no PS.

André Azevedo Alves. Uma noite feliz para Rui Rio

Contra as expectativas generalizadas, as eleições autárquicas traduziram-se num excelente resultado para Rui Rio. A noite eleitoral fica marcada por várias conquistas importantes do PSD por todo o território — com destaque para Coimbra, Funchal e Portalegre (as duas primeiras resgatadas ao PS) — e, acima de tudo, pela estrondosa vitória de Carlos Moedas em Lisboa. Quando chegou à liderança do PSD, Rio apontou para as autárquicas como objectivo prioritário e hoje pode declarar ter sido bem sucedido.

A noite eleitoral foi também positiva para Francisco Rodrigues dos Santos. O CDS mantém autarquias e capitaliza em mandatos com base na estratégia de coligações com o PSD. Uma estratégia cujos efeitos a prazo para o partido são discutíveis, mas que solidifica a liderança de Francisco Rodrigues dos Santos.

Já para o PS, as autárquicas deixarão um gosto amargo. É certo que os socialistas podem apontar para as vitórias sobre a CDU e para os totais nacionais favoráveis em termos de votação e mandatos, mas há um recuo face aos resultados históricos de 2017 e perdas de concelhos significativos para o PSD, com óbvio destaque para a capital. Uma derrota em Lisboa que deverá liquidar as aspirações políticas de Fernando Medina e reforçar a posição de Pedro Nuno Santos no partido. António Costa, pelo empenho que colocou na campanha, também terá poucas razões para sorrir, ainda que a sua posição como primeiro-ministro não fique posta em causa.

Quanto aos comunistas, não recuperaram terreno perdido e ainda acumularam perdas adicionais para o PS em bastiões tradicionais no Sul. Como nota positiva, fica apenas o excelente resultado de João Ferreira em Lisboa, que conseguiu captar eleitorado de esquerda descontente com Medina e reforçar a posição da CDU na capital. O futuro do PCP deverá passar por ele já a curto prazo.

O Chega fica, como seria de esperar, bastante aquém da votação obtida por André Ventura nas presidenciais, mas consegue dois objetivos importantes para um novo partido: implantação por boa parte do território nacional e afirmar-se como quarto partido a nível autárquico em termos de votação, ultrapassando o BE e ficando atrás apenas de PS, PSD e CDU.

BE, PAN e IL evidenciam fraca implantação autárquica. Uma situação mais preocupante para o BE, que baixa face aos resultados de 2017 e continua a não conseguir ter correspondência a nível local com a sua expressão mediática e política a nível nacional. O PAN cresce ligeiramente face a 2017 e a IL, nas suas primeiras eleições autárquicas, apresenta alguns resultados interessantes em zonas urbanas.

Nuno Gonçalo Poças. Uma noite longa que prepara um futuro nebuloso

É certo que as eleições locais têm o seu contexto próprio, que varia em função dos próprios municípios e das candidaturas pessoais que aí foram lançadas. Mas não será errado tirar leituras nacionais destes resultados.

A surpresa eleitoral em Lisboa (e essa surpresa já se bastaria com uma derrota de Carlos Moedas pela margem mínima) pode fazer toda a gente cair num engano. Que Fernando Medina é um fracasso eleitoral, não restam grandes dúvidas e, só por isso, um dos grandes vencedores da noite podia ser Pedro Nuno Santos. Isto, claro, se António Costa o permitir em 2023, o que pode fazer do secretário-geral do PS um dos derrotados destas autárquicas. A estabilidade governativa não se fará abalar pela continuação da derrocada do PCP e se a direita continuar como está o PS pode ter uma coisa por certa: os portugueses até podem desejar uma alternativa, mas se ela não existir os socialistas governarão até se cansarem.

Ficou evidente que os portugueses são mais inteligentes do que o Partido Socialista julga. Depois das semanas em que António Costa andou a percorrer o país como um vendedor ambulante de ilusões, os portugueses demonstraram grande maturidade política, explicando ao primeiro-ministro que já não vendem o seu voto por promessas de banha da cobra.

Parece também ficar cada vez mais claro que o PSD deixou de ser um partido com ambição nacional e de representar uma alternativa política séria, para passar a ser um mero aglomerado de pequenos domínios locais que, todos juntos, concebem a liderança de um partido que surge como alternativa mais formal que substantiva.

Não é evidente que haja um ardente desejo nacional de ver o PSD a liderar o País. O que se nota é que nalguns dos sítios em que o PS se mostra mais dono das instituições do Estado, a vontade de ver surgir uma alternativa existe – o que não existe é a alternativa em si mesma. Em Lisboa isso ficou particularmente claro. E esta será, porventura, a questão fundamental deste acto eleitoral.

A direita poderá passar os próximos tempos a decidir se a posição da IL em Lisboa foi ou não certa, se foi ou não relevante. Nada disso terá a sua importância para o eleitorado que procura uma alternativa credível e séria. Em Lisboa esse sinal foi dado pelos eleitores, falta chegar ao resto do País. Rui Rio está longe de poder deitar os foguetes ao ar, sim. Mas Paulo Rangel também não tem razões para celebrar: para essa alternativa surgir, o PSD precisa de um grande trabalho a partir de baixo, das suas bases, dos seus quadros dirigentes e, não menos importante, de formar uma segunda linha que mostre aos portugueses que ainda pode ser visto como um partido com quadros relevantes para a vida política portuguesa. Com esse trabalho feito, o PSD pode e deve ir coligado a eleições legislativas com quem quiser. Sem ele, limitar-se-á a fazer esta gestão dos reinados autárquicos de quatro em quatro anos.

Certo, certo, é que daqui em diante a direita democrática terá de interiorizar uma coisa de uma vez por todas: ou se reforma e começa a preparar terreno para entrar na abstenção e no eleitorado moderado ou verá crescer cada vez mais o partido de André Ventura, a partir de agora formador de pequenos quadros políticos espalhados pelo País. Ventura não teve uma vitória, mas teve o que quis: implantação local mais acentuada e capacidade de gerar mais e melhores resultados daqui em diante. A direita anti-sistema é dele; será um erro se o PSD julgar que lhe pode fazer concorrência e ter sucesso.

Os dias de reflexão começam agora e essa reflexão deve ser feita, sobretudo, à direita, na medida em que é dela que depende a alternância democrática. Desengane-se quem pensar que isso depende de uma mera mudança de liderança no PSD.

Miguel Pinheiro. Costa não soube perder, Rio não soube ganhar

Quando, na madrugada desta segunda-feira, António Costa fez o seu discurso ao país sobre as eleições autárquicas, não falou como primeiro-ministro, nem falou como líder do PS — falou como bastonário da Ordem dos Contabilistas. Debitou números, e mais números, e ainda mais números, e muitos números, e números infinitos. O objetivo confesso era mostrar que o PS era o grande vencedor da noite.

António Costa só se esqueceu de um pequeno detalhe, de um pequeno pormenor, de um pequeno problema. É que o PS perdeu a eleição em Lisboa. O feudo de António Costa, que foi herdado por Fernando Medina, é agora de Carlos Moedas. E isso pode ter consequências políticas graves — ficou claro que o PS de António Costa pode ser derrotado.

Do outro lado da barricada, Rui Rio teve uma noite de grandes vitórias. Em Lisboa, claro, mas também em Coimbra, no Funchal e em Portalegre, por exemplo. Perante esse extraordinário resultado, o que fez Rui Rio? Atacou António Costa e o PS? Não: atacou as sondagens e os comentadores. Enfim, o que é que se há de fazer?

Filomena Martins. O grande derrotado da noite? A impunidade

Mais do que nomes de vencedores ou vencidos, a noite eleitoral autárquica tem uma grande derrotada: a impunidade.

A impunidade de que António Costa, sobretudo, e Fernando Medina, também (arrastando todo o Governo e por consequência o PS) julgam gozar nestes últimos tempos. É verdade que essa perceção lhes foi dada por quem os foi (ou vai) elegendo depois dos sucessivos casos em que mostraram inabilidade de gestão política e social, desde os fogos de Pedrógão aos inenarráveis problemas com o ministro Eduardo Cabrita, só para citar dois exemplos chocantes.

Mas este foi o momento em que os portugueses disseram que não são tão estúpidos. Ou que não gostam que os tratem como tal.

Medina desvalorizou e menorizou o caso dos dados pessoais de activistas enviados pela câmara para embaixadas de países que devem muito aos direitos humanos; assim como chutou para canto as suspeitas de corrupção sobre o homem que esteve a seu lado durante anos nos projetos urbanísticos da CML, Manuel Salgado.

Costa foi mais longe. Misturou Governo, PS e campanha de forma descarada.

Quando era criticado pela oposição por falar das medidas do Governo, sacava ainda de mais e gritava-as dos púlpitos autárquicos onde bem lhe apetecia; se lhe apontavam o facto de estar a usar o controlo da pandemia e o sucesso da vacinação, ele fazia ainda mais gala disso, usando a ministra da Saúde como trunfo e indo ao ponto de ter anunciado o dia da libertação a 3 dias das eleições mesmo com o objectivo de vacinados por atingir; e quando lhe chamavam eleitoralista por usar o truque do PRR, ele disparava a bazuca em qualquer canto do país onde fosse: foi aliás com ela na mão que acabou sexta a campanha na capital.

Parecia que estava a gozar com Rio. Esquecendo-se que o estava a fazer também com muitos, mas muitos eleitores. E ainda mais portugueses. Ou seja, o primeiro-ministro (ou líder do PS, como queiram) esteve a fazer batota com o Plano de Recuperação e Resiliência (outro dos derrotados da noite) e mais uma série de coisas. Achou que podia, porque já se acha (ele e muitos a quem já passou a ideia) impune. Mas as pessoas perceberam o populismo. E não gostaram.

O primeiro-ministro teve um aviso nestas eleições locais. Um pequeno susto. Para sua sorte, viu a esquerda (à sua esquerda) enfraquecida. Mas vai ter de negociar com ela a nível nacional: Jerónimo de Sousa até já fez uma espécie de lista e o estender de mão do Bloco é só o início do retomar de uma bela amizade. Costa tem apenas um motivo para sorrir: a continuidade de Rio à frente do PSD parece garantida e essa agradar-lhe-á. Porque as ambições de Paulo Rangel, e as perspectivas de mudanças na direita a breve prazo, ficaram no limbo com os resultados da noite deste domingo.

Pedro Jorge Castro. Olha, afinal a bazuca de Costa dá tiros no PS

Medina e Machado, os M&M perdedores nestas eleições, viram as suas ambições políticas imediatas abatidas essencialmente por fogo amigo, do líder do próprio partido a que pertencem. Independentemente do mérito de Carlos Moedas e de José Manuel Silva, a soberba impune com que António Costa se passeou durante a campanha não ajudou em nada os candidatos socialistas a Lisboa e Coimbra.

Quase todos os primeiros-ministros, ao fim de mais de um mandato no poder, chegam a este misto de excesso de confiança, arrogância e perda de noção. Aconteceu com Cavaco, repetiu-se com Guterres, confirma-se com Costa, apesar de todo o talento político de que foi dando mostras como optimista irritante, desde que conseguiu chefiar um governo com apoio da geringonça depois de ter perdido as eleições de 2015.

Ficou também ferida a verdade tida como inabalável de que António Costa é um ativo para o PS. Nunca saberemos qual seria o desfecho se ele se tivesse mantido em silêncio nesta campanha, sem a despudorada instrumentalização da bazuca e sem os disparates incoerentes sobre a Galp, mas dificilmente teria sido pior. O PS conquistou uma série de câmaras importantes, manteve outras que pareciam estar sob forte ameaça, mas a humilhação do líder da associação de municípios em Coimbra e sobretudo a derrota que quase ninguém esperava em Lisboa ofuscam tudo o resto.

Já Rui Rio apontou a sua ira às sondagens, que foram de facto um flop em Lisboa, mas foram elas as suas melhores amigas para esta noite: foi graças à mediocridade geral desses estudos que pareceu ter um resultado afinal extraordinário e inesperado. Se as expectativas são tudo em política, como se vê, Rio tem agora uma grande responsabilidade: com este segundo fôlego, cimentou a legitimidade interna e encostou Rangel mais uns tempos. Mas se Costa voltar a meter o líder do PSD no bolso com a facilidade com que o fazia, o estado de graça esfumar-se-á a um ritmo ainda mais veloz do que aquele com que António Costa derrubou os seus candidatos sem querer.

PS (de post scriptum): Desapareceram dos seus boletins as cruzes que milhares de simpatizantes colocavam num partido que usa como símbolo a foice e o martelo. Se alguém as encontrar, favor dar notícias a: Comité Central do PCP, R. Soeiro Pereira Gomes 3, 1600-196 Lisboa. Jerónimo de Sousa diz que agradece.

Sara Antunes de Oliveira. É possível perder mesmo quando se ganha

Há derrotas que se definem à partida, independentemente dos resultados. Rui Rio teve pelo menos duas ainda antes de a campanha começar.

Em março, quando apresentou grande parte dos candidatos do PSD às eleições autárquicas, Rio só via dificuldades na ideia de apoiar Pedro Santana Lopes, ex-primeiro-ministro, antigo líder do partido e seu adversário nas internas de janeiro de 2018: “É preciso encontrar o concelho certo em que o PSD quisesse, ele também quisesse, o PSD local e o PSD nacional, e onde ele próprio tivesse alguma coisa a ver com o concelho, etc, etc, etc… e não me parece que vá acontecer isso”, disse, quase com enfado.

A escolha, afinal, era simples: Pedro Santana Lopes nunca teve medo de voltar aos sítios onde já foi feliz e achou que podia repetir a fórmula na Figueira da Foz — um concelho que ele queria e com o qual tinha “alguma coisa a ver”, mas que “o PSD local e o PSD nacional” não quiseram.

A recusa de Rio era legítima, mas o partido fez mais: passou semanas a tentar impedir que a candidatura que escolheu ter como adversária chegasse aos boletins de voto, recorrendo e voltando a recorrer de decisões judiciais que não lhe davam razão.

Os mais de 40% que conquistou este domingo são bem mais do que uma chapada de luva branca que, “se tivesse 25 anos”, Pedro Santana Lopes concordaria ter acabado de dar a Rui Rio. São a lembrança de que a nova forma de fazer política, de que o líder do PSD tanto se gaba, também não devia admitir tentativas de vitória na secretaria e que as escolhas fazem mesmo diferença — locais ou nacionais.

O que nos leva à segunda derrota antecipada: para a Amadora, o homem que sempre criticou os “julgamentos de tabacaria” — arma de arremesso, aliás, sempre a postos contra a comunicação social — escolheu uma antiga comentadora de programas de daytime nas televisões, pelos quais era paga para antecipar julgamentos, fossem de que tipo fossem. Desde que foi anunciada como candidata apoiada pelo PSD, Suzana Garcia não surpreendeu: disse que o Bloco de Esquerda e também o Chega (com quem admitiu, porém, dialogar) deviam ser exterminados, espalhou cartazes até por Lisboa a prometer fazer tremer o sistema — ou os “eco-fascistas-animalistas” do PAN —, defendeu a castração química e manteve posições consideradas racistas. Como é que Rui Rio conseguiu acomodar isto tudo? Com a ideia de que para a Amadora servia, mas, nas palavras de um dos seus vice-presidentes, talvez não passasse no “crivo de análise” para ser deputada à Assembleia da República. Curto, muito curto, para a liderança do “fazer diferente”.

Suzana Garcia deu ao PSD um resultado muito melhor do que o partido teve em 2017. Nenhum desses votos devia orgulhar Rui Rio.

(E não. As vitórias em Lisboa, em Coimbra ou no Funchal não transformam Rio no vencedor da noite eleitoral. Mesmo que o líder do PSD insista em garantir que sim.)

Rui Pedro Antunes. E agora, Rangel?

Rui Rio ganhou um golden ticket para ir a votos em 2023. O líder do PSD tem a maioria das capitais de distrito, incluindo a centralista e todo-poderosa Lisboa, a sua futura sede do Tribunal Constitucional (Coimbra) e, a nível nacional, ainda encurtou a distância de câmaras para o PS. Isto para não falar nas capitais regionais do Funchal (que recupera) e Ponta Delgada (que mantém). Ganhou as guerras todas, incluindo às sondagens.

Paulo Rangel, o maior challenger de Rui Rio, fez quase tudo bem no pré-autárquicas. Tomou o pulso ao aparelho, afastou eventuais campanhas negras (assumiu que era homossexual na televisão nacional para evitar chantagens) e fez importantes alianças, sendo a mais relevante a ligação a Miguel Pinto Luz.

Antes desta derrota de “muitochinho” de Rio, que soube a vitória, Paulo Rangel era o mais bem posicionado para suceder a Rio, incluindo contra o próprio Rui Rio. Em termos de aparelho não seria difícil (ainda será?) conseguir Lisboa, Porto, uma parte de Braga, uma boa fatia de Aveiro e alguma vontade de mudança no voto livre de caciques e caciquismos. Entre os portugueses também não ia mal: uma sondagem, nesta noite eleitoral, confirmou-o como favorito, arrumando até o sebastianismo passista.

Agora, tudo mudou: Rio sai mais do que favorecido destas autárquicas, acredita que pode ser primeiro-ministro em 2023 e que isto representa uma mudança de ciclo que afastará os socialistas do poder. O presidente do PSD parece estar disposto a ir a votos internamente e até aqueles que nunca lhe deram tréguas na oposição interna dificilmente conseguem transformar este resultado num mau resultado.

O desfecho desta noite eleitoral cria uma dúvida maior a Rangel do que a Rio: o presidente do PSD tem de avançar para uma recandidatura. Rangel, aparentemente, não pode recuar. Já o fez em 2017 e seria um sinal de fragilidade política fazê-lo outra vez.

O eurodeputado tem agora o maior dilema da sua vida política: ou avança e desafia um líder insuflado e vitorioso (correndo o risco de perder) ou não avança e desiste definitivamente de liderar o partido e o país. Rio sobreviveu à primeira prova de vida. Rangel tem de decidir se quer mudar de vida. É desta pergunta que depende o futuro do PSD: e agora, Rangel?