A chanceler alemã, Angela Merkel, criticou o aumento do número de novas infeções em Portugal, alegando que o país poderia ter evitado a situação mantendo a porta fechada aos turistas britânicos. O primeiro-ministro português, António Costa, respondeu que o crescimento da variante Delta em Portugal “não está ligado” à final da Liga dos Campeões e disse que a chanceler “ficou esclarecida”. “Percebeu essa situação e pediu, aliás, para ver os dados que nós temos sobre as diferentes regiões”, disse António Costa na sexta-feira, referindo-se ao facto de a variante Delta ser mais prevalente na região de Lisboa do que no Porto.
Aceitando ou não as justificações do Governo português, o certo é que a Alemanha colocou Portugal na sua lista vermelha, obrigando todos os viajantes a cumprir 14 dias de quarentena, mesmo com a apresentação de teste negativo, comprovativo da toma completa da vacina contra a Covid-19 ou comprovativo de imunidade. Tudo isto em vésperas de entrar em vigor o certificado verde digital (a 1 de julho) que serviria exatamente para evitar estes períodos de isolamento obrigatório.
Portugal e os viajantes do Reino Unido foram o exemplo usado por Angela Merkel para criticar a falta de regras comuns para as viagens na União Europeia. Um argumento que o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, não entende, uma vez que os viajantes britânicos tinham de apresentar um teste negativo na chegada a Portugal, uma das formas previstas para as viagens dentro da UE. O problema é que, de forma geral, a União Europeia não considera o Reino Unido um destino seguro e muito menos com uma variante de preocupação em circulação.
Portugal, por seu lado, não hesitou em festejar a inclusão do país na lista verde do Reino Unido por representar uma lufada de ar fresco para o muito pressionado setor do turismo. Mas o ânimo durou pouco tempo: o corredor aéreo abriu a 17 de maio — quando mais de 60% dos novos casos em Inglaterra eram da variante Delta —, fizeram-se cinco mil voos diários na primeira semana, chegaram milhares de adeptos para a final da Liga dos Campeões (a 29 de maio, no Porto), mas, a partir de 3 de junho, Portugal voltou a estar fora da lista verde do Reino Unido. Nesse mesmo dia, foi divulgado o relatório da autoridade de saúde inglesa (PHE, Public Health England) que revela que desde 1 de fevereiro já tinham sido identificados 9.427 casos da variante Delta (82% nos últimos 28 dias), dos quais quase 1.700 já tinham recebido uma dose da vacina e 267 tinham recebido duas doses.
Quando é que a variante indiana chegou à Europa?
A variante B.1.617 (genericamente conhecida como variante indiana), que deu origem às linhagens B.1.617.1 (Kappa), B.1.617.2 (Delta) e B.1.617.3, foi identificada pela primeira vez na Índia a 5 de outubro de 2020 e foi responsável pela segunda vaga da pandemia no país, com um crescimento mais acentuado a partir de meados de março. O Reino Unido identificou-a pela primeira vez em fevereiro e, a 23 de abril, com mais de 130 casos confirmados com a variante B.1.617, colocou a Índia na lista vermelha — ou seja, os viajantes foram obrigados a fazer quarentena num hotel à chegada ao Reino Unido. Na altura, eram poucos os casos conhecidos de pessoas que tivessem estado na Índia, mas a maioria tinha estado em contacto com pessoas regressadas de viagem dias antes.
Na Europa continental, o primeiro caso registado da variante indiana — neste caso, a B.1.617.2, que é a mais preocupante das três linhagens — foi registado em Espanha, na última semana de janeiro, segundo os dados do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC). Depois disso, a mesma variante voltou a ser identificada nas duas últimas semanas de março: três casos na Alemanha, um na Grécia e outro na Roménia. Do final de março até meados de abril, a variante Delta foi detetada em mais 13 países europeus, incluindo Portugal, destacando-se mais 12 novos casos na Roménia e 29 na Alemanha.
Se Portugal teve um papel na disseminação da variante na Europa continental, como Angela Merkel sugeriu, é difícil dizer, assume fonte oficial da Direção-Geral da Saúde (DGS) ao Observador. “É difícil quantificar o papel de Portugal na introdução da variante na Europa, mas é possível que o seu papel tenha sido limitado, sendo a principal fonte de introduções iniciais oriundas da região do subcontinente indiano.”
Quando é que a variante indiana chegou a Portugal?
A variante indiana foi referida (genericamente) pela primeira vez no relatório da “Monitorização das linhas vermelhas para a Covid-19”, a 30 de abril. Na altura, tinham sido identificados seis casos (três na região Centro e três na região de Lisboa e Vale do Tejo), todos da linhagem B.1.617.1, mas com diferenças genéticas suficientes para se considerar que se tratavam de introduções diferentes no país. Depois disso, só foram detetados mais três casos desta linhagem.
“Casos de infeção por esta variante já foram identificados em vários países da União Europeia e do Espaço Económico Europeu. Muitos dos casos identificados tinham história de viagem recente para e de países onde a circulação comunitária da variante é elevada”, referia o relatório na altura, ainda sem distinguir as diferentes linhagens.
Fonte oficial da DGS confirma que “amostra do primeiro caso confirmado por genotipagem [identificação dos genes do vírus] foi colhida a 18 de abril de 2021 na ilha Terceira [Açores]”. O doente “vinha a bordo de uma embarcação que atracou na ilha Terceira e seguiu viagem”, não se sabendo por isso onde terá sido infetado. Já o primeiro caso confirmado em Portugal continental, “foi diagnosticado a 19 de abril de 2021 e tinha história de viagem recente à Índia”.
A presença da linhagem B.1.617.2 foi reportada pela primeira vez no relatório de 14 de maio, já com a referência de que esta era a linhagem que tinha “mostrado maior disseminação na Índia e no Reino Unido” — e três dias depois começávamos a receber turistas britânicos. Na altura, o relatório referia que “dado que foi identificada história de viagem ou contacto com casos confirmados desta variante para todos os casos parece não existir, atualmente, transmissão comunitária ativa desta variante”. O mesmo já não se podia dizer de outros países europeus, que já assumiam “a possibilidade de circulação comunitária desta variante”.
O Observador questionou o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge sobre quando a variante Delta terá efetivamente entrado em Portugal, mas até ao momento da publicação deste artigo não obteve resposta.
Quando é que a variante Delta foi classificada como variante de preocupação?
A variante Delta começou por ser classificada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como variante de interesse a 4 de abril — na mesma altura que a Kappa —, mas a 11 de maio a organização considerou que reunia condições para ser classificada como variante de preocupação. Para a OMS, uma variante de interesse apresenta várias mutações (em relação à versão “original”) com implicações na função ou estrutura do vírus, tem disseminação comunitária e foi detetada em vários países. A variante passa a ser de preocupação se as modificações provocam um aumento de transmissibilidade, de virolência, de apresentação da doença ou se consegue ‘escapar’ às medidas de saúde pública (como as vacinas ou o uso de máscara).
A 24 de maio, também o ECDC classificou a variante Delta como de preocupação. “Para estas variantes, existem evidências claras que indicam um impacto significativo na transmissibilidade, gravidade e/ou imunidade, que é provável que tenha um impacto na situação epidemiológica na União Europeia e Espaço Económico Europeu”, refere o site do organismo europeu. Em Espanha, pelo contrário, a Delta só é considerada uma variante de interesse.
Quando é que a variante Delta passou a apresentar transmissão comunitária?
No espaço de duas semanas, com dados até 25 de maio — e antes da Final da Liga dos Campeões — a B.1.617.1 sobe de sete para nove casos, mas a B.1.617.2 aumenta de dois para 37 casos. A variante indiana foi identificada em 13 concelhos, mas a maior parte dos casos verifica-se na região de Lisboa e Vale do Tejo. “As três nacionalidades mais frequentemente identificadas foram: portuguesa (43,5%), nepalesa (30,4%) e indiana (15,2%)”.
O Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) e a Direção-Geral da Saúde (DGS) assumiram no relatório de monitorização das linhas vermelhas de 28 de maio que “a ausência de história de viagem ou contacto com casos confirmados com esta variante para alguns dos casos pode indicar a circulação da variante na comunidade”. Nas semanas seguintes, pelo menos em um terço dos casos da Delta não foi possível identificar uma ligação a uma viagem ou a outro caso de infeção com a mesma variante.
Das 1.087 amostras recolhidas entre 2 e 15 de junho, e que o Insa ainda se encontra a analisar para identificar a variante do coronavírus, 55,6% (mais de 600) pertence à variante Delta, um crescimento exponencial desde a amostragem de maio – entre os dias 3 e 22 – onde a variante representava 4% das sequências genéticas (cerca de 90). A variante Delta é agora dominante em todo o continente português, com exceção da região Norte. No Alentejo, representava a quase totalidade (94,5%) dos casos de junho, seguindo-se a região Centro (82,8%), com uma frequência superior à de Lisboa e Vale do Tejo (76,4%) e do Algarve (75%).
A variante Delta também já foi identificada na região Norte e nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, mas a variante Alpha continuava a representar mais de metade dos casos da amostragem de junho nestes locais — nos Açores, a Alpha representava 96,8% dos casos. O Insa refere, no entanto: “Tendo em conta a tendência observada entre maio e junho, é expectável que esta variante [Delta] se torne dominante em todo território nacional durante as próximas semanas”.
Quantos casos da variante Delta Plus já foram identificados?
A variante Delta Plus não é mais do que a variante B.1.617.2 com uma mutação adicional, a K417N — que também foi apelidada “mutação nepalesa”, apesar de já ter sido identificada noutras variantes, como a Beta (sul-africana). Em Portugal, dos 766 casos identificados da variante Delta, 46 apresentam a mutação K417N na proteína spike (que permite ao vírus invadir as células humanas). Esta mutação é particularmente relevante porque a combinação com outras mutações da variante permite não só escapar-se ao sistema imunitário, como ligar-se às células humanas de forma mais eficaz.
O Insa desvaloriza a presença desta mutação e refere-se a uma “circulação residual desta sublinhagem”. “Cerca de 50% destes casos restringem-se a apenas duas cadeias de transmissão de âmbito local, sugerindo que a sua circulação comunitária é ainda limitada”, refere o relatório “Diversidade genética do novo coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19) em Portugal”, divulgado esta segunda-feira.
Limitando as viagens de Portugal, a Alemanha consegue controlar a Delta?
A partir desta terça-feira, Portugal vai estar na lista vermelha da Alemanha, pelo menos durante duas semanas, o que implica quarentena de 14 dias à chegada, mesmo na posse de um certificado de diagnóstico, vacinação ou recuperação. Portugal é o único país da União Europeia nesta situação, juntando-se a Reino Unido, Irlanda do Norte e Rússia, os únicos países da Europa a terem de cumprir estes requisitos. Na última atualização feita pelo Instituto Robert Koch, foram vários os países europeus a sair da lista de risco: Dinamarca, Eslovénia, Holanda, Letónia e Luxemburgo.
A medida visa controlar a pandemia no país, mas a julgar pelo que aconteceu noutros países — como Reino Unido e Portugal — será virtualmente impossível impedir que a variante Delta se torne dominante. Na semana de 14 a 20 de junho, a variante Delta representou 36% das novas infeções com SARS-CoV-2, mais de o dobro da semana anterior, e pode neste momento representar já mais de 50% dos novos casos. A informação terá sido divulgada internamente pelo presidente do Instituto Robert Koch (Alemanha), Lothar Wieler, segundo uma fonte citada pela Reuters. Os dados divulgados pelo ECDC, no entanto, reportavam uma prevalência de 24,1% na referida semana de junho.
Como está a variante Delta na Europa?
A variante Delta está presente em, pelo menos, 85 países (incluindo em, pelo menos, 23 países europeus), segundo um relatório da OMS, de 22 de junho. Além disso, havia nove países que apresentavam casos de variante indiana (B.1.617) sem especificarem a linhagem. O mesmo relatório indicava que a Alpha estava presente em 170 países, a Beta (com origem na África do Sul) em 119 e a Gamma (com origem em Manaus, Brasil) em 71.
No Reino Unido, 90% dos novos casos correspondem à variante Delta e, até ao final de agosto, acontecerá o mesmo na Europa, segundo o ECDC. A forma como os diferentes países europeus monitorizam a evolução das variantes é, no entanto, muito diferente. Na semana de 14 a 20 de junho (os últimos dados disponibilizados pelo ECDC), a Dinamarca tinha sequenciado 47,2% dos casos 1.690 positivos, a Noruega 50% dos 1.253 casos e a Polónia 80,5% dos casos dessa semana. A proporção de casos de variante Delta foi, respetivamente, 5,9%, 2,4% e 1,5%. No extremo oposto está a Alemanha, que dos 6.809 casos positivos só sequenciou (ou só reportou) 1,2% das sequências e, mesmo assim, 24% delas eram da variante Delta.
Variante Delta representa 90% dos casos na União Europeia até final de agosto e mais mortes
Espanha, por sua vez, tem as análises das sequências genéticas do vírus muito atrasadas, denuncia o jornal El País. De tal forma, que a variante Delta continua a ser classificada como variante de interesse (e não de preocupação) e o último relatório do Ministério da Saúde, divulgado esta segunda-feira, reporta uma prevalência de 2,7% com referência a dados da primeira semana de junho.
A região autónoma da Catalunha, que faz a sequenciação (leitura dos genes) de mais amostras, revelou na semana passada que a variante Delta representava 32% dos novos casos na região. “Em Espanha, os dados não são tão claros, mas com base nos dados de dispersão na Catalunha, podemos inferir que se tornará dominante em meados de julho”, disse Álex Arenas, um físico especialista em modelos matemáticos que permitem estimar a evolução do vírus, citado pelo jornal El País.