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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

10 opiniões rápidas sobre o que vem aí para Costa

A opinião de José Manuel Fernandes, Alberto Gonçalves, Helena Matos, Alexandre Homem Cristo, Luís Aguiar-Conraria, Maria João Marques, Miguel Pinheiro, Filomena Martins, Helena Coelho e Luís Rosa.

    Índice

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José Manuel Fernandes. Sopa de pedra

Com um PSD também ele regressado às platitudes que todos podem subscrever, a sopa de pedra de Costa é apenas a parte mais visível do magma sem forma nem substância em que se transformou boa parte da política portuguesa.

Houve um tempo em que se disse que o PSD era um partido sem ideologia, o “partido mais português de Portugal”, enquanto o PS conhecia bem os seus pergaminhos socialistas e social-democratas. Hoje já não podemos insistir nessa tese. O PS que sai deste congresso aborrecido e desinteressante é um PS que deseja ser tudo e o seu contrário, mas que ao mesmo tempo se encontra unido no essencial: o que interessa é estar no poder.

Talvez tivesse havido alguns esforços para separar águas, é até provável que alguns dirigentes quisessem marcar o seu território, afirmando de forma mais clara a sua ideologia. Talvez fossem mesmo genuínos nesse esforço, de Pedro Nuno Santos a Francisco Assis, de Augusto Santos Silva a Fernando Medina, de Ana Gomes a Manuel Alegre, mas no fundo, no fundo, ninguém quis saber: os aplausos foram para todos, sem sinais de que houvesse a menor preocupação com as propostas bem distintas que estavam a fazer.

O PS está unido com um único propósito: o poder. Ganhar em 2019. Porventura com maioria absoluta, o tema quase tabu deste congresso, o que é imensamente significativo. Na nossa história democrática só dois líderes políticos pediram sem hesitações ou vergonha que lhe dessem uma maioria absoluta: Sá Carneiro e Cavaco Silva. Fizeram-no sempre com um objectivo: realizarem reformas que, sem essas maiorias, nunca seriam concretizáveis.

Este PS de António Costa não é feito da mesma massa. Nunca um governo promoveu tão poucas reformas como o actual – pior, nunca um governo foi tão da contra-reforma como o que temos, todo ele empenhado em “reversões”. Olhando para a frente, lendo a moção do secretário geral, é apenas mais do mesmo o que se adivinha como programa para o futuro.

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Por isso o seu objectivo, fora as platitudes habituais, sobre progresso, liberdade e igualdade, é essencialmente continuar a governar enquanto os ventos estiverem de feição. E fazê-lo com o pragmatismo de procurar mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma, o que por regra resulta em ficar pior, mas isso pouco conta.

Daí esta espécie de sopa de pedra onde tudo cabe. Daí este posicionamento que quer a geringonça mas também gosta da ternura de Rui Rio. Daí a incapacidade de sequer abrir a discussão sobre o legado político e criminal de José Sócrates – sim, porque é exactamente disso que falamos, sem rodriguinhos: de legado político e criminal, cada vez mais difíceis de dissociar um do outro.

Com um PSD também ele regressado às platitudes que todos podem subscrever, a sopa de pedra de Costa é apenas a parte mais visível do magma sem forma nem substância em que se transformou boa parte da política portuguesa.

Será necessário acrescentar que assim não vamos a lado nenhum?

Alberto Gonçalves. O povo merece os governos do PS

No Congresso, os socialistas espalharam mentiras sem nexo, brutais enormidades, uma visão distorcidíssima da realidade e uma definição inversa do que o PS de facto é.

O PS é o partido que melhor governa a economia e as finanças. O PS sempre esteve na primeira linha no combate contra a corrupção. A identidade do PS são os valores da liberdade. O PS luta pela transparência dos titulares de cargos políticos. O PS tem a responsabilidade cívica de liderar a recuperação da confiança dos portugueses na nossa democracia e nos seus partidos. O PS combate sobretudo pela democracia. O PS dá aos portugueses melhores condições de vida, melhores salários e uma economia a crescer. O PS orgulha-se do Serviço Nacional de Saúde. O PS vai retirar regiões do empobrecimento e despovoamento. O PS, insiste-se, governa as contas públicas com rigor e com responsabilidade.

As frases acima, a cargo do investidor imobiliário António Costa, do patriarca da família César e de mais duas ou três “personalidades” fascinantes, foram proclamadas no Congresso do PS, bonito certame que esteve patente na Batalha. Comparando com outros bandos enclausurados em espaços reduzidos, os davidianos de Waco diziam coisas menos amalucadas. O que, afinal, vem a ser isto? Fanatismo religioso? Exorcismo colectivo? Alta comédia?

Um pouquinho de cada, com certeza. Mas trata-se principalmente de um teste aos cidadãos. É como quando, a meio de uma conversa, desconfiamos que o nosso interlocutor deixou de nos ouvir e desatamos a afirmar os maiores disparates para medir a respectiva atenção: “E então na quinta-feira almocei em Ponte de Lima com a Kristen Wiig, cinco filatelistas e o Gandhi…” Se o bandalho anuir seriamente, percebemos que não nos liga nenhuma e estamos à vontade para inventar o que quisermos.

Assim foi no Congresso. Os socialistas espalharam mentiras sem nexo, brutais enormidades, uma visão distorcidíssima da realidade e uma definição inversa do que o PS de facto é. E depois esperaram. No mínimo, que se escutasse uma gargalhada de Norte a Sul. No máximo, que uma horda de indignados com as periódicas calamidades que o PS impõe ao país rumasse à Batalha a fim de ajustar contas, públicas e privadas. Não aconteceu nada. E o PS confirmou aquilo de que já suspeitava: a total impunidade para continuar a desgraçar inúmeras vidas. E continuar a mentir descaradamente sobre isso.

Não que o PS apenas saiba mentir, pelo amor de Deus e do dr. Arnaut. Perto do final do Congresso, uma senhora subiu ao palco e garantiu que “os portugueses merecem António Costa como primeiro-ministro”. Esta frase é verdadeira – e só não merecem pior porque seria difícil encontrar.

Helena Matos. Ora vamos ao que me interessa

O país tem o socialismo inscrito na Constituição e o medo da liberdade colado às palavras: a velocidade e o sucesso da trafulhenta campanha da “epidemia dos despejos” mostram-no à evidência.

Como vai sair o PS do poder? Será um acontecimento inesperado? Uma catástrofe? Um escândalo? Uma alteração internacional?… Não sei, mas o que posso concluir deste Congresso do PS é que o PS se tornou na situação e, como bem se sabe, a situação não acaba porque alguém apresenta uma melhor alternativa mas sim porque algo lhe coloca abruptamente fim. Aliás, já foi assim com José Sócrates e está a ser assim com António Costa. O país tem o socialismo inscrito na Constituição e o medo da liberdade colado às palavras: a velocidade e o sucesso da trafulhenta campanha da “epidemia dos despejos” mostram-no à evidência.

Com a esquerda dona do léxico do poder e a extrema-esquerda no papel de controleira da indignação que normalmente se associa à oposição, a que se junta um PSD transformado numa secretaria para os assuntos regionais, António Costa tem o caminho livre para não ter de sair do terreno politicamente confortável das medidas que valem pela intenção e não pelos resultados. São os chamados combates. Todos os dias temos um combate e questionar a sua eficácia implica automaticamente a inversão do ónus da responsabilidade: já não será Costa a ter de explicar o que pretende fazer mas sim os outros porque não o apoiam. É o combate ao machismo. À obesidade. À crise demográfica. Ao envelhecimento. Às fake news. À especulação imobiliária. À precariedade. Ao insucesso escolar. Ao abandono escolar. À desertificação do interior. Ao desperdício alimentar. Às desigualdades. À violência no desporto. À discriminação. Ao desemprego. À seca e às cheias…

Quando o falhanço das políticas governativas se torna óbvio entra-se no paradigma da salvação: o SNS tornou-se uma ratoeira para os pacientes que são simultaneamente obrigados a recorrer ao SNS e impedidos de aceder aos tratamentos? Vamos salvar o SNS. A escola pública apresenta níveis preocupantes de violência? Os programas estão a ser alterados no sentido do facilitismo? Vamos salvar a escola pública. Portugal arde e o número das vítimas dos incêndios ultrapassa tudo o que alguma vez se imaginou? Vamos salvar a floresta…

Durante quanto tempo funciona esta retórica? Assim que me recorde, em Portugal nunca deixa de funcionar. De vez em quando uma falência provoca uma breve interrupção neste estado de coisas mas logo tudo volta à normalidade. Até lá, António Costa, o combatente-salvador, pode dormir descansado.

Alexandre Homem Cristo. Um partido que precisa de Centeno

Centeno foi a figura-maior deste Congresso e é ele quem tem na mão as chaves para a vitória em 2019. Como cedo se confirmará na negociação do Orçamento, quem manda é ele, porque o futuro imediato do PS está assente na sua credibilidade

Lembram-se do último Congresso do PSD, em que tudo correu mal – vice-presidentes apupados, eleições incertas, aplausos a meio gás, meio partido contra a outra metade? Pois este Congresso do PS foi precisamente o inverso: ensaiado ao milímetro, tudo correu na perfeição. Legado de Sócrates q.b., fantasmas da bancarrota domados por elogios sucessivos a Mário Centeno, protagonismos partilhados pelas individualidades certas e nas doses adequadas, dando palco a quem no PS está mais à esquerda (Pedro Nuno Santos) ou mais à direita (Augusto Santos Silva), recados para os parceiros parlamentares sem cair em excessos. Ou seja, foi um Congresso sem história – exactamente o que o PS pretendia que fosse.

Sem história não significa sem importância. Estes dias assinalaram o arranque do ano eleitoral de 2019, com a apresentação da estratégia matriz dos socialistas: fazer do PS o partido onde cabem todos, onde dentro da social-democracia nenhuma sensibilidade política é rejeitada. Não, não é só ser o tal partido charneira – aquele que tanto pode negociar entendimentos com PCP/BE como estabelecer acordos com PSD/CDS – embora essa ideia tenha sido amplificada por diversas ocasiões (com piscares de olhos ao PSD de Rui Rio). É, sobretudo, apresentar o PS como partido hegemónico, que se confunde com o regime, que garante e distribui poder, que é o único garante do funcionamento do Estado Social, que não precisa do folclore do debate ideológico porque o que lhe interessa realmente é a expansão do seu alcance dentro do Estado. Não importa se o assume: António Costa tem os olhos numa maioria absoluta, apesar das reticências da ala esquerda do PS em largar a mão do BE.

Foi, aliás, essa ideia matriz que as duas intervenções de António Costa no congresso promoveram, numa espécie de autopromoção dos sucessos do seu governo e de ajuste de contas suave com parceiros e adversários. É que, olhando para os anos 2015-2018, António Costa garante que só o PS acertou e todos os outros partidos estavam enganados – à direita, porque se desconfiava da gestão das contas públicas por parte do PS; à esquerda, porque não se concebiam alternativas dentro da Zona Euro. Ora, esta estratégia argumentativa tem uma peça-chave: Mário Centeno. Por isso, Centeno foi a figura-maior deste Congresso e é ele quem tem na mão as chaves para a vitória em 2019. Como cedo se confirmará na negociação do Orçamento de Estado, quem manda é ele, porque o futuro imediato do PS está assente na sua credibilidade.

Luís Aguiar-Conraria. A cabeça enterrada na areia

Como é possível dizer que o envelhecimento populacional é um dos nossos maiores problemas e não dizer, nem a talhe de foice, que esse envelhecimento põe uma pressão cada vez maior nas contas da Segurança Social?

Escrevo no carro, a caminho do Jamor, onde vou com a família assistir à final da Taça de Portugal de futebol feminino entre o Braga e o Sporting. Também ouvi o discurso de António Costa aqui no carro. Mas, cara leitora, ou caro leitor, não se se assuste, não estou a escrever enquanto conduzo. Somos uma família muito moderna e é a esposa que conduz. Mas fica o aviso feito: se este artigo estiver falho de vírgulas, ou com mais erros do que o habitual, tal deve-se às condições precárias com que conduzo este trabalho.

Na sexta-feira, quando sintonizei a televisão para o início do congresso, apanhei uma coreografia da belíssima “Grândola Vila Morena” e pensei que seria um sinal para o que aí vinha: um PS claramente posicionado à esquerda. O PS sempre teve o complexo de não ser considerado de esquerda pelos comunistas. Durante décadas, o PCP, especialmente Álvaro Cunhal, sempre distinguiu o PS dos “partidos de direita”, o PSD e o CDS. Mas, na verdade, não falava do PS como um partido de esquerda, mas sim como um partido democrático. Digamos que o PS era o único partido com o qual valia a pena conversar, mesmo não sendo de esquerda.

Hoje o PS tem o selo de garantia de partido de esquerda que só o Partido Comunista pode carimbar. E, claramente, são felizes assim. Percebeu-se isso pela forma entusiástica como o discurso vinte-cinco-abrilista de Pedro Nuno Santos foi recebido. Provavelmente o discurso que mais entusiasmou os congressistas, que, se pudessem, o incensariam já para seu líder em 2023. Essa é a mensagem que fica do congresso. Os socialistas estão felizes com o apoio do PCP. Estão tão felizes que quase preferem que o PS não tenha maioria absoluta nas próximas eleições. Se, por azar, tiverem maioria absoluta, então prometem renovar os votos de casamento com a sua esquerda.

Fugindo às sensações, não encontro grandes novidades. Vejo um PS cada vez mais orgulhoso com o défice mais baixo da História (o que é óptimo), mas com Costa, no seu discurso final, a insistir na fábula de que foi possível aliviar a austeridade, sem reconhecer que houve “apenas” uma mudança de faixa, mantendo-se o veículo na mesma autoestrada. Ou seja, que a devolução de rendimentos foi feita à custa de trocar uns impostos por outros, cativações e redução do investimento público. No seu entusiasmo, chegou a dizer que reduziram a carga fiscal, o que, como se sabe, é factualmente falso.

Sobre o que foi dito, não tenho muito mais a dizer. Mas tenho sobre o que não foi dito. No seu discurso de abertura, António Costa alertou, e muito bem, para um dos maiores desafios que Portugal vai enfrentar nas próximas décadas: o envelhecimento da população (primeiro) e a sua redução (depois). Lembro que, de acordo com o INE, em 2060 seremos poucos mais de 7 milhões. Para Costa, isto apresenta um desafio enorme para, por exemplo, o sistema de saúde. Acrescentou também que não basta reproduzirmo-nos que nem coelhos para resolver este problema, ou seja, teremos mesmo de nos virar para a imigração. Não podia estar mais de acordo, naturalmente, mas o que mais me chamou a atenção foi mesmo a omissão: como é possível dizer que o envelhecimento populacional é um dos nossos maiores problemas, referir os desafios que isso coloca e não dizer, nem a talhe de foice, que esse envelhecimento põe uma pressão cada vez maior nas contas da Segurança Social? Vamos continuar com a cabeça enterrada na areia por quanto tempo?

Maria João Marques. António Costa está feliz

António Costa pretende manter os acordos à esquerda que lhe garantem paz eterna com os sindicatos e no parlamento. Que é como quem diz: não está virado para nenhuma política de facto reformista.

Um António Costa de blazer, camisa branca e sem gravata (boa escolha, sem ironia), resolveu oferecer-nos alguma sensação de segurança sendo previsível. Deste primeiro-ministro esperam-se discursos redondos, a cobrir os clichés socialistas do momento, naquele seu estilo belicoso (mesmo quando fala para amigos) sem grande talento retórico. E, generoso, cumpriu.

Do que disse, Costa não suscitou mais que suspiros entediados perguntando “E novidades?”. Esteve bem, na primeira vez que falou no congresso, referindo as desigualdades salariais entre homens e mulheres, colocando a legalização da eutanásia nos objetivos do PS e, das duas vezes, o problema demográfico. Uma ou outra solução concreta ou linha de atuação é que escassearam.

Arrepiou (mas, outra vez, previsivelmente) pela promessa implícita de pretender criar mais atrofia ao mercado do arrendamento – parece que o “mercado solto e livre” não pode ser, ao contrário do congelamento das rendas e da eternização dos contratos, que tão bons resultados deram, pelo menos se almejarmos o crescimento do número de casas devolutas e por reabilitar. O mesmo para o mercado de trabalho, prometendo limitar as condições de emprego a termo. Não percebi se pretendem recuperar a lei de Sócrates que Cavaco em más horas vetou (período experimental de seis meses seguido de contrato sem termo – e que tem virtudes) se vão afinal seguir alguma sugestão alienada do BE (perdoe-se a redundância).

Não vale a pena enfiarmos a cabeça na areia: para terem bebés e aumentarem a natalidade, as pessoas precisam de casa e empregos estáveis. O problema vem de o PS supor que resolve qualquer calamidade se obrigar e ameaçar e atacar senhorios e empresas.

Pelo meio reclamou, com justiça, sucessos no crescimento económico e nas finanças públicas, intermediando com factos alternativos como aquele de informar que a carga fiscal baixou. Kellyanne Conway não diria melhor.

O que Costa disse sem dizer foi mais contundente. Pretende manter os acordos à esquerda que lhe garantem paz eterna com os sindicatos e no parlamento. Que é como quem diz: não está virado para nenhuma política de facto reformista.

Miguel Pinheiro. O misterioso equívoco de Pedro Nuno Santos

Pedro Nuno Santos achou que Costa se preparava para trocar o fato e gravata pelo robe e pelos chinelos, numa reforma antecipada. Enganou-se. O líder não sai tão cedo.

O congresso do PS começou envolvido num enorme e nebuloso equívoco. Por razões misteriosas, Pedro Nuno Santos convenceu-se que seria prudente já, imediatamente, sem demoras, começar a preparar o pós-costismo. E assim nasceu, como um bebé prematuro, o pedronunismo. Durante dias e semanas, discutiu-se a posição ideológica do PS, as alianças do PS e até, num assomo filosófico, a “essência” do PS — como se, de alguma forma, estivéssemos perto de um momento de mudança ou de definição.

Talvez a generosidade geracional de Costa — ao promover vários jovens quadros no partido — tenha provocado uma confusão, levando alguns a pensar que o líder sonhava em trocar o fato e gravata pelo robe e pelos chinelos. Ou talvez tenha havido, em vez de confusão, precipitação: antecipando a possível ascensão de rivais, Pedro Nuno Santos optou por marcar lugar à porta da sala do trono. Mas, como se sabe, nem a linha de sucessão dinástica garante o futuro. Como o príncipe Carlos lhe poderia explicar, quando ficamos muito tempo na fila do poder, desaparece a surpresa e sobra o cansaço.

Não haja dúvida: tão cedo, António Costa não pretende ir a lado nenhum. Como, aliás, Ana Catarina Mendes explicou no último dia do congresso. Por um lado, decretou que Costa é “o melhor herdeiro do legado da nossa História”, ou seja, é o herdeiro direto de Soares e de Arnaut, o que quer dizer que está ungido de uma legitimidade incontestável. Por outro, explicou que o atual líder é uma dádiva ao povo: invertendo aquela que deveria ser a ordem dos factores numa democracia, afirmou que “os portugueses merecem António Costa como primeiro-ministro”.

António Costa também fez questão de ser pedagógico, para o caso de alguém ter dificuldade em entender o que está em causa. No seu discurso, gracejou que não meteu “os papéis para a reforma”. E, além disso, repetiu um hábito antigo: no começo e no fim dos trabalhos, pôs a tocar a música dos Xutos “À Minha Maneira”.

Realmente, o líder dos socialistas fará o que quiser — como sempre fez — e não pretende ir embora tão cedo. No seu primeiro discurso, disse que o PS “está onde sempre esteve”. Costa também “está onde sempre esteve”. E Pedro Nuno Santos, com mais ou menos arroubos de entusiasmo, estará — ou não estará — onde Costa quiser.

Filomena Martins. O congresso do ‘Pisca, Pisca’

"Uns olharam para a esquerda e 'pisca, pisca', outros para o centro e 'pisca, pisca', andaram pr’ali 'a piscar para ver se arranjavam conquista'."

Este Congresso do PS pode ficar para a história como o Congresso do “Pisca, Pisca”. Tal como na música da Ruth Marlene, uns olharam para a esquerda e “pisca, pisca”, outros para o centro e “pisca, pisca”, andaram pr’ali “a piscar para ver se arranjavam conquista”. E Costa, que também vai deitando o olho por cima do ombro à sua direita, assistiu de camarote.

E o que ele viu, vimos todos. Pedro Nuno Santos, piscando para a esquerda, criou antecipada (talvez demais) e definitivamente a corrente pedronunista no partido, arrumando d’uma piscadela o seu principal futuro adversário Fernando Medina. Santos Silva repetiu os argumentos da centralização. E Francisco Assis insistiu também em piscar para o centro, e com uma espécie de elogio a Costa por ter conseguido silenciar os parceiros de esquerda, lembrou-o do que poderá fazer se governar sozinho livre de tais amarras.

E enquanto o debate ideológico, já esgotado em artigos nas páginas de jornais, se tornava insípido no palco da Batalha, António Costa ia piscando tanto para um lado como para o outro. A encenação preparada meticulosamente entre os ‘casos’ da semana, permitiram que tudo lhe corresse de feição. Que acabasse como queria, a falar apenas do futuro num discurso para sub-30 ouvir.

Costa achou que com uma fotografia do fantasma, misturada com a do espírito de Seguro, depois da ação conjunta de limpeza dos destroços, tirava Sócrates do Congresso e praticamente conseguiu-o. A foto até foi aplaudida pelos congressistas, ele disse umas palavritas sobre corrupção en passant e nem Ana Gomes mencionou o nome daquele-cujo-nome-não-deve-ser-pronunciado.

Com o caso Siza Vieira, que apareceu em cima da reunião magna (ou do magnânimo, se olharmos pelo prisma do primeiro-ministro) e podia atrapalhar a caminhada triunfal, a coisa também se resolveu fácil. Se as leis que há não são cumpridas, arranjam-se umas novas para as incompatibilidades e atira-se a batata quente para as mãos do Constitucional. Easy.

“Todos os homens têm suas artimanhas, P’ra conquistar fazem coisas geniais”, dizem às tantas os versos popularuchos da Ruth Marlene. E António Costa deve achar, depois deste congresso pãozinho sem sal, que é o maior entre tanto pisca pisca. É o que dá ter neste momento o partido na mão, a esquerda amordaçada e Rui Rio sob controlo. Para o que der e vier em 2019, não vá precisar de PCP e Bloco, só dos bloquistas ou ter de se virar para o PSD. Por isso não dedicou uma palavra a nenhum deles, apenas os avisou que não pretende reformar-se tão cedo.

Costa acha que está sentado num bólide a alta velocidade, que nem precisa de ligar os piscas para chegar ao destino. Com sorte, às vezes as coisas correm bem. Mas, ao primeiro obstáculo, podem terminar em grandes acidentes. É esse o perigo em que colocou Portugal. A não ser que, como avisa a cantora, os portugueses (e os outros partidos) percebam (de uma vez por todas) as suas “manhas”.

Helena Cristina Coelho. O passeio de Costa no país cor-de-rosa

Há só uma coisa que pode estragar a festa do PS: a realidade. Precisamente aquela que os socialistas teimam em ignorar.

Se dúvidas houvesse sobre a forma como António Costa tenciona governar o partido — e, já agora, o país — elas começaram logo a ser esclarecidas no arranque do Congresso. E o discurso inicial, rematado ao som de “à minha maneira”, dos Xutos, foi só um sinal: o líder (reforçado) do PS faz tudo para não perder o controlo de nada. Seja o partido, seja o país.

Costa conseguiu assim que este Congresso fosse, provavelmente, o mais cor-de-rosa de sempre. Houve homenagens a socialistas incontestados, como Soares e Arnaut (o primeiro até teve direito a uma dramatização ao jeito de La Féria). Houve dirigentes socialistas a garantir as cadeiras por mais uns tempos (como Ana Catarina Mendes e Carlos César) e uma geração sub-30 colocada a preceito, tanto nas promessas, como depois a emoldurar o discurso final do secretário-geral do PS (e aqui deixou uma imagem claramente distinta do seu rival Rui Rio). E houve também vagas sucessivas de aplausos por militantes claramente rendidos ao seu querido líder — percebe-se: quando a equipa está a ganhar, não há adepto que questione a tática do treinador.

Pelo meio, António Costa geriu ainda com mestria tudo aquilo que poderia ensombrar o seu passeio neste Congresso. Não apagou a imagem de José Sócrates (uma espécie de Voldemort do PS, aquele de que ninguém ousa dizer o nome), aflorou o tema da corrupção, mas virou o disco e seguiu em frente. Ignorou os números e avisos mais pessimistas da economia, bem como as crescentes manifestações em áreas críticas como a saúde e a educação, trocando tudo isso por um elogio rasgado a Mário Centeno e às conquistas do atual governo contra as intolerâncias externas (um recado a Bruxelas e aos amigos da austeridade). Reduziu a oposição a uma voz que acabou rendida no final dos trabalhos e nem mesmo a voz incómoda (e solitária) de Ana Gomes chegou para acordar um Congresso rendido ao país cor-de-rosa. E ainda abriu a porta a alguém do seu núcleo mais próximo para o suceder… mas, claro, só quando ele meter os papéis para reforma, avisou, e isso não será para já — Pedro Nuno Santos já tirou a senha para a corrida e até poderá chegar a líder, mas ficou claro que será só quando e como António Costa quiser.

Entre os papéis de secretário-geral do PS e de primeiro-ministro, António Costa geriu argumentos e promessas sabendo que tem tudo (ou quase tudo) sob controlo. Joga à esquerda com os receios dos parceiros de geringonça, joga à direita com as ambições de um líder social-democrata disponível a negociar. Para todos, a palavra-chave é sobrevivência. A esta altura, Costa leva vantagem no jogo e, por isso, tem direito a escolher a música e a decidir que todos dançam à sua maneira. Mas, nesta ilusão de que o país vive tempos de prosperidade e crescimento e competitividade e trabalho e que tudo funciona imaculadamente sem falhas, desde hospitais e escolas a justiça e combate a fogos — o tal Portugal Melhor que serviu de bandeira ao congresso —, há só uma coisa que pode estragar a festa: a realidade. Precisamente aquela que os socialistas teimam em ignorar.

Luís Rosa. A melhor forma de esvaziar uma “erva daninha”

O poder é, de facto, inebriante. Mas a melhor forma de conquistá-lo (ou à maioria absoluta) não passa necessariamente por varrer o lixo para debaixo do tapete.

Apesar de ter apoiado desde sempre Jorge Sampaio contra António Guterres, António Costa tem dentro de si uma espécie de vírus guterrista. Muitas vezes tanto avança, como recua logo de seguida. Outras vezes mostra-se indeciso sobre qual o melhor caminho a seguir mas quando percebe o que a maioria quer, fala desse novo caminho como se nunca tivesse pensado noutra coisa.

Um bom exemplo é a sua relação com o objetivo de maioria absoluta — que é um objetivo difícil mas incontornável nas legislativas de 2019. Tal como Guterres (que nunca pediu explicitamente uma maioria absoluta em 1999 e ficou a um deputado da dita cuja), Costa ainda não quer prometer uma maioria absoluta que só José Sócrates conseguiu conquistar para o PS. Ainda é cedo, é certo. Antes das legislativas, ainda teremos eleições regionais na Madeira (onde o PS se arrisca a ganhar pela primeira vez o Governo Regional) e as europeias. E, tão importante quanto isso, ainda falta aprovar um Orçamento de Estado com o PCP e o BE. Mas Costa parece ter medo das palavras.

Outro bom exemplo é o vazio ideológico que marcou o consulado de António Guterres nos anos 90 que, tal como Tony Blair fez em Inglaterra, atenuou (para ser simpático) a influência esquerdista de Sampaio. Costa parece querer importar para o ‘seu’ PS tal vazio — o que implica um recentramento face à estratégia da geringonça.

A alegada luta ideológica entre Augusto Santos Silva (o socialista democrático) e Pedro Nuno Santos (o socialista esquerdista que anda com citações de Karl Marx no bolso), com Fernando Medina pelo meio, que marcou o Congresso do PS não passou de uma encenação. Fomentou muitos artigos de opinião e entrevistas em jornais, levou a comunicação social a não falar de outra coisa durante o Congresso, mas foi uma desculpa para aquecer um congresso sem história — um congresso à imagem de um partido de Governo. O mesmo se diga sobre os supostos sucessores de António Costa — desautorizados com um simples e óbvio “ainda não meti os papéis para a reforma” do primeiro-ministro.

Tudo junto serviu para esvaziar mediaticamente, e de forma preventiva, as ‘Anas Gomes’ da vida partidária que insistissem em falar no nome proibido, um nome que tem de ser soletrado (ou sussurrado) para não assustar o PS: “J-O-S-É S-Ó-C-R-A-T-E-S”

Este Congresso podia, de facto, ter tido história, se o PS aceitasse discutir as consequências do caso Sócrates, se aceitasse debater novas formas de lutar contra a corrupção e ideias para melhorar a transparência na vida pública. Costa, com o apoio do partido, recusou fazê-lo porque, porventura, deve encarar Ana Gomes da mesma forma que a nomenklatura angolana: como uma “erva daninha” — palavras do “Jornal de Angola” (a voz do regime angolano) que, curiosamente, não mereceram nenhuma reprovação de um dirigente socialista.

O poder é, de facto, inebriante. Mas a melhor forma de conquistá-lo (ou à maioria absoluta) não passa necessariamente por varrer o lixo para debaixo do tapete. Mais tarde ou mais cedo, alguém descobre o que não devia ter sido feito — ou escondido.

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