André Ventura não ataca; André Ventura é atacado. André Ventura não persegue; André Ventura é perseguido. André Ventura não insulta; André Ventura é insultado. A busca incessante por um lugar de mártir político tem sido uma constante na campanha do líder e candidato do Chega. Vem nos livros: uma das formas mais eficazes de mobilizar as tropas é agigantar monstros e inimigos externos. E Ventura faz dessa estratégia alfa e ómega de grande parte das suas intervenções.
Menos de 24 horas depois de ter insultado os seus adversários políticos, André Ventura fez de conta que nunca tinha o dito o que efetivamente disse e justificou o facto de ter chamado “avô bêbado” a Jerónimo de Sousa ou “coisa de brincar” a Marisa Matias e ao seu batom vermelho como resposta a alegados ataques dos visados. “É a campanha que os adversários fazem contra mim”, desculpou-se, de forma evasiva, aos jornalistas. Não é.
Inimigos, ataques, “luta”. Em Castelo Branco, Ventura terminou o seu discurso referindo-se a uma luta épica que acabara de travar naqueles 15 minutos de intervenção. “Esta luta que hoje vimos acontecer é entre Portugal antigo e o Portugal que vai nascer a 24 de janeiro”, gritou o líder do Chega. Na verdade, esta tarde, o adversário de Ventura foi um grupo de meia dúzia de adolescentes (sobretudo jovens mulheres), que gritavam “fascista” e “não passarão” à distância de um campo de futebol.
Na noite anterior, em Portalegre, a “luta” tinha sido contra outro grupo de jovens adolescentes — e Ventura nem sequer estava presente, tinha zarpado. Na segunda-feira, em Portimão, 20 pessoas de etnia cigana seguraram cartazes na doca. Aqui e acolá, em Faro ou Santarém, duas ou três pessoas gritam fascista assim que vêem a figura do líder do Chega a surgir.
Segundo Ventura, é o sistema a reagir e a atacar: os subsidiodependentes, as minorias, os das “bandeiras coloridas”, os corruptos, os da esquerda radical e os da direita frouxa, como não se cansa de enumerar. “Não temos medo de protestos. Façam-me o que quiserem, apontem-me o quiserem e persigam-me o que quiser. Não vou desistir nunca”. Em cinco dias de campanha, um esqueleto no teatro de Évora foi o maior e mais ativo obstáculo político do candidato.
Os apoiantes do Chega são indiferentes a isso. A entrega que dedicam ao presidente do partido — e que comprova as qualidades de liderança de André Ventura — tem contornos de devoção. O líder do Chega usa e abusa do dramatismo porque sabe que os inimigos que cria são o cimento que une quem, pela primeira vez, se sente importante e ouvido por um símbolo. “Não tenho receio, sou o político mais ameaçado desde o 25 de Abril”, disse em Castelo Branco. Não é, mas os apoiantes acreditam. E protegem o líder.
Protegem de tal forma que será uma questão de tempo até acontecer algo de efetivamente grave em ações do Chega. Esta tarde, só a intervenção de um agente da PSP impediu que um manifestante anti-Ventura e um dos elementos do staff do candidato passassem a vias de facto. A determinado momento, já com Ventura a discursar, um dos apoiantes do candidato deu um chega para lá numa jovem mulher com pouco mais de 20 anos. Acabariam por ser separados, sem mais.
A caravana de Ventura ainda não chegou a zonas com maior densidade populacional e tem andado sobretudo entre o Sul e o Centro do país. Além disso, a campanha presidencial e o contexto pandémico têm impedido grandes ajuntamentos, o que ajuda a esvaziar a tensão de muitas ações de campanha.
Ainda assim, os microcasos de violência (até agora apenas verbal) têm existido. O que será daqui em diante ou em eleições mais disputadas? Ninguém pode, com rigor, antecipar. Ventura vai seguindo o seu caminho, indiferente ao rasto que deixa.
Tudo isto só fará sentido se, no final, o ‘inimigo’ for derrotado. Esta noite, já na Guarda, Ventura celebrou o facto de estar à frente de Ana Gomes na sondagem do Observador/TVI/Pitagórica. Mas as sondagens não ganham eleições e Ventura sabe-o.
“Temos de sair de casa e ir votar. Não acreditem em vitórias antecipadas. É muito simples e muito fácil de fazer: sair de casa e votar André Ventura. O pior que nos podia acontecer era perdermos por falta de comparência. Vamos esmagar a esquerda, mas para isso temos de sair de casa e votar”, apelou uma e outra vez André Ventura.
Hipnotizados, os apoiantes reagiam aos estímulos do líder. As duas palavras mágicas — “Ana” e “Gomes” — faziam o resto junto das tropas. “Ana Gomes, não és bem-vinda em Portugal. Nunca serás!”, atirou-lhe o candidato do Chega. O papão crescia e a adoração dos apoiantes também. Ventura não ataca. Só é atacado. Ventura não persegue. Só é perseguido. Ventura não insulta. Só é insultado.