Aprender a debater, fazer angariação de fundos, criar decretos-lei (e aprender a negociá-los), fazer campanhas porta a porta, recolher assinaturas para uma petição, escrever estatutos de uma associação e um abaixo-assinado. São estas algumas das propostas de formação da “Próxima Geração”, uma academia apartidária, sem fins lucrativos, que ambiciona “revitalizar a democracia portuguesa” e dar competências políticas e cívicas práticas a jovens entre os 16 e os 30 anos, através de cursos.
O objetivo é pôr grupos diversos de jovens, de norte a sul do país, de diferentes idades, etnias, contextos e espectros políticos, a debater e a encontrar consensos, muitas vezes difíceis de obter na política ativa, explica ao Observador Ricardo Marvão, um dos principais responsáveis pela importação do conceito (criado há cinco anos na Suécia com o nome Apolitical Academy) para Portugal. “Temos, à partida, um conjunto de pessoas que vão pensar diferente. Queremos criar nelas uma capacidade de chegar a consensos”, observa o também cofundador da consultora de inovação Beta-i.
O programa parte da premissa de que para mudar o sistema é preciso entrar nele. E, para isso, há que derrubar barreiras à entrada, defende Fernando Soares, outro dos cofundadores. “O cidadão comum não faz ideia como se pode candidatar a uma Junta de Freguesia, a uma Câmara Municipal, como entrar num partido. Há aqui uma assimetria de informação que é preciso reduzir“, afirma. Fora dos partidos políticos, e do que dizem ser o pensamento muitas vezes uniforme das juventudes partidárias, o objetivo é dar aos participantes ferramentas para que possam, se o entenderem, seguir uma carreira política, ou simplesmente aprender competências cívicas e sociais.
“A maioria dos políticos em Portugal vem da ciência política, da economia e do direito. E Portugal conseguiu oferecer isso nos últimos anos. Do que às vezes o nosso ensino e educação formal se esquece é de formar determinados tipo de softskills. Aprendemos pouco a falar em público, a debater, como no ensino anglosaxónico”, nota Fernando Soares, diretor de desenvolvimento e financiamento da Universidade Nova de Lisboa, que se intitula como um “fundraiser [angariador de fundos] profissional” (foi co-responsável pelo financiamento do projeto do Campus de Carcavelos).
A academia, que está ainda a ‘instalar-se’ em Portugal, espera começar a receber candidaturas até ao final do primeiro trimestre. As aulas do curso-piloto vão acontecer aos fins de semana, durante 12 semanas, até ao verão. Inicialmente com 30 participantes, a ideia é rapidamente chegar aos três cursos com 60 alunos cada um.
“Estamos a ter a liderança política que merecemos se não investirmos nela”
“Por vezes as pessoas erradas são atraídas para a política”. Quem o diz é Lisa Witter, fundadora da Apolitical, a empresa que criou as academias com o mesmo nome (que além de Portugal estão em países como a África do Sul, Georgia, Azerbeijão, Arménia e Paraguai, e vão chegar para o ano ao Reino Unido, à Austrália e ao Peru). Witter, que se assume como uma “empreendedora política”, explica que o processo de “recrutamento” dos participantes deve seguir um princípio de diversidade, com pessoas de “mente aberta” e um sentido “ético”. Nos programas, os alunos aprendem “essencialmente três coisas”: a desenvolver competências de liderança política, a aprender “como fazer política”, contextualizando o sistema, e “como ser um legislador [policy maker] eficaz” — “por exemplo, de que inovação precisamos na política e na democracia?”
Na juventude, Lisa, norte-americana, fez parte do Partido Democrata, mas sentia que este “não estava a investir em jovens de contextos diversos para candidatos”. Aos 23 anos, quando trabalhava num instituto de desenvolvimento e formação de líderes, pensou: “Porque é que estamos a ensinar líderes políticos a serem eleitos e porque não estamos a ensinar-lhes competências de liderança e como serem bons legisladores?”
Com a Apolitical, financiada através de angariação de fundos junto de fundações, pessoas em nome individual ou fundos públicos (a mesma lógica será replicada em Portugal), quer que os participantes possam aprender a fazer política, nomeadamente por observação. “Cada programa é diferente, mas podem desde ver como a política é feita no terreno, debaterem, aprender com os oradores”. Se há muitos que saem a querer exercer cargos públicos ou políticos, outros ambicionam apenas “aprender a envolver-se mais política ou civicamente”. “Preocupa-me quando vêm ter comigo e dizem: ‘Quero ser político’. Procuramos pessoas que queiram ajudar o serviço público e a política é uma boa forma de o fazer. Algumas pessoas vão envolver-se na política, e não há nada de mal, desde que seja pelas razões certas. Outras pessoas querem apenas aprender e, se calhar, nem vão fazer nada durante 20 anos e mais tarde decidem envolver-se”, explica.
Witter, que trabalha na área da formação política há mais de 20 anos, acredita que as causas para uma certa “descrença” dos cidadãos na política, e na democracia, são variadas. Por um lado, considera que, mais do que com a política em si, as pessoas estão “descontentes” com os partidos, que associam à “velha guarda”. E com a própria classe política. “A forma como o cérebro funciona é que as más notícias vendem mais do que as boas. Ouvimos mais sobre os políticos que estão a fazer coisas más, não sobre os que estão a fazer um trabalho extraordinário, e conheço vários”, afirma.
A empreendedora defende que, para ser mais atrativa e funcionar melhor, a democracia “precisa de ser atualizada para condizer com a forma como o mundo funciona”. “Temos uma política de século XVIII e uma visão da tecnologia do século XX. Precisamos de uma forma diferente de ver a política. Fizemos um levantamento e há 18.000 escolas de MBA certificadas e 374 institutos de formação política, e a maior parte são novos ou não são corretamente financiados. Estamos a ter a liderança política que merecemos se não estamos a investir nela.”
Ainda assim, diz que tem notado o aumento da procura por formação política, impulsionada pelas alterações climáticas e a desigualdade de género. “Estou muito preocupada porque se não encontramos representantes melhores e mais diversos teremos outro tipo de consequências. Todos estes jovens vão continuar a sair às sextas-feiras [no movimento criado pela ativista Greta Thunberg] até que os dedos fiquem azuis de protestarem na rua, porque não veem a mudança. Precisamos de pegar nessa energia e direcioná-la de forma a que possam ver essa mudança. Não é apenas protestar, é entrar [no sistema] e fazerem o trabalho difícil de chegar a acordo, ouvir. Estamos a tentar fazê-los crer que é bom serem empreendedores sociais, mas vão esbarrar contra o sistema se não entrarem nele”.
Fernando Soares aponta outro objetivo: “Queremos mostrar às pessoas que não basta chegar à internet e expor a sua ideia. É preciso ir à luta, expô-la publicamente e chegar a um consenso com pessoas que têm outras ideias”.
Foco será nos jovens “fora da política”, mas curso estará aberto a “todo o espectro democrático”
O primeiro rascunho da importação da ideia partiu de Ricardo Marvão, cofundador da Beta-i, depois de ver um documentário sobre uma associação criada por jovens que juntava quem conhecia e estava dentro do sistema e pessoas que têm “algo para dizer”, chamado Knock Down the House, de 2019, o mesmo ano em que conheceu Robyn Scott, cofundadora da Apolitical. Falou com Fernando Soares, com quem já tinha trabalhado, e com outros “empreendedores” que não estão na política ativa, mas ligados a projetos da sociedade civil (ao todo, são agora nove).
Além de Ricardo Marvão e Fernando Soares, são cofundadores Adriana Cardoso, ex-colunista do Público e da Comunidade Cultura e Arte, Nuno Alvim, especialista em economia da concorrência e consultor na RBB EconomicsPartner em Bruxelas, Nuno Carneiro, fundador e coordenador da comunidade cívica Política Para Todos, Luís Lacerda, investigador na University College London e antigo presidente da Associação Portuguesa de Estudantes e Investigadores no Reino Unido (PARSUK), Simone Uriartt, designer estratega em inovação social, João Costa, diretor de Pessoas & Cultura da empresa de desenvolvimento de jogos FRVR e Teresa Dias Coelho, economista e cofundadora da ONGD WACT – We Are Changing Together.
O programa, destinado a jovens dos 16 aos 30 anos, será focado nos “que estão fora da política”, assegura Fernando Soares. Mas também vai aceitar candidaturas de alunos ligados a partidos, desde que pró-democráticos. “Toda a discussão que existir será pró-democracia. Vamos querer ver representadas as forças que estão no Parlamento e que os portugueses consideram relevantes dentro do espectro democrático”, frisa. Para já, Ricardo Marvão e Fernando Soares não revelam quem serão os professores ou oradores do primeiro curso da academia, mas, dizem, estão dentro e fora da política.
Apesar dos objetivos de ter turmas diversas, o curso-piloto não será gratuito. Ricardo Marvão garante, no entanto, que o preço será “mínimo”, embora não queira ainda especificar. “Essa componente pode ser um desafio. Podemos ajudar as pessoas a criar uma campanha de angariação de fundos”, exemplifica. Os encontros serão em formato misto, online e presencial, alguns dos quais no interior, para, dizem, “mostrar a realidade do país”.