A dúvida não era propriamente se, mas por quanto iria a União Nacional, de Jordan Bardella e Marine Le Pen, vencer. As últimas sondagens conhecidas antes da segunda volta das legislativas francesas deste domingo davam vantagem ao partido, sem grandes dúvidas, mas antecipavam como difícil a maioria absoluta. A realidade trouxe contas muito diferentes: nem maioria absoluta, nem maioria simples. Nem mesmo o segundo lugar. A União Nacional não foi além do terceiro, atrás da Nova Frente Popular e do partido de Macron, um tombo que o candidato da extrema-direita se apressou a atribuir à “aliança desonrosa” que atira França “para os braços da extrema-esquerda”.
O resultado histórico (para a União Nacional) da primeira volta das legislativas tinha dado a Bardella e Le Pen a esperança de talvez conseguirem chegar à meta da maioria absoluta: pelo menos, 289 deputados em 577. O objetivo ficou longe e o bolo de 143 deputados eleitos foi visto como um “golpe esmagador para a extrema-direita”, nas palavras do Le Monde, ou uma “derrota pesada e surpreendente”, nas do Le Figaro, para dois protagonistas políticos que tinham passado os últimos dias a pedir a desejada maioria.
As contas saíram ao lado e nem se conseguisse convencer todos os deputados dos Republicanos (45) a apoiá-lo — uma tarefa que seria sempre difícil, tendo em conta que aquele foi o partido que expulsou por unanimidade o seu líder, Eric Ciotti, por se aliar à extrema-direita — Bardella teria argumentos para reivindicar o Palácio de Matignon.
Marine Le Pen, na primeira reação aos jornalistas, preferiu ver o copo meio cheio. Os resultados mostram que a “maré está a subir” e que a vitória da União Nacional foi “apenas adiada”. “Não subiu o suficiente desta vez, mas [a maré] continua a subir e, consequentemente, a nossa vitória apenas foi adiada”, disse ao canal TF1. “Tenho demasiada experiência para ficar desiludida por um resultado em que duplicámos o número de deputados”, acrescentou.
E, de facto, apesar de não ir tão longe quanto a primeira volta deixava antever, o resultado deste domingo não deixa de ser um novo recorde histórico para o partido, analisa o Le Figaro, com um grande avanço face aos 88 deputados que a União Nacional contava até à dissolução parlamentar anunciada por Macron a 9 de junho, no rescaldo das eleições europeias.
Há dois anos, a União Nacional conseguiu 3,5 milhões de votos na segunda volta e o “feito” de formar um grupo parlamentar na Assembleia Nacional, pela primeira vez desde 1986. Agora, é provável que se torne na maior bancada do parlamento, dada a fragmentação dos partidos à esquerda (que, no final, ganham as eleições devido às coligações que formaram). E isso pode garantir-lhe, se não a presidência do Palácio Bourbon, que alberga a Assembleia, possivelmente lugares-chave. como as presidências de comissões ou uma maior equipa parlamentar. Assim como um encaixe financeiro que, segundo o Le Point, pode ultrapassar os 20 milhões de euros por ano, uma ajuda se o objetivo for reforçar a oposição ao governo que sair do imbróglio político. Mas mesmo isso representa “um magro consolo para as duas figuras nacionalistas”, observa o Le Figaro.
Uma frente republicana firme
As desistências nas chamadas “triangulares” já se adivinhavam como uma dor de cabeça para Le Pen, mas os estrategas do partido não antecipavam a enxaqueca que, afinal, debilitou a União Nacional. É isso que resume o Le Figaro: “A escada era demasiado alta para o nacional-populismo de Marine Le Pen, que se viu confrontada com um novo telhado de vidro, desta vez de betão armado. É evidente que, perante os resultados, a frente republicana está em pleno andamento. No entanto, para os estrategas de Marine Le Pen, este processo, classificado como ‘farsa’, nunca poderia ter impedido a sua vitória”. Pelo contrário, essas desistências de uns partidos a favor de outros tão diferentes eram até vistas, dentro da União Nacional, como um argumento de dissuasão para os eleitores indecisos.
A diabolização dessas alianças foi uma das estratégias do partido, que precisava de desativar a frente republicana que se começou a formar logo após o domingo da primeira volta. “Acho lamentável ver um Presidente da República que acusava o França Insubmissa de antissemitismo e comunitarismo atirar-se para os braços de Jean-Luc Mélenchon”, disse Jordan Bardella, ao Le Figaro, falando mesmo em “desonra”.
A estratégia também passou por colar Jean-Luc Mélenchon a uma “aliança do pior” que levaria ao “desarmamento da polícia, a ambiguidade sobre o antissemitismo, o desejo de libertar os prisioneiros, o inferno fiscal, a desordem e a insurreição”. Marine Le Pen seguiu outra argumentação: “Votar na Nova Frente Popular é votar no FMI”. Além disso, Jordan Bardella tentou mobilizar o eleitorado para as urnas ao garantir publicamente que não iria formar governo caso tivesse maioria relativa (o mais provável era que caísse à primeira moção de censura).
Não correu necessariamente como pretendiam. A União Nacional parece ter sido prejudicada pelas desistências ao centro e à esquerda ou mesmo na direita moderada para travar uma maioria da extrema-direita. Foi isso que aconteceu, por exemplo, no círculo eleitoral da ex-primeira-ministra Elisabeth Borne, que teve mão na polémica subida da idade da reforma, o que ainda está bem presente na memória coletiva, mas que, ainda assim, conseguiu ser eleita à segunda volta. Ou no círculo de Marie-Caroline Le Pen, irmã mais velha de Marine Le Pen, que na primeira volta foi a mais votada, mas na segunda perdeu por pouco o lugar para a candidata da Nova Frente Popular.
De acordo com uma análise do Ipsos, uma empresa de sondagens, feita para o Le Point, 43% dos eleitores do Ensemble (a coligação que inclui o partido de Macron) votaram na França Insubmissa e 19% no União Nacional nos duelos entre as duas forças. Já nos confrontos entre o Ensemble e a União Nacional, 72% dos eleitores da Nova Frente Popular votaram no primeiro e apenas 3% nos candidatos de Le Pen.
Bardella retomou, já depois de conhecidas as projeções, a linha da diabolização: a culpa dos resultados é de uma “aliança política desonrosa, destinada a impedir por todos os meios os franceses de escolherem uma política diferente” e que “está a atirar a França para os braços da extrema-esquerda de Jean-Luc Mélenchon”, disse. Essa aliança, firmada por Emmanuel Macron e Gabriel Attal com a extrema-esquerda, continua, “priva esta noite o povo francês de uma política de recuperação para a qual, no entanto, votou amplamente, colocando-nos na liderança durante as eleições europeias e depois na primeira volta das eleições legislativas de domingo passado”. Bardella também felicitou os apoiantes pela “serenidade face às caricaturas e às campanhas de desinformação dos nossos adversários”.
Mas não terá sido só o jogo das desistências a ditar a derrota. O Le Monde lembra como a campanha da União Nacional foi marcada por polémicas, como o anúncio feito por Bardella a dias das eleições de que iria proibir os cidadãos com dupla nacionalidade de exercerem cargos públicos. Após a torrente de críticas à esquerda e ao centro, Bardella lamentou ter sido “caricaturado” e garantiu que “os franceses de origem estrangeira que trabalham e respeitam a lei” não deveriam ter receio da medida. Le Pen também tentou limpar os cacos e aligeirar, garantido que a medida visaria apenas alguns empregos em “cargos estratégicos sensíveis”, como na Segurança e na Defesa.
Antes disso, o partido tinha começado a recuar em algumas das medidas mais caras do programa, como a aplicação da sua reforma de pensões, ou a proibição do uso do véu islâmico em público, acrescenta o jornal.
As “ovelhas negras” que Bardella tentou afastar
O Le Monde também escreve que a semana entre as duas voltas eleitorais “foi ainda mais dolorosa para a extrema-direita”, com publicações — recentes e passadas — de candidatos, nas redes sociais, a virem a público, com teor racista, negacionista e anti-aborto. O Le Point dá outros exemplos: houve “explosões, muitas vezes racistas, dos seus candidatos”, alguns “revelaram-se incapazes de responder a perguntas dos jornalistas” ou de participar em debates.
Jordan Bardella tentou minimizar, disse que eram casos isolados (“ovelhas negras”, foi a expressão que usou). Mas nem por isso terá afastado todos os receios dos indecisos. E isso pode ter dado força à frente republicana.
Mas nada faria crer que a derrota fosse tão pesada, analisa o Le Figaro, a quem o jovem de 28 anos que queria ser primeiro-ministro tinha dito: “Temos de afastar o espetro de uma maioria relativa porque não podemos correr o risco de paralisar França durante três anos, enquanto o mundo continua a avançar.”
A equipa da UN tinha tudo preparado caso chegasse ao poder, escreve o Le Figaro: a nomeação dos ministros, os gabinetes, as medidas a tomar uma vez no poder. Só que o resultado foi o “fracasso de toda uma estrutura: a da UN enquanto partido político”. As eleições legislativas antecipadas de 2024 aconteceram “demasiado cedo” para o partido de Le Pen, que “acaba de sentir a dor do despertar de uma frente republicana que julgava definitivamente morta desde as eleições legislativas de junho de 2022”, nas palavras do Le Monde.
O que se seguirá para a líder da extrema-direita francesa? Mantém a intenção de chegar ao Palácio do Eliseu em 2027? E para o partido? O Le Figaro deixa a pergunta em aberto, mas sublinha que a derrota deste domingo deixa “muitas questões” a pairar.