Já não será novidade para ninguém que a música portuguesa atravessa um momento verdadeiramente áureo quando falamos de qualidade e diversidade artística. Além disso, está claramente cada vez mais identitária e original, com mais canções em português, a envolver mais as raízes tradicionais do país ou das comunidades que o formam, dos PALOP ao Brasil.

Essa multiplicidade e autenticidade da música nacional reflete-se bem quando olhamos para os últimos seis meses — de janeiro a junho de 2024 — e traçamos um retrato do melhor que foi feito. Do rap ao fado, da pop à eletrónica, da alternativa à mais comercial, música de qualidade com todos os sotaques, cores, texturas e feitios. Este é um possível mapa em forma de playlist do melhor que foi feito em Portugal na primeira metade do ano.

“Amor de Ferro”, Diogo Piçarra

É um dos singles do álbum que Diogo Piçarra, um dos mais populares cantores portugueses da atualidade, lançou em março, com o título SNTMNTL. Amor de Ferro é uma balada moderna, em colaboração com Pedro Abrunhosa, que, com a sua produção eletrónica, progressivamente ganha uma pulsão rock que faz lembrar uns Linkin Park, influência assumida que Piçarra tem vindo a homenagear ao vivo ao longo dos anos.

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“Aqui Se Faz, Aqui Se Paga”, Pedro da Linha, The Legendary Tigerman e Lucy Val

Depois do EP Rua Rosa, 24, editado no ano passado, Pedro da Linha continua a explorar a música e a cultura popular portuguesa com uma canção de baile que se revela uma pequena pérola. Com a guitarra calorosa e endiabrada de The Legendary Tigerman, mais a voz melódica e cativante de Lucy Val, Pedro da Linha construiu um tema repleto de portugalidade, cruzando tradição e contemporaneidade, simplicidade e sofisticação, como tem sido a sua marca nos últimos anos. Foi o primeiro avanço de um disco prometido para 2025 e que vai incluir também o single Oji é Oji, feito com Dino D’Santiago.

“Arena”, zé menos e Pedro O Mau

Dois dos mais inventivos artistas a surgirem na última década no vasto mapa musical ligado ao rap português, zé menos e Pedro O Mau — que sempre procuraram extravasar fronteiras, quebrar cânones e padrões, construir híbridos singulares, explorar novas coordenadas sonoras — juntaram-se para um EP intitulado quatro partos, editado em maio. O single foi Arena, uma canção que evoca Grândola Vila Morena, reage à ascensão da extrema-direita e, sobretudo, à falta de cuidado com os cravos, esse símbolo inigualável da democracia portuguesa.

“Atrás da Barricada”, Benjamim

Foi uma autêntica odisseia artística aquela que levou Benjamim a As Berlengas, um arquipélago tão real quanto imaginário, onde as fronteiras entre factos e fantasia se esbatem como as ondas do mar a envolverem-se nas rochas. Um dos temas desse disco (que também é um filme) é Atrás da Barricada, que demonstra bem o carácter ambiental do álbum e as qualidades deste cantautor-produtor, que tanto está familiarizado com a guitarra como com a MPC, a máquina que serviu de base a todo este projeto. Para saber mais, é ler a entrevista do próprio com o Observador.

“Bastonada nos Dentes”, Filipe Sambado

Lançada há poucos dias, mas a tempo de integrar a primeira metade de 2024, Bastonada nos Dentes é a primeira canção de Filipe Sambado desde o álbum Três Anos de Escorpião em Touro. Aborda a violência policial e a forma como esta tomou conta da função das forças de segurança na nossa sociedade, numa altura em que tanto se discute os aumentos da classe profissional ou casos de abusos como a história de Cláudia Simões. Musicalmente, vem na linha hyperpop que Sambado tem vindo a trilhar, mas com uma adrenalina punk rock que percorre a produção complexa e auspiciosa.

“Cada x + Perto”, Bateu Matou

Ao segundo álbum, a música dos Bateu Matou — o trio de bateristas e produtores composto por Quim Albergaria, Ivo Costa e RIOT, que se têm vindo a destacar de diversas formas na música portuguesa — é uma autêntica Batedeira. O disco reflete essa mistura orgânica que acontece em Lisboa há séculos, dos cruzamentos entre a tradição portuguesa e influências africanas, asiáticas ou americanas. Cada x + Perto evoca a ligação a Goa e as raízes tanto de Ivo Costa como de RIOT, numa faixa enérgica que exige baile e onde tanto se ouve português como concani, pelas vozes de RAISSA e Rubi Machado, acamadas pelas flautas de Rão Kyao. Música lisboeta autêntica? Está aqui, na multiculturalidade mais do que enraizada. Para saber mais, é ler a entrevista que o grupo deu ao Observador.

“Calon”, Nininho Vaz Maia

Numa maior aproximação à chamada música urbana — e a híbridos que fervilham entre a pop, os ritmos ou melodias tradicionais e a música eletrónica — Nininho Vaz Maia reafirma o orgulho nas suas raízes ciganas em Calon, um tema que promete fazer a festa em qualquer recinto (basta espreitar o videoclip) e que é a mais recente canção do músico português. Nota para como consegue conciliar o poder e o alcance natural da sua voz com a ferramenta estética do auto-tune nalguns segmentos da música.

“Cara Que É Tua”, Cara de Espelho

É um dos discos que, indubitavelmente, marcam a música portuguesa neste ano de 2024. Partindo de palavras e composições de Pedro da Silva Martins, Cara de Espelho é uma espécie de super-grupo que junta ainda Carlos Guerreiro (José Afonso, Fausto, Gaiteiros de Lisboa), Nuno Prata (Ornatos Violeta), Luís J. Martins (Deolinda, António Zambujo), Sérgio Nascimento (Sérgio Godinho, Humanos) e Mitó (A Naifa). Com letras que reagem ao momento político e social que atravessamos, as canções têm uma abordagem pop mas também uma portugalidade inerente. Cara Que É Tua, que abre o disco, é uma das melhores do alinhamento. Descubra mais sobre o projeto nesta entrevista do Observador com Pedro da Silva Martins.

“Como é Linda”, Carolina Deslandes

Ano após ano, Carolina Deslandes tem vindo não só a reforçar o seu impacto enquanto estrela pop nacional, mas também o seu talento e estatuto como autora e compositora. Como é Linda foi o single que apresentou nesta primeira metade do ano, a sua “primeira canção feliz em seis anos”, uma música bucólica mas madura, que não vende ilusões; antes faz por aceitar a vida como ela é, com todas as falhas, defeitos e caos que encontramos ao longo do caminho.

“Contra Probabilidades”, Bispo ft. Julinho KSD

No caminho para os coliseus, que já estão reservados para março do próximo ano, Bispo alia-se pela primeira vez ao mais novo Julinho KSD — igualmente um fenómeno de popularidade nacional no campo do rap, também ele oriundo de Algueirão-Mem Martins — para Contra Probabilidades, um single produzido por Fumaxa onde se celebram as vitórias e se reflete sobre o caminho trilhado até aqui.

“coração”, JÜRA

Em maio, JÜRA lançou um álbum surpresa intitulado sortaminha. Lá no meio estava um single apresentado um mês antes, coração, que reflete o disco feliz e recheado de amor que a artista nunca pensou fazer. Voz adocicada que preenche a fronteira ténue entre pop e música urbana, com produção refrescante mas segura, sem arriscar, demonstra bem o porquê da dimensão que JÜRA conquistou progressivamente nos últimos anos.

“Cravo na Voz”, Mei Rose

Abril, o mês em que celebrámos os 50 anos de Liberdade em Portugal, trouxe-nos uma canção alusiva que nos apresentou à promissora Mei Rose. Com uma voz madura e repleta de nuances, uma produção auspiciosa e completa que vai beber à tradição nacional e a cruza com linguagens contemporâneas, tanto soa à banda sonora de um filme de James Bond como evoca o melhor da música pop interventiva feita por cá. Um nome a manter definitivamente no radar.

“Diga 33”, a garota não

Por falar em 25 de Abril e música de intervenção, A garota não presenteou-nos no dia do 50.º aniversário da revolução com esta canção. A mensagem óbvia aparece logo no início, pela voz de Sérgio Godinho: a liberdade é sempre precária e é preciso lutar por ela. Godinho não é só uma figura que foi influente na formação artística de Cátia Oliveira. Para este tema em jeito de celebração e homenagem, A garota não agarrou em 33 títulos do cantautor português para lhe prestar tributo e construir um hino à liberdade.

“Dois”, Fernando Daniel

Enquanto prepara o segundo volume de V.H.S., um disco mais acústico, com algumas influências country ou da folk norte-americana, Fernando Daniel presenteou os fãs com Dois, uma balada pop que aborda um momento de afastamento entre duas pessoas.

“Dopamina”, Mura e Stereossauro

No campo do hip hop, o disco que uniu o rapper Mura ao veterano produtor e DJ Stereossauro foi um dos mais interessantes a saírem nesta primeira metade de 2024. ADAMAS, a palavra em latim para “diamantes”, é o álbum que inclui esta Dopamina. Rap de recorte clássico mas com sofisticação, tanto na composição como na produção e escrita. Uma pérola do underground que merecia mais visibilidade.

“Estagnação”, Maria Reis

Se é para falar em discos relevantes, não há como contornar o primeiro álbum a solo de Maria Reis, que começou por dar que falar junto da irmã Júlia, nas Pega Monstro. Trata-se de um Suspiro… vulnerável, onde a artista expõe as suas inseguranças com uma maturidade poética e musical assinalável, e onde está incluída esta Estagnação.

“Even”, Richie Campbell e Van Zee

Uma das grandes instituições da música urbana nacional, Richie Campbell juntou-se a uma estrela em ascensão, Van Zee, para um par de faixas a que chamaram It Will Hurt Both Ways. A mais sonante, que conta com FRANKIEONTHEGUITAR nos créditos de produção, é Even, rebuçado de R&B moderno sobre um desamor, entre o inglês e o português, com destaque para as melodias de voz de ambos os protagonistas.

“Fala-me a Verdade”, Piruka e Bia Caboz

Um crossover entre fado e rap, tanto nas vozes como no instrumental, que tem sido um sucesso ao juntar um dos mais populares rappers nacionais com uma fadista emergente, pouco tradicional, mas com talento, técnica e alma na voz. O videoclip arrojado também contribuiu para alavancar o tema.

“G-$TAR”, Yuri NR5

Um dos mais audazes rappers de uma nova geração, sempre atento e criador nas tendências mais contemporâneas do trap, Yuri NR5 lançou o seu primeiro disco em junho. O EP PELE & OSSO tem como single G-$TAR, um banger orelhudo e recheado de braggadocio, com produção notável de Chaylan, onde se destacam as melodias de voz de Yuri NR5 e o seu estilo diferenciado. “Vai five, vai five”.

“Gárgulas”, João Maia Ferreira

Depois de uma prolífica carreira enquanto benji price, João Maia Ferreira optou por usar o seu verdadeiro nome para uma nova fase do seu percurso. Pretendia libertar-se das amarras e padrões do rap para explorar sem filtros a sua criatividade, dando luz a novos híbridos sonoros. O primeiro tema nesse sentido foi Gárgulas, uma faixa que ainda tem bastante de benji price mas que também já aponta noutras direções. Além do mais, apresenta uma colaboração marcante com Conan Osíris, que faz uma aparição quase em modo rapper, num registo inventivo até para a sua vasta panóplia de possibilidades musicais. Foi o primeiro avanço de O Lobo Um Dia Irá Comer a Lua, álbum que o autor já antecipou em entrevista ao Observador sobre esta metamorfose artística.

“Grito”, iolanda

É a música que representou Portugal na Eurovisão deste ano. Grito ficou em décimo lugar na final de Malmö, mas acima de tudo conquistou um público e catapultou de algum modo a promissora iolanda para voos mais altos. Letra séria, versos sentidos, voz com alcance e produção de qualidade.

“Habibi”, Dillaz

O imaginário exótico (mas muito próximo) de Marrocos percorre Habibi, um dos singles que Dillaz lançou de O Próprio, o seu quarto álbum de originais, com produção refrescante e onde expandiu os limites do seu som. Com um instrumental sedutor e um flow imaculado, em Habibi Dillaz exibe rimas de egotrip e punchlines divertidas: está a receita feita para um tema impactante que marca pela diferença.

“Herança”, Silly

Não há grandes dúvidas de que, contas feitas no final do ano, o álbum de estreia de Silly, Miguela, terá de estar representado entre os melhores discos nacionais de 2024. Produzido na íntegra pelo veterano e multifacetado Fred Ferreira, é um trabalho que ultrapassa géneros e categorias (e que apresentámos aqui no Observador na altura do lançamento), com instrumentais orgânicos e repletos de nuances que servem e envolvem a poesia introspetiva de Maria Bentes. Herança, uma das melhores faixas do projeto, demonstra bem a riqueza lírica e sonora deste disco.

“Stay Away”, Nelson Freitas

Nascido nos Países Baixos com raízes cabo-verdianas, mas radicado em Portugal há vários anos, Nelson Freitas é um dos reis do zouk e do R&B da lusofonia. Este ano lançou Black Butterfly, um disco mais ligado aos afrobeats que têm contagiado a pop mundial. Um dos melhores temas, onde, como é natural na sua obra, tanto se ouve crioulo como inglês, é este Stay Away.

“Inferno”, O Marta

Ao segundo álbum, Guilherme Marta continua a explorar os cruzamentos entre o indie rock, a música eletrónica e as tradições das suas raízes beirãs, desde a percussão aos coros, passando pelas melodias de guitarra. Inferno é um dos melhores temas de Casta Brava, um admirável disco que muito contribui para a vanguarda musical nacional.

“Janaina Calling”, Club Makumba

Foi logo em janeiro que os Club Makumba — entusiasmante banda instrumental que junta Tó Trips (guitarra), João Doce (bateria), Gonçalo Prazeres (saxofone) e Gonçalo Leonardo (baixo) — apresentaram o segundo disco, Sulitânia Beat, onde encontramos esta Janaina Calling, evocando paisagens distantes do sul, aventuras jazzísticas, tempestades de areia elétricas.

“Katana”, Pongo

Dois anos depois, Pongo voltou com música nova — e Katana tem tudo aquilo que a artista sempre foi. Uma canção quente e abrasiva que evoca as suas raízes angolanas, capaz de levantar os mortos, do quão física e visceral soa. Pongo não está para brincadeiras e Katana é um ótimo prenúncio do que poderá vir aí.

“Lampedusa”, Luca Argel

Luca Argel nunca falha, sobretudo quando escreve sobre temas relevantes para a humanidade com a compaixão, empatia e visão alargada que o caracteriza. Em Lampedusa, claro, evoca a ilha mediterrânica que tantas manchetes tem feito ao longo dos últimos anos e reflete sobre aqueles que, desesperados ou movidos por esperança, deixam a sua terra e se atiram ao mar. Acompanhado pelo piano da baiana Pri Azevedo, trata-se do primeiro avanço do seu próximo álbum, Visita, a ser editado em outubro.

“Lembrança”, Miguel Carmona

Fruto de uma geração digital e de uma linha pop muitas vezes formatada, Miguel Carmona começou por se dar a conhecer no The Voice e, depois, através de covers que lançava online. Este ano, estreou-se com um impressionante disco de estreia, Fora de Horas, de sublimes e minimais canções pop, muito sobre amores e desamores, produzidas com bom gosto pela dupla segura de Migz e Ariel. Lembrança é um bom exemplo do que o álbum tem para oferecer.

“Marcha da Paridade”, Bia Maria

Depois de três EPs, em Novembro chega o primeiro álbum de Bia Maria, uma promissora cantautora que tem vindo a emergir no circuito da música alternativa ao longo dos últimos anos. Por enquanto, podemos ouvir Marcha da Paridade, single-bandeira que fala sobre a experiência feminina na nossa sociedade — e também do que é ser uma mulher artista.

“Mood 111”, Branko

Para o seu quarto disco, Branko trancou-se num estúdio com uma série de instrumentistas que diz definirem grande parte do som atual de Lisboa. Agarrou nas gravações dessas jam sessions e, depois de um elaborado processo de cortes, colagens ou acrescentos, produziu uma série de instrumentais que deram origem a esta Soma. Um dos temas que mais se destacaram no álbum foi Mood 111, canção para todas as horas que junta as vozes de Dino D’Santiago e June Freedom. Para saber mais sobre o projeto, é ler a entrevista de Branko ao Observador.

“Na Na Nada”, Capitão Fausto

É outro dos discos portugueses que incontornavelmente marcam este primeiro semestre. Subida Infinita tem a relevância particular de ser o último álbum com o teclista, Francisco Ferreira, que deixou os Capitão Fausto. E Na Na Nada, uma das melhores pérolas do disco, é um tema onde o trabalho e talento do músico estão em clara evidência.

“Não Sei Do Que É Que Se Trata, Mas Não Concordo”, Vitorino

Difícil haver um título que condiga melhor com o que Vitorino sempre representou ao longo do tempo. Eterno inconformado, dotado de um espírito jovial invejável, lançou um novo álbum aos 81 anos, Não Sei Do Que É Que Se Trata, Mas Não Concordo. A faixa-título, escrita pelo próprio, é particularmente recomendável, com arranjos sublimes, melodias cinematográficas e versos poderosos na voz inconfundível de Vitorino Salomé. Sugerimos que leia a entrevista com o próprio sobre o disco e os 50 anos do 25 de Abril.

“Ó Mar”, Diogo Clemente

Depois de anos (e anos) a produzir e a compor para outros, Diogo Clemente resolveu-se a investir numa carreira em nome próprio e tem lançado alguns singles nos últimos tempos. Já tinha mais do que provas dadas, mas agora os desafios são outros. Ó Mar é um dos temas que ilustram a visão que, depois de todas as experiências acumuladas, Diogo Clemente traz para cima da mesa. E é uma mesa portuguesa, concerteza.

“o que acontece agora”, EVAYA

Música pop experimental, minimalista e eletrónica. Nos últimos anos, Beatriz Bronze — que na música assina como EVAYA — tem vindo a mostrar o seu talento e identidade artística com um EP e uma série de faixas avulsas. Agora lançou o seu primeiro álbum, Abaixo das Raízes deste Jardim, onde se inclui a refinada o que acontece agora, que poderá muito bem abrir o apetite para escutar o resto das faixas.

“Oh Bahia”, Dino D’Santiago e Luedji Luna

Ao longo dos últimos anos, Dino D’Santiago tem estabelecido uma série de pontes com músicos brasileiros, um processo que se tem intensificado cada vez mais. Um dos resultados que viram a luz do dia nos últimos meses é esta Oh Bahia, construída com Luedji Luna, numa ligação transatlântica que une Portugal, Cabo Verde e Brasil — de Salvador a Santiago, sem nunca podermos esquecer Quarteira ou a Nova Lisboa que Dino profetizou. Musicalmente — com contribuições dos colaboradores habituais Kalaf, Seiji e Nosa Apollo, entre outros — tanto tem um aroma brasileiro como um sabor cabo-verdiano. Música crioula celebratória em busca de reconciliação.

“Pena no Peito I e II”, Bandua

Quando falamos da tendência na música portuguesa para incorporar elementos tradicionais e os cruzar com abordagens contemporâneas — sejam mais eletrónicas ou pop — nunca podemos olvidar o trabalho que tem sido feito pelos Bandua, duo de Bernardo “Tempura the Purple Boy” D’Addario e Edgar Valente. A caminho do segundo álbum e de uma série de projetos intermédios, lançaram duas versões de Pena no Peito, tema do cancioneiro regional que descobriram numa residência artística feita na aldeia de Penha Garcia com a cantadeira Idalina Gameiro. Os saberes poéticos tradicionais envolvidos em roupagens refrescantes.

“Prenda Minha”, António Zambujo e Yamandu Costa

Além de um dos mais populares artistas portugueses, António Zambujo tem-se revelado um prolífico músico, gravando e lançando disco após disco. Desta vez, juntou-se ao guitarrista brasileiro Yamandu Costa para uma Prenda Minha. Não há que inventar: as cordas dedilhadas por Costa entrelaçam-se muito naturalmente na voz de Zambujo ao longo de 45 minutos. O pontapé de partida acontece precisamente com a faixa-título.

“Pula Pula”, DJ Firmeza

Os produtores e DJs da chamada “batida de Lisboa” continuam a ser, a par do fado, os grandes embaixadores internacionais da cidade. Música autêntica dos subúrbios, construída de forma artesanal, criada nos bairros e depois extrapolada para os clubes de todo o mundo, inspirada no kuduro angolano mas repleta de influências eletrónicas ocidentais. A cena continua mais do que viva, com inúmeros lançamentos a sucederem-se uns aos outros, e um dos últimos temas a saírem do borbulhante caldeirão que parece nunca abrandar é a contagiante Pula, de DJ Firmeza, um dos mais reputados do movimento.

“Rosa”, Nuno Ribeiro

Conan Osíris faz uma dupla participação nesta lista. Além de João Maia Ferreira, o autor de Adoro Bolos colaborou inesperadamente este ano com Nuno Ribeiro, para um tema pop que ganhou maior destaque — e com mérito. É popular, bem escrito e produzido, eficaz sem ter de ser particularmente inventivo.

“Se de Saudade Morrerei ou Não”, Lina

No ano em que se celebra o 500.º aniversário de Luís Vaz de Camões, Lina prestou uma homenagem ao poeta com o seu Fado Camões. Por mais palavras que usemos, é difícil descrever a emoção que Lina carrega na voz, a alma com que entrega cada verso aos ouvintes. Se de Saudade Morrerei ou Não é um dos melhores temas de um disco que tem sido justamente aclamado.

“Sem Ti”, Pedro Mafama

Um ano após o estrondoso sucesso de Estava no Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente, um segundo álbum muito impulsionado pelo estratosférico Preço Certo, Pedro Mafama apresentou uma versão deluxe do disco que inclui este novo single, mantendo a linha mas já a apontar em direções distintas, ou não fosse Mafama um criador insaciável, sempre em busca de vanguarda sonora. Sem Ti é uma canção de amor despudorada, com uma toada pop, com produção cativante que tanto inclui um coro alentejano como teclados da rumba portuguesa, estilo de música cigana. É o bailecore, de raízes firmes e horizontes futuristas alargados.

“Sonhei Coisa Proibida”, Hélio Morais

Homem dos Linda Martini e PAUS, Hélio Morais já se tinha emancipado a solo enquanto Murais, mas desta vez assumiu mesmo o nome próprio para o álbum Pisaduras. Como cantautor, este é um disco de purga, de exorcizar demónios interiores, muito íntimo mas construído a diversas mãos, como podemos comprovar por esta Sonhei Coisa Proibida, que inclui contributos de Toca Ogan, LUMANZIN, Filho da Mãe e Miguel Ferrador.

“SUPERXXXTILO”, David Bruno

O imparável David Bruno está de volta com SUPERXXXTILO, o single de avanço do seu próximo álbum, Paradise Village, baseado em Vilar do Paraíso, na sua grande musa inspiradora, a inigualável Vila Nova de Gaia. O novo tema tem, como sempre, versos satíricos e produção retro, mas leva-nos por interessantes (e novas) referências sonoras. É um daqueles instrumentais luxuriantes que soa às danceterias dos anos 80 e que promete ficar no ouvido.

“Três é Demais”, Cláudia Pascoal, Mike El Nite e Rebeca

A música pimba, termo pouco consensual e que abrange diversas fações da música popular portuguesa, tem vindo a ser resignificada por uma série de artistas urbanos — de visão mais global do que nacional — ao longo dos últimos anos. Essa reconciliação com a música e cultura nacional, que tanto espelha a história do país no pós-25 de Abril, teria obrigatoriamente de passar por estes sons e cultura, e isso reflete-se cada vez mais no panorama musical. Três É Demais junta Cláudia Pascoal, Mike El Nite e Rebeca, um trio improvável mas que provou ser suficiente para uma canção bem-disposta, que não se leva demasiado a sério e que consegue ser auto-satírica mas também séria e honesta na abordagem (e homenagem) que faz ao pimba.

“Trovador”, Ivandro

Depois de anos a somar pontos, single após single — que o levou até a tornar-se no artista português mais ouvido do ano no Spotify — Ivandro estreou-se em álbum com Trovador. Muitos dos temas que compõem o trabalho já eram conhecidos, mas pelo meio havia faixas inéditas que casavam bem com o resto do trabalho. É o caso da faixa-título, uma balada em que, com a sua voz açucarada, Ivandro nos encaminha por cima de um instrumental orgânico e de produção superior. Para conhecer as crónicas deste Trovador, o melhor é ler a entrevista com o músico no Observador.

“Vou Ficar Neste Quadrado”, Ana Lua Caiano

É de Ana Lua Caiano, sem sombra de dúvida, um dos melhores álbuns portugueses do ano. Mais do que uma promessa, a cantautora e produtora que cruza a tradição nacional com música eletrónica tem vindo a internacionalizar-se e Vou Ficar Neste Quadrado é o disco que afirma definitivamente o seu talento e relevância. Não faltam bons temas no seu primeiro álbum, com produção elaborada e letras poéticas, mas a faixa-título será um dos melhores exemplos por onde começar.

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