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"Aconteceu sair este ano e faz sentido que assim seja. É um disco que também celebra a liberdade", diz Pedro da Silva Martins sobre o álbum "Cara de Espelho"
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"Aconteceu sair este ano e faz sentido que assim seja. É um disco que também celebra a liberdade", diz Pedro da Silva Martins sobre o álbum "Cara de Espelho"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

"Aconteceu sair este ano e faz sentido que assim seja. É um disco que também celebra a liberdade", diz Pedro da Silva Martins sobre o álbum "Cara de Espelho"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Pedro da Silva Martins: “Este momento político e social pede uma resposta musical”

O compositor tem uma nova banda, os Cara de Espelho, composta por outros ilustres da música nacional. Falámos com ele no teatro Maria Matos, um dos palcos onde vão apresentar o álbum de estreia.

Aos 47 anos, Pedro da Silva Martins é um dos grandes compositores da música portuguesa contemporânea. Há quase duas décadas, começou por se destacar nos Deolinda, banda que lançou diversos discos, se fez notar por ter a bagagem da música de intervenção portuguesa e conquistou mesmo uma dimensão internacional.

Ao longo dos anos, Pedro da Silva Martins foi escrevendo e compondo para outros artistas, trabalhando com Mariza, Ana Moura, António Zambujo, Os Azeitonas, Hélder Moutinho, Fábia Rebordão, Cristina Branco, Lena d’Água ou Rita Redshoes, entre tantos outros.

Durante a pandemia, e de forma muito orgânica, nasceu o projeto a que dariam o nome de Cara de Espelho. É uma nova banda, com canções compostas por Pedro da Silva Martins, que o junta ao irmão Luís J. Martins (também dos Deolinda), Carlos Guerreiro (dos Gaiteiros de Lisboa), Sérgio Nascimento (Humanos, David Fonseca e Sérgio Godinho), Mitó (A Naifa) e Nuno Prata (Ornatos Violeta). O compositor não adora o termo “supergrupo”, mas todos estes são nomes que têm vindo a dar cartas em diversos grupos na música nacional.

O disco homónimo de estreia foi editado a 26 de janeiro e será apresentado com uma série de concertos nas próximas semanas. Os Cara de Espelho rumam ao Theatro Circo, em Braga, a 24 de fevereiro; atuam no Cineteatro Louletano, em Loulé, a 2 de março; passam pelo Teatro Maria Matos, em Lisboa, a 5 de março; e apresentam-se na Casa da Música, no Porto, a 16 de março.

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É precisamente no Teatro Maria Matos que o Observador se encontra com Pedro da Silva Martins para uma entrevista onde o músico explica como esta banda nasceu, como sentia a necessidade de explorar canções mais políticas e recheadas de crítica social, e onde revela que está a trabalhar nos novos discos de Lena d’Água e António Zambujo, além de haver material para prolongar a vida dos Cara de Espelho.

[o vídeo de “Corridinho Português”:]

Faz especial sentido lançar este álbum no início do ano em que se celebra o 50.º aniversário do 25 de Abril?
Sim. Foi uma coincidência. Este foi um daqueles projetos que nasceram no confinamento. E só saiu agora por circunstâncias variadas, como a disponibilidade de quem faz parte da banda. Aconteceu sair este ano e faz sentido que assim seja. É um disco que também celebra a liberdade.

Esta banda nasce por acaso, a partir de um encontro muito casual entre o Sérgio Nascimento e o Carlos Guerreiro, não é?
Sim, foi aqui perto. Eles encontraram-se nos correios e estiveram a falar… Acho que era uma conversa que já existia de forma subterrânea entre nós. Lembro-me de o Carlos Guerreiro dizer que era giro fazermos alguma coisa juntos — por causa de outra experiência que tivemos no passado, quando os Deolinda fizeram uma coisa com os Gaiteiros de Lisboa. E o Sérgio também está sempre presente, sempre que pensamos em qualquer coisa é um nome que está presente. E eles chegaram à conclusão de que era giro desafiarem-me para uma coisa qualquer, que eles não sabiam o quê, mas que envolvesse os três.

E como reagiu quando recebeu esse desafio?
Foi um “claro que sim”. O Carlos e o Sérgio parece que estão em polos opostos. Porque o Carlos vem da tradição, é uma pessoa super ligada às raízes tradicionais portuguesas, e toca instrumentos que ele inventa, e também há instrumentos tradicionais que só ele é que toca. Ele é uma enciclopédia viva. Por outro lado, o Sérgio Nascimento tem uma escola pop. Vem dos Humanos, trabalha com o David Fonseca e com o Sérgio Godinho. Estes dois polos diferentes fizeram-me sentido e são duas pessoas de quem gosto muito. Portanto, disse logo: tenho todo o gosto em fazer as canções, mas quero participar. Acho que eles não tinham isso em mente, só queriam que eu fizesse as canções. E assim foi, foi crescendo. O nome do Luís surgiu logo nessa altura, era giro ele também trabalhar nisto, porque trazia os cordofones e as guitarras… E a voz da Mitó já estava a ser trabalhada na altura. O Sérgio Nascimento já estava a tentar convencê-la a voltar à música. E ela disse: “só alinho porque é com vocês”. Somos amigos há muitos anos, houve ideias para projetos, há uns anos tínhamos falado de eu escrever uns fados para ela… Isso acabou por não avançar, mas havia sempre essa ideia em cima da mesa de fazermos qualquer coisa e este foi o pretexto.

"Tive mais a noção do caminho do Cara de Espelho com a voz da Mitó. Porque é uma voz muito particular. Além de cantar muito bem, tem uma carga que outras vozes não têm. É uma carga política que ela tem naturalmente. Conheço-a desde o fado. E depois tem este lado punk irreverente que também me levou para este tipo de escrita."

Todos os astros se alinharam de forma natural.
Não foi um alinhamento nada planeado. A entrada do Nuno Prata é curiosa porque o Nuno vem a um concerto da Joana Sá, a pianista, onde estava eu e a Mitó. E ele apanhou uma conversa do ar. Isto foi a um sábado e na terça-feira tenho uma mensagem do Nuno a dizer: “eh pá, ouvi dizer que tens uma banda, não precisas de um baixista?” E claro que precisávamos de um baixista, já tínhamos pensado nisso, e o Nuno esteve sempre em cima da mesa, mas pelo facto de ele ser do Porto… Não era tão óbvio. E de repente surgiu esta oportunidade e quando aquilo aconteceu até me arrepiei. Porque é o Nuno Prata, bolas, para mim é um super baixista que entra e faz todo o sentido que aqui esteja.

E começa a compor e a escrever já com a banda toda formada? Ou as primeiras canções aparecem ainda apenas com o primeiro núcleo do projeto?
Acho que a voz da Mitó ainda não estava bem presente. E eu mostro-lhes umas canções pouco tempo depois de falarmos, porque fiquei todo entusiasmado e comecei a trabalhar. Estas peças que se foram juntando também foram balizando o meu campo de ação em termos de composição. E eu fui trabalhando e compondo com a sonoridade que eles traziam. As coisas foram surgindo naturalmente, mas foram-se definindo mais com a entrada da Mitó, do Nuno. Fui percebendo melhor como é que eu poderia servir estas pessoas. E as canções foram ganhando dimensão. Eu fazia umas maquetes, o Carlos Guerreiro apoderava-se delas e transformava aquilo no seu som, e depois o Luís e o Nuno pegavam nas coisas do Carlos e transformavam ainda mais. Portanto, foram várias mãos a trabalhar a mesma peça de barro.

Sempre com uma base feita pelo Pedro.
Sim, eu fiz a massa, trouxe o barro, e eles foram dando forma à peça.

Que canção nasceu primeiro?
O Cara Que é Tua era uma canção que eu já tinha e de repente aquilo fez-me sentido entrar. Eu também já tinha um esboço do Fadistão, mas a letra não estava terminada. Eram coisas que eu já tinha. E, depois, claro, foram surgindo novas canções.

Em termos de letras, de temáticas, quando é que o projeto começa a ganhar um conceito?
Tive mais a noção do caminho do Cara de Espelho com a voz da Mitó. Porque é uma voz muito particular. Além de cantar muito bem, tem uma carga que outras vozes não têm. É uma carga política que ela tem naturalmente. Conheço-a desde o fado, ela fez um percurso de fado antes de A Naifa que não é muito conhecido, e depois tem este lado punk irreverente que também me levou para este tipo de escrita. É um tipo de letras que se calhar já tinha sobrevoado com Deolinda, mas nunca tinha assumido esse lado mais político, essa coisa mais definida. Porque não fazia sentido pôr a Mitó a cantar canções de amor, porque ela também não é isso. E ajudou muito a traçar o caminho deste projeto.

"Há uma noção meio absurda de um certo purismo do 'genuinamente português'. O 'fado genuíno', na arte e não só, esta procura do "puro português" é uma coisa absurda, não faz sentido"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

A atualidade política e social também ajudou?
Sim, ajudou, porque senti a necessidade e uma certa urgência de tocar em determinado tipo de assuntos. Foi também isso que esteve por trás da escrita das canções, este olhar sobre a atualidade. Mas surgiu muito naturalmente, as letras foram aparecendo e de repente senti que este lado mais crítico, com um olhar social e político àquilo que nos rodeia, é também uma expressão nossa como artistas que já vem de trás. Da experiência de Deolinda, uma das coisas que tenho vindo a perceber é que há temas que não têm prazo. Há canções, como o Parva Que Sou, que fazem todo o sentido agora. E vão continuar a fazer. E acho que o Cara de Espelho também tem isso: aborda temas de uma forma tão generalista que não são datados.

O disco apresenta uma visão algo desconstruída daquilo que são as nossas perceções de Portugal e dos portugueses. Isso talvez se note sobretudo no tema Genuinamente. O que o levou a explorar esta abordagem?
Há uma noção meio absurda de um certo purismo do “genuinamente português”. O “fado genuíno”, na arte e não só, esta procura do “puro português” é uma coisa absurda, não faz sentido. Uma das áreas de que gosto muito é a genealogia e basta andarmos 100 anos para trás para percebermos que não somos genuinamente nada. Somos muito plurais e muito diversos nas nossas origens. E essa canção fala disso, desta ideia absurda do que é ser genuinamente português. E o que é realmente português é integrar todas as diferenças em Portugal, todas essas nuances: o facto de o hino ter sido escrito por uma pessoa que tem ascendência alemã, de o Galo de Barcelos ter origens na Galiza e não ser português… O que é genuinamente português é nós termos a capacidade de integrar estas coisas. É mais “puro português” integrar a diferença do que tentar pô-la de parte. Isso é um bocado o que está subjacente ao álbum inteiro. É a visão de um Portugal plural.

[ouça o álbum “Cara de Espelho” na íntegra através do Spotify:]

Essa ideia de existir um genuíno português está na base de muitos dos nossos defeitos e preconceitos?
Acho que sim. Tendencialmente, fechamos os olhos à diferença. E a nossa história diz o contrário. Tivemos sempre uma capacidade de integração, por vezes até exemplar, e uma capacidade de também nos integrarmos. E acho que por vezes se tenta esconder ou omitir essa pluralidade para servir outros interesses, que passam mais por criar diferenças e desigualdades entre as pessoas. Portugal até foi pioneiro nesta ideia de globalização. Basta ir a Goa ou por onde andaram os portugueses para perceber que Portugal foi pioneiro nesta coisa de inter-culturas e na capacidade de convívio — por vezes foi pacífico, noutras vezes não, mas sem dúvida de que faz parte de nós.

Apesar de canções como as dos Deolinda poderem manter toda a sua relevância, ainda que tenham sido escritas já há alguns anos, faziam falta temas que olhassem mais diretamente, ou de forma mais óbvia, para este momento das nossas vidas? Fazia falta alguma música mais interventiva nesta fase?
Como autor, sentia essa necessidade. É possível que outras pessoas não o sintam tanto, mas eu sinto a necessidade de falar sobre determinado tipo de temas. E, como autor, também faço outro tipo de canções. Escrevo canções de amor e para outras coisas, mas sempre senti a necessidade de ter este lado. Se calhar vem das minhas raízes familiares, onde se ouvia muito o Zeca Afonso e havia um certo culto à volta dos cantautores. Por isso, tive sempre esse lado muito presente. E este momento político e social também pede uma resposta musical, uma resposta mais crítica ou ativa por parte de quem é artista e de quem escreve.

"Não me sinto desiludido, sinto-me um pouco cauteloso. Esses partidos estão a pôr algumas coisas em causa, coisas que são muito vitais para a sociedade. Desde a democracia por si só até outras questões. O meu sentimento é mais de cautela. Estas canções também se manifestam com esse desabafo. Têm esta acutilância ou este cunho mais crítico por essa cautela."

Como é que o Pedro encara as eleições de 10 de março?
Estou curioso para saber o que é que vem daí.

Está esperançoso, receoso?
Não tenho ainda qualquer emoção. Acho que é esperar um pouco para ver. Porque, naturalmente, não sou uma pessoa que fique muito ansiosa com isto… Mas estou curioso, porque temos partidos que vão ganhar uma dimensão e que são partidos que metem algumas coisas em causa. Temos um enquadramento internacional que faz com que algumas pressões comecem a ganhar dimensão. E também quero ver a resposta que as pessoas vão dar a este tipo de propostas, às cartas que estão em cima da mesa.

Mas sente-se de alguma forma desiludido quando vê algumas dessas forças políticas a subirem tanto nas sondagens? A realidade política em Portugal mudou bastante nos últimos anos.
Não me sinto desiludido, sinto-me um pouco cauteloso. Esses partidos estão a pôr algumas coisas em causa, coisas que são muito vitais para a sociedade. Desde a democracia por si só até outras questões. O meu sentimento é mais de cautela. Estas canções também se manifestam com esse desabafo. Têm esta acutilância ou este cunho mais crítico por essa cautela: atenção que isto pode tomar uma dimensão mais pesada.

Voltando à música, obviamente este é um projeto que tem essa bagagem dos diferentes polos que descreveu, da música mais tradicional, da música de intervenção, da escola mais pop. Como é que foi equilibrar todos estes universos?
Foi muito giro. Aquilo que sinto é que o pessoal é tão bom, são todos tão ricos em termos de referências e de capacidade de surpreender musicalmente, que é um privilégio estar com eles e atirar uma canção para aquele grupo e de repente a canção ganha uma dimensão inesperada. Depois a Mitó põe a voz e aquilo ganha logo uma ideia que eu não alcançaria sem a ouvir. É, sem dúvida, um enorme privilégio. E este casamento tem sido muito feliz, porque poderia soar a uma coisa a meio caminho, que se notasse muito as nossas personalidades musicais, e acho que toda a gente se uniu à volta das canções. Deixámo-las crescer, tentámos dar o nosso melhor, convergimos todos.

Luis José Martins, Sérgio Nascimento, Nuno Prata, Mitó, Pedro da Silva Martins e Carlos Guerreiro: os Cara de Espelho

E faz sentido falar em supergrupo? Gosta do termo?
Não… São pessoas que admiro imenso e das quais sou fã. E vê-los reunidos é um arrepio. O Nuno Prata, que é um baixista incrível e que tem um trabalho de composição muito bom; a Mitó, que vem dos A Naifa; o Carlos Guerreiro que tem a história toda… Há uns tempos estávamos lá em minha casa a trabalhar. E ele estava de pé. Por trás dele, eu tinha a minha estante com os livros. E estava a olhar por cima dele, a ver os livros que lá tenho, e a pensar: este tipo que está aqui em pé à minha frente tocou com toda a gente que tenho nestes livros. É uma enciclopédia. Ele tocou com o Zeca Afonso… E a história dele, curiosamente, até passa pelo cinema que existia aqui ao lado do Maria Matos. O Zeca Afonso saiu do cinema um dia, encontrou o Carlos e disse assim: “ouve lá, tu é que és o Carlos Guerreiro?” E ele, puto, disse que sim. “Então vens comigo amanhã, vais tocar com o Fausto”. Fizeram uma tour por Espanha que era o Zeca, o Fausto e o Carlos Guerreiro. O Carlos era um miúdo, mas já tocava muito bem e foi com eles. Portanto, são pessoas que admiro imenso e que têm muitas histórias. Passo horas a ouvir o Carlos Guerreiro a contar histórias, estou sempre a dizer-lhe que ele tem de escrever aquilo. Ele atravessa aquela geração dos cantautores, é amigo deles todos, toca com toda a gente. E de repente aparece neste grupo a tocar e a inventar instrumentos para canções minhas. É um privilégio. E a música tem essa capacidade de unir pessoas e estarem todas ali a trabalhar por algo que é maior do que nós. Não somos nós que estamos a puxar pela música, é a música que está a puxar por nós — e isso é incrível.

O nome Cara de Espelho vem de um verso do Cara Que É Tua. Porque escolheram esse nome para a banda — e para o álbum?
É um nome que parece um pouco estranho, mas é uma estranheza intencional. É um pouco essa ideia de que somos um espelho que reflete o mundo que está à nossa volta. Chegámos até aí porque era um nome que unia todas as canções e todo o conceito, por retratar a realidade. A personagem dessa canção… Não é uma história feliz porque há muita gente que não gosta de se ver retratada ou espelhada, e aquilo que diz a própria canção é sobre purgar o nosso mal e o dos outros dessa forma. É essa ideia que está subjacente ao nome da banda, e que nos dá margem para continuar a pôr espelhos em determinado tipo de assuntos, personagens ou temas que achamos que fazem sentido serem retratados.

"O que faz a longevidade não é a vontade. É ter material sobre o qual faça sentido falar, ou que seja pertinente. E, nesse aspeto, estas canções que estão a surgir estão a pedir espaço. E eu realmente gostava de que Cara de Espelho fosse uma banda que estivesse lá, que estivesse ali a chatear o pessoal de vez em quando, que andasse por aí a morder os calcanhares."

No momento da escrita e composição, são coisas muito diretas — algo que ouve ou que lê — que inspiram as canções?
Sim, tenho uma lista de assuntos. Às vezes, porque estou a ver uma coisa qualquer ou a ler e de repente surge uma palavra. Por exemplo, a Paraíso Fiscal veio assim, mas mesmo no sentido de “paraíso”, daquela ideia da morte. E essa canção surge como se fosse uma peça de teatro de Gil Vicente, daí aquele coro. Foi mesmo pensada como se fosse uma peça. Portanto, vou fazendo uma lista de temas, palavras ou ideias e vou trabalhando. Algumas vão ficando pelo caminho, outras vão ganhando dimensão e tornam-se canções. Mas já temos novo material, já começámos a trabalhar nele, até porque 12 canções não dava para um espetáculo e já estamos a incluir mais algumas para estes concertos que aí vêm. E estão a surgir novas canções, com temas que poderiam perfeitamente integrar este disco, mas que não vieram a tempo — mas vão a tempo dos concertos e de futuros discos, quem sabe.

Mas a ideia é editá-las, eventualmente?
Sim, estamos com cinco novas canções, e são temas diversos que continuam a ter este lado de espelhar o quotidiano. E enquanto tivermos temas, enquanto houver uma fonte de ideias que é esta nossa realidade que é muito rica nisso… Acho que não vão faltar ideias para canções.

Pensaram de imediato em Cara de Espelho como um projeto de longevidade quando começaram a juntar as peças todas?
Essa vontade foi crescendo em nós. Mas o que acho que faz a longevidade não é a vontade. É ter material sobre o qual faça sentido falar, ou que seja pertinente. E, nesse aspeto, estas canções que estão a surgir estão a pedir espaço. E eu realmente gostava de que Cara de Espelho fosse uma banda que estivesse lá, que estivesse ali a chatear o pessoal de vez em quando, que andasse por aí a morder os calcanhares. Acho que a música pode ter esse lado. As canções não têm de ser passivas, pode haver uma canção com uma função mais de alertar ou crítica ou só com mau feitio. Canções com mau feitio também são ótimas, eu gosto muito.

"Estamos a preparar um novo disco da Lena d'Água, com canções feitas por mim. Já está gravado, estamos em fase de misturas."

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Faltava um pouco isso, quando olhava para o panorama musical nacional?
Não sei se faltava, eu sentia a necessidade disso. Mas falo por mim, se calhar a maior parte das pessoas não sente essa necessidade. Mas sinto a falta de haver canções que não sejam só funcionais, de passarem na rádio e de terem um efeito passivo e procurarem um sucesso imediato. Acho que a construção de canções pode passar por muita coisa e podem ter esse cunho e esse peso. E outra maturidade. Faço canções para várias pessoas e faço-as pelo gozo da música. Mas há canções que faço que não preenchem os meus requisitos de maturidade… São joviais e faz-me bem fazê-las, mas também preciso deste lado mais maduro e de saber que o meu trabalho tem este lado. E acho que todos nesta banda sentimos isso, as canções têm que ter um peso, têm que estar mais dentro da nossa idade e realidade para nos sentirmos mais próximos delas.

Como disse, escreve e compõe para muitas outras pessoas. Em que é que está a trabalhar neste momento?
Estamos a preparar um novo disco da Lena d’Água, com canções feitas por mim. Já está gravado, estamos em fase de misturas. Também é daquelas pessoas com quem tenho imenso gosto em trabalhar.

Será algo muito diferente do primeiro álbum em que trabalharam juntos, Desalmadamente?
Tentei fazer uma linha, acho que é um bom sucessor do álbum anterior. E estou a fazer agora uma peça de teatro e também recebi umas coisas do Luís Trigacheiro, saiu agora uma coisa que fiz com a Marisa Liz e tenho o António Zambujo, que também me pediu para fazer um disco com ele. É aquilo a que ele chama monocastas, como fez com o Miguel Araújo, em que ele escreveu os temas todos. Também me desafiou agora a compor um disco para ele. Mas ainda não peguei nisso. Antes estava em casa, muito descansado no meu sofá a trabalhar, agora ando na estrada e de repente tenho uma banda a puxar por mim, tenho de perceber como é que vai tudo equilibrar-se mas há-de se equilibrar e é uma das coisas de que gosto de fazer. Trabalho, felizmente, não falta.

"Algumas coisas nascem já com uma génese. Com uma natureza que é identificável. A Lena, para mim, é super óbvio. Ouve-se o Desalmadamente e, apesar de ter sido eu a escrever as letras e as músicas, não faria sentido que fosse a Ana Bacalhau a cantar aquilo. Tal como a Mitó. Ou a Lena cantar Deolinda ou Cara de Espelho."

Obviamente já trabalhou com o António Zambujo ao longo dos anos, mas como é que está a idealizar esse futuro disco?
Tenho, no telemóvel, uma pasta onde vou pondo gravações. De vez em quando estou a compor e digo “Isto é Zambujo” e vou pondo na pasta. E já tenho lá algumas. Mas agora tenho deixado aquilo um pouco a marinar, como se diz, e volto lá de vez em quando e faço uma nova triagem, ou componho mais alguma coisa, e ainda não peguei naquilo a sério. Portanto, ainda não sei bem o que é que lá está. Mas há lá qualquer coisa. Acho que é engraçado porque o António Zambujo é um vulto diferente daquele com quem trabalhei no início. Estou curioso para saber que caminho é que faz sentido dar à carreira dele, e a mim como autor, e na nossa relação de amizade. É sempre um desafio trabalhar com ele, mas também um privilégio imenso. Tudo aquilo que fizemos juntos orgulha-me muito.

E por vezes é difícil, quando está a compor, perceber se a canção deve ir para a pasta “Zambujo” ou para outra qualquer, das muitas que tem?
Por acaso, tenho a noção… Para mim, algumas coisas nascem já com uma génese. Com uma natureza que é identificável. A Lena, para mim, é super óbvio. Ouve-se o Desalmadamente e, apesar de ter sido eu a escrever as letras e as músicas, não faria sentido que fosse a Ana Bacalhau a cantar aquilo. Tal como a Mitó. Ou a Lena cantar Deolinda ou Cara de Espelho. Mas tenho sempre pastas com nomes por onde vou dividindo as coisas. E depois tenho uma pasta, que este ano se chama 2024, em que vou pondo as coisas que não estão definidas. Vou enchendo. E eventualmente estarão lá coisas que possam originar outras, como as canções de Cara de Espelho que estavam à espera do projeto certo.

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