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A extração de água do subsolo está a deslocar o ponto onde o eixo de rotação da Terra cruza a superfície do planeta mais de 4 centímetros por ano

Universal History Archive/Univer

A extração de água do subsolo está a deslocar o ponto onde o eixo de rotação da Terra cruza a superfície do planeta mais de 4 centímetros por ano

Universal History Archive/Univer

A atividade humana está a alterar o eixo de rotação da Terra. Ir buscar água ao subsolo é um dos problemas

Um novo estudo aponta a extração de água do subsolo (fundamental para a agricultura em lugares de pouca chuva) como uma das principais causas da deslocação do eixo de rotação da Terra.

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Faz parte do conhecimento básico que adquirimos na escola: o planeta Terra é redondo, sim, mas achatado nos polos, e gira sobre si próprio a cerca de 1.600 quilómetros por hora em torno de um eixo ligeiramente inclinado em relação ao Sol. É, aliás, essa realidade que explica a existência das estações do ano.

Contudo, encontrar o ponto exato nos polos onde se situa o eixo de rotação da Terra é uma tarefa complexa, já que a localização deste ponto tem sofrido deslocações ligeiras ao longo dos séculos. Isto não significa que não existam dois lugares geográficos chamado Polo Norte e Polo Sul: encontram-se na latitude de 90 e -90 graus exatos, respetivamente, e é necessário que estejam num ponto fixo para serem usados como referência para a cartografia. Mas há vários séculos que a comunidade científica sabe que existem pequenas oscilações no ponto real onde o eixo de rotação cruza a superfície terrestre.

Uma imagem usada pelo jornal americano The New York Times num artigo recente é útil para compreender melhor o fenómeno de rotação da Terra: ao contrário dos pequenos globos de escritório que usamos para representar o planeta, a Terra não gira sobre si própria de maneira suave; pelo contrário, “enquanto se move pelo espaço, a Terra abana como um frisbee mal lançado“. Fenómenos como correntes oceânicas, os ventos e as variações na pressão atmosférica fazem com que o planeta não seja uma esfera a rodar sossegadamente, mas esteja sujeita a oscilações e variações no seu eixo de rotação. Mas além de oscilações esporádicas provocadas por estes fenómenos, também há oscilações de maior prazo, provocadas por variações na distribuição da massa terrestre ao longo do tempo.

"O nosso estudo mostra que, entre as causas relacionadas com o clima, a redistribuição da água subterrânea tem, na verdade, o maior impacto na deslocação do polo de rotação."
Ki-Weon Seo, geólogo e professor do Departamento de Estudos da Terra da Universidade de Seul

Estas oscilações passaram de ligeiras a mais significativas em 1995, quando os cientistas começaram a observar uma deslocação acentuada do eixo de rotação da Terra, com aquele ponto a mover-se do Canadá em direção à Rússia. Nos quinze anos seguintes, esta deslocação acelerou e ocorreu com uma velocidade 17 vezes superior aos quinze anos anteriores.

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Porquê? Vários estudos científicos têm apontado as alterações climáticas como uma das causas principais, além das movimentações do magma que compõe o manto terrestre (a enorme camada entre a crosta e o núcleo), que são a principal razão pela qual o eixo da Terra vai sofrendo alterações.

Particularmente, os cientistas consideravam que o degelo verificado nos polos estava a ter um papel fundamental na deslocação acentuada do eixo de rotação da Terra, uma vez que a fusão do gelo nos polos leva a uma redistribuição muito significativa da massa de água no planeta. Os enormes glaciares dos polos transformam-se gradualmente em água líquida, que é enviada para os oceanos, alterando a distribuição de massa no globo terrestre, o que interfere com a rotação do planeta e contribui para a alteração da posição do eixo.

Mas poderá haver uma outra explicação, ainda mais relacionada com a atividade humana: a exploração intensiva dos lençóis freáticos para abastecer as regiões onde a água é mais escassa. Segundo um estudo publicado em junho na revista científica Geophysical Research Letters, o esgotamento dos lençóis freáticos é um dos fatores que mais contribuem para a redistribuição de massa no planeta Terra e, por conseguinte, para a deslocação do eixo de rotação do planeta. Concretamente, estima-se que o eixo esteja a deslocar-se 4,36 centímetros todos os anos em direção a leste só por causa deste fenómeno.

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A extração de água do subsolo é um dos principais motivos pelos quais a humanidade está a provocar a redistribuição da massa na Terra

AFP via Getty Images

Como é por causa da inclinação do eixo de rotação da Terra que existem as diferentes estações do ano — a inclinação dos raios solares em relação a cada ponto da Terra influencia as temperaturas médias —, então, uma alteração significativa na inclinação do eixo de rotação tem o potencial para afetar o clima em todo o globo terrestre, perturbando a duração e a intensidade das diferentes estações do ano.

Dois biliões de toneladas de água extraídos do subsolo

“O polo de rotação da Terra, na verdade, muda bastante”, resumiu em declarações citadas pela CNN o principal autor do estudo, o geólogo sul-coreano Ki-Weon Seo, professor do Departamento de Estudos da Terra da Universidade de Seul. “O nosso estudo mostra que, entre as causas relacionadas com o clima, a redistribuição da água subterrânea tem, na verdade, o maior impacto na deslocação do polo de rotação.”

Entre 1993 e 2010, o período analisado no estudo, a humanidade extraiu do subsolo 2.150 gigatoneladas de água — ou seja, mais de 2 biliões de toneladas. Trata-se de uma quantidade de água que, se fosse diretamente despejada nos oceanos, faria subir o nível médio da água do mar em 6,24 milímetros em todo o planeta.

A possibilidade de a extração de água dos subsolos ser um dos fatores a contribuir para a alteração da distribuição de massa no planeta Terra e para a deslocação do eixo de rotação do planeta já tinha sido uma hipótese levantada por outros cientistas antes.

À CNN, o geólogo sul-coreano explicou que qualquer alteração na distribuição de massa do planeta — incluindo, por exemplo, provocada pelas diferenças de pressão atmosférica — podem influenciar o eixo de rotação. No entanto, enquanto as alterações de pressão atmosférica causam mudanças periódicas e temporárias no eixo da Terra, uma efetiva redistribuição da massa no planeta pode causar mudanças de longo prazo. E, até agora, ninguém tinha calculado a influência da exploração dos lençóis freáticos neste processo.

Estima-se que na crosta terrestre — a camada superior, rochosa, da composição do planeta — existam aquíferos onde estão armazenados muitos milhões de litros de água: cerca de mil vezes mais do que a água existente em todos os rios e lagos do planeta. A exploração desses aquíferos, através de poços, furos e bombas de água é fundamental para fazer face às necessidades agrícolas em regiões do mundo fortemente afetadas pela seca, destacando-se a região ocidental do continente norte-americano e a região norte da Índia.

A exploração da "água intersticial, que existe nas formações rochosas", tem a capacidade de fazer "variar o campo gravítico" e também "a topografia, ou seja, a altitude do chão".
Miguel Miranda, geofísico e ex-presidente do IPMA

Contudo, a exploração de água do subsolo tem um risco: quando determinado aquífero é explorado a uma velocidade superior àquela a que é reabastecido, pode secar. As consequências podem ser dramáticas: colapsos de terra, devido ao vazio que ficou por preencher no subsolo, e um agravamento da seca na região, já que se reduz o espaço que pode receber água.

Este fenómeno de esgotamento da água subterrânea tem vindo a agravar-se ao longo das últimas décadas. Um estudo citado pelo The New York Times mostra que entre 1960 e 2000 o esgotamento das águas subterrâneas mais do que duplicou: de 126 biliões de litros anuais em 1960 para 283 biliões em 2000. O fenómeno é de tal modo grave que já é detetado do espaço, a partir de satélites que identificam variações na gravidade terrestre.

Em declarações ao Observador, o geofísico português Miguel Miranda, antigo presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), explica que a exploração da “água intersticial, que existe nas formações rochosas”, tem a capacidade de fazer “variar o campo gravítico” e também “a topografia, ou seja, a altitude do chão”. Trata-se de um fenómeno também já verificado em Portugal, aponta Miguel Miranda, recordando alguns “estudos feitos há uns anos que mostram diferenças de centímetros na topografia de Lisboa” como resultado de exploração de aquíferos.

A exploração intensiva dos aquíferos é especialmente problemática nas regiões em que há menos chuva: por um lado, há uma necessidade maior de explorar a água do subsolo para dar respostas às necessidades da agricultura; por outro lado, há menos chuva para reabastecer os lençóis freáticos, que acumulam a água doce da precipitação.

Miguel Miranda sublinha a importância dos satélites GRACE (o acrónimo para a expressão inglesa Gravity Recovery and Climate Experiment), da Universidade da Califórnia, para que a comunidade científica tenha começado a dar-se conta destas variações na massa da Terra. “Eram dois satélites gémeos em órbita que mediam com grande precisão a distância entre eles, para deduzir o valor da gravidade”, explica Miguel Miranda, sublinhando que uma grande parte do conhecimento sobre as variações da gravidade da Terra se deve àquele projeto. A partir da medição das pequenas variações de gravidade por parte dos satélites GRACE, era possível deduzir também as variações na água existente no subsolo — e o modo como essas variações fazem mudar a distribuição da massa no planeta.

Uma “grande surpresa”

Para compreender o impacto da extração de água subterrânea nas alterações do eixo de rotação da Terra, a equipa liderada por Ki-Weon Seo usou observações por radiotelescópio para medir as deslocações do eixo terrestre. Concretamente, os cientistas recorreram à observação de quasares — objetos espaciais que permanecem fixos no espaço — para medirem as alterações na posição do planeta Terra.

Estas informações foram depois cruzadas com os dados já recolhidos pela comunidade científica sobre o esgotamento das águas subterrâneas e com os dados resultantes de observações sobre o degelo dos polos e a subida do nível das águas do mar para avaliar, através de um modelo computacional, qual a responsabilidade da exploração de lençóis freáticos na redistribuição da massa no planeta Terra e, por conseguinte, na alteração do eixo de rotação do globo.

A conclusão foi clara: a redistribuição da água dos aquíferos subterrâneos para os oceanos “resulta numa variação do polo de rotação da Terra de cerca de 78,48 centímetros na direção de 64.16ºE“. São, em média, mais de quatro centímetros por ano em direção a leste.

Rotten sea ice at over 80 degrees North off the north coast of Svalbard

As coordenadas do Polo Norte indicam o lugar de latitude 90 — mas o polo real de rotação vai sofrendo variações

Getty Images

Ao The New York Times, Ki-Weon Seo recordou a sua reação no momento em que os cálculos lhe mostraram a “grande surpresa” que foi a relação tão forte e direta entre a extração de enormes quantidades de água do subsolo e as alterações no eixo de rotação da Terra: “Wow!”

“Qualquer massa a mover-se em torno da superfície da Terra pode mudar o eixo de rotação”, explicou o geólogo sul-coreano à revista Nature. Por isso, as movimentações da água no planeta eram consideradas um dos fatores fundamentais para a alteração do eixo. Mas algo nos dados não batia certo, sublinhou Ki-Weon Seo àquela publicação. Até agora, o degelo dos glaciares nos polos era considerado o grande fator relacionado com a água a contribuir para a mudança. Mas, quando a equipa do sul-coreano tentou estabelecer uma relação entre o degelo nos polos e as alterações do eixo de rotação da Terra efetivamente observadas, o degelo não era capaz de explicar a totalidade dos dados. “Cocei a cabeça e disse: ‘Provavelmente, um efeito são os lençóis freáticos.’

Miguel Miranda explica ao Observador o que está em causa: “A partir do momento em que se faz exploração das águas intersticiais, à medida que se tira essa água para a superfície, isso influencia a redistribuição da massa da Terra.” Essa redistribuição da massa terrestre conduz a um outro resultado, que é a “variação da posição do centro da Terra“. O centro da Terra não é um ponto fixo geográfico, sublinha o geofísico português, mas um centro físico, que se situa no ponto em torno do qual, em cada momento, a massa do planeta se distribui de maneira uniforme. Ou seja, qualquer modificação na distribuição da massa à superfície vai puxar ou empurrar o centro físico do planeta para um ou outro lado.

Em consequência, “também há uma variação no eixo de rotação da Terra”, sublinha Miguel Miranda, acrescentando que se trata de uma variação “pequena, centimétrica” — no caso do estudo da equipa de Ki-Weon Seo, de pouco mais de quatro centímetros por ano.

Uma prova do impacto humano no planeta

Com maior ou menor fatalismo, a comunidade científica internacional reconhece a importância do estudo agora apresentado e sublinha como fica patente mais uma consequência da atividade humana no planeta Terra. É com “tristeza e espanto” que a climatologista Allegra LeGrande, da NASA, entende mais esta prova do impacto humano no planeta. Em declarações à revista Nature, LeGrande salienta que o estudo “resume a magnitude da extração de água do subsolo em todo o planeta numa métrica significativa e com a qual nos podemos identificar”.

Ao The New York Times, o geólogo americano Matthew Rodell, também da NASA, especialista no estudo das águas armazenadas no subsolo, disse não ter ficado surpreendido com a descoberta. “Não estou surpreendido que [a extração de água do subsolo] tenha um efeito” na rotação da Terra, disse Rodell. Ainda assim, acrescentou o geólogo, “é impressionante que tenham conseguido extrair isto a partir dos dados“. No entender de Rodell, “as observações que têm do movimento polar são suficientemente precisas para observar esse efeito”.

Surendra Adhikari, geofísico no Instituto de Tecnologia da Califórnia, classificou à CNN a descoberta da equipa de Ki-Weon Seo como “muito significativa” para o estudo do planeta Terra. “É uma ótima contribuição e uma documentação importante“, disse Adhikari. “Eles quantificaram o papel da extração de água do subsolo na deslocação do polo, e isso é muito significativo.”

Em Portugal, o geofísico Miguel Miranda destaca a identificação da relação entre a extração de água do subsolo e a variação no eixo de rotação da Terra, mas sublinha que se trata de uma variação “pequena e lenta“. Trata-se de uma variação que, “com um grande sismo, podia acontecer em minutos”, mas que assim acontece ao longo de anos. Sobre o impacto no planeta, Miguel Miranda atribui mais importância à “redução da água doce disponível” (sobretudo em contexto especialmente afetados pela seca) do que propriamente à variação, na ordem dos centímetros, da localização do eixo de rotação da Terra, já que numa perspetiva global o planeta “encontra sempre o equilíbrio”.

"Nós afetámos os sistemas da Terra de várias maneiras. As pessoas têm de ter consciência disso."
Ki-Weon Seo, geólogo e professor do Departamento de Estudos da Terra da Universidade de Seul

Apesar de o eixo da Terra não ter sofrido variações suficientemente significativas para alterar, por exemplo, as estações do ano, a verdade é que as mudanças na rotação do planeta têm outras implicações. Segundo o The New York Times, quaisquer variações na rotação da Terra interferem com todos os sistemas globais que se baseiam em satélites, incluindo as aplicações de mapas digitais e os sistemas de navegação usados pelos aviões e até por mísseis. Um conhecimento mais detalhado sobre o modo como a rotação da Terra é afetada por diferentes fatores — incluindo humanos — é fundamental para o correto funcionamento daqueles sistemas.

O próximo passo para a equipa de Ki-Weon Seo é, a partir da relação encontrada entre extração de água do subsolo e alterações ao eixo de rotação da Terra, olhar para o passado e reconstituir a história: desde o fim do século XIX que existem medições relativamente precisas sobre a deslocação do eixo de rotação do planeta.

Mas, para o geólogo sul-coreano, a grande conclusão do seu estudo traduz-se num aviso, deixado em declarações à CNN: “Nós afetámos os sistemas da Terra de várias maneiras. As pessoas têm de ter consciência disso.”

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