O desperdício alimentar deveria estar na ordem do dia. Ainda que seja um tema levado para as discussões, a continuidade das mesmas deveria ser urgente e todos os esforços deveriam estar direcionados nesse sentido. Afinal, só em Portugal são desperdiçados 184 kg de comida por ano por pessoa, um número que coloca o país em 4.º lugar na Europa em termos de desperdício alimentar. Assim, é preciso mudar, alterar mentalidades e reunir a informação necessária para perceber que caminhos deveremos seguir para que o combate ao desperdício seja, de facto, o destino final.

Depois de uma 1.ª edição de sucesso, chegou o dia de dar vida à 2.ª edição do Make It Sustainable: Food Waste. Nesta iniciativa da Phenix Portugal, o propósito foi reunir vários especialistas e oradores para, ao longo do dia 30 de setembro, discutirem e analisarem o estado do desperdício alimentar e que ferramentas se encontram disponíveis para o combater. “Combate ao desperdício no setor – Responsabilidade no Presente & Futuro”, “Food Lost & Waste – Global International Vision”, “Novos Caminhos para uma segunda vida dos produtos alimentares” e “A doação como ferramenta de luta contra o desperdício alimentar” foram os quatro painéis que enriqueceram este evento e nos quais várias ideias foram trocadas ao longo do dia. Em todos eles, uma ideia ficou clara: o desperdício começa nas nossas casas e é a partir delas que também a mudança poderá acontecer. Afinal, esta é uma responsabilidade que é de todos, seja enquanto cidadãos, seja enquanto operadores económicos.

“Cabe a todos nós fazermos alguma coisa para cada vez mais podermos ir reduzindo estas quantidades de desperdício. Porque é efetivamente impressionante a quantidade de desperdício que existe ao longo de toda a cadeia”, palavras de Luís Correia, CEO da Planície Verde, que no primeiro painel do dia explicou: “Este ano, cerca de 20% do que produzimos foi desperdiçado. Não conseguimos comercializar por culpa das condições climatéricas, mas também porque o consumidor hoje está cada vez mais preocupado com questões estéticas, com pequenos pormenores. Se existisse uma campanha a sensibilizar os consumidores de que essa fruta está boa, acho que seria muito mais fácil”.

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Nesta conversa, moderada por Cristina Câmara, Head of Sustainability da APED, ficou claro que o foco deverá estar no trabalho junto do consumidor. “Nós não nos podemos conformar com um problema que é essencialmente ético e moral”, reforçou Pedro Lago, Sustainability Projects Director da MC Sonae, acrescentando: “Qual é a lógica de um terço dos alimentos serem desperdiçados quando existem pessoas com carências alimentares? Não nos podemos conformar com isto, considerando também os problemas sociais e ambientais associados ao desperdício. O desperdício representa, do ponto de vista da pegada de carbono, quatro vezes o setor de aviação, por exemplo. Todos nós temos a obrigação de fazer mais e melhor, e temos, ainda, um longo caminho a percorrer”.

Para Pedro Lago, há duas palavras que poderão ditar o futuro neste sentido: Colaboração e Inovação. “Nós continuamos a tentar resolver o problema, cada um por si, e temos de pensar enquanto ecossistema. Como é que podemos colaborar no sentido de potenciar as ferramentas de combate ao desperdício? Numa era da tecnologia, em que podemos digitalizar processos, por exemplo, deixar de ter a burocracia de papéis, porque não fazê-lo? E que tal falarmos de inteligência artificial? Porque não utilizar estas ferramentas para sermos mais precisos naquilo que doamos?”. Neste painel, foi realçado que é necessário pensar fora da caixa e promover uma adaptação crescente às necessidades do mercado. Mas, acima de tudo, ficou a ideia de que, embora o consumidor esteja cada vez mais consciente, continua a precisar de ser esclarecido.

Alguns pontos a reter

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  • Planeamentos mais assertivos;
  • Digitalização de processos;
  • Sensibilização junto dos consumidores;
  • Adaptação às necessidades do mercado;
  • Inclusão de novas alternativas alimentares, como o consumo de insetos, para um maior fomento da sustentabilidade e do combate ao desperdício;
  • Legislação adequada;
  • Doação como ferramenta de combate;
  • Investir em voluntários, bem como na sua profissionalização;
  • Acima de tudo, passar da vontade à ação.

E por falar em pensar fora da caixa, no 3.º painel do dia houve tempo para perceber que novos caminhos existem para uma segunda vida dos produtos alimentares. Numa conversa moderada por João Paulo Sacadura, Host do Observador, os insetos e as sementes ganharam destaque e, com a ajuda de Gonçalo Costa, Co-founder & Chief Scientist da Cricket Faming Co., e de Gonçalo Ramos, Co-Founder e CCO da Seedsight, tornou-se evidente que outros projetos podem surgir, fruto de uma vontade de combate ao desperdício. A ingestão de insetos, como os grilos – com um alto teor proteico e com um elevado potencial no que diz respeito à sustentabilidade -, ou a criação de uma biblioteca de dados online contendo as assinaturas digitais de sementes e grãos, meticulosamente validadas, através de análises biomoleculares e biofísicas, são exemplos de ideias que dotarão os consumidores da informação necessária para uma tomada de decisão mais consciente.

Com o dia a terminar, a doação foi o tema central do último painel, moderado por Catarina Oliveira, Diretora da Canela Portugal, com a presença de Carlos Hipólito, Head of Portugal da Phenix; Pedro Gonçalves, Coordenador e Secretário-Geral da Associação Vida Abundante; e Marta Pereira, Coordenadora da Equipa Executiva de Fontes de Alimentos da Refood Portugal. Aqui, a discussão destacou como a doação pode, de facto, ser uma ferramenta de combate, que desafios lhe estão associados, qual a missão das IPSS neste caminho, qual o papel dos voluntários, a necessidade da sua profissionalização e, até, o papel da sociedade, bem como a importância das gerações mais novas para um futuro mais verde. “Eu acho que só vamos realmente conseguir mudar o paradigma daqui a algumas gerações. Mas temos de começar nesta geração mais nova. Uma criança convencida é uma família convencida”, mensagem de Pedro Gonçalves, que em muito se assemelhou à dos colegas de painel.

Ainda assim, Carlos Hipólito aproveitou a oportunidade para reforçar a mensagem, que foi similar em todos os painéis do evento: “A consciencialização é o mais importante, mudar o mindset. A par de outras coisas, como, por exemplo, digitalizarmos processos e reduzirmos burocracia. Mas o caminho passa por simplificar. Se conseguirmos simplificar, conseguimos alcançar resultados mais rápidos e com maior impacto. Precisamos de mudar e, ao mesmo tempo, contagiar quem está à nossa volta”.

A 2.ª edição terminou e com ela veio a certeza de que o caminho ainda é longo, mas é necessário ser trilhado. Na luta contra o desperdício alimentar, toda a informação é uma arma valiosa de combate e a presença de todos, enquanto sociedade e ecossistema, é um trunfo fundamental para uma vitória que se quer possível.