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A morte da rainha Isabel II aos 96 anos esta quinta-feira, 8 de setembro, deixou Inglaterra de luto. A monarca morreu em Balmoral, na Escócia, acompanhada de vários elementos da família que se deslocaram ao local depois de os médicos que a acompanhavam terem expressado “preocupação” com o seu estado de saúde. A notícia foi avançada pelo palácio de Buckingham pouco depois das 18h30. Acompanhe ao minuto todas as notícias no live blog do Observador.
No frenesim mediático que rodeia a morte da rainha, muitas das atenções viram-se para o sucessor, o seu filho Carlos, atualmente com 73 anos (fará 74 em novembro). O rei Carlos III não é a personagem mais popular na história da casa real inglesa, nem tampouco a mais carismática. A sua vida esteve envolta em mediatismo e nem sempre pelos melhores motivos, desde o casamento feito de altos e baixos com a princesa Diana às acusações de adultério com uma mulher que já amava desde novo, que não era digna da realeza, que mais tarde casou com outro homem e se divorciou. A infame Camilla, que se tornou sua mulher em 2005, contra tudo e contra todos. Pouco a pouco, o casal parece ter vindo a subir no índice de estima dos súbditos britânicos.
Conhecido como o “eterno príncipe“, Carlos III passou a sua vida no banco de suplentes à espera de subir ao trono. Se se considerar a esperança média de vida de um britânico (cerca de 81,65 anos; dados de 2022) poderão sobrar-lhe cerca de sete anos de reinado. A espera foi longa e os afazeres estão empilhados como livros numa biblioteca poeirenta — ele já mesmo o havia dito em entrevista à VanityFair: “Há tantas coisas que precisam de ser feitas”.
De eterno príncipe a rei: o que mais sabemos sobre Carlos?
Carlos Filipe Artur Jorge nasceu a 14 de novembro de 1948, o primeiro de quatro filhos do casamento de Isabel II com o príncipe Filipe, Duque de Edimburgo, celebrado um ano antes. Quando tinha quatro anos, a sua mãe, com 25 anos, ascendeu a rainha de Inglaterra e Carlos tornou-se herdeiro do trono britânico. Ana, Eduardo e André, os seus irmãos, nasceram em 1950, 1960 e 1964, respetivamente. Isabel II foi muitas vezes acusada de ser “fria” na relação com os filhos e de não passar tempo com eles. Na biografia autorizada de Carlos — Prince of Wales: A Biography —, publicada em 1994, Jonathan Dimbleby cita o monarca a dizer que não foram os pais as pessoas que o educaram, mas “inevitavelmente as amas”.
Carlos recebeu uma educação privada no palácio de Buckingham, iniciando de seguida estudos na Universidade de Trinity, em Cambridge, após os quais se tornou no primeiro herdeiro ao trono de Inglaterra a concluir uma licenciatura. Em 1969, com 21 anos, foi-lhe atribuído o título de príncipe de Gales. Conhecido por ser trabalhador, motivado e disciplinado, aprendeu a pilotar aviões na Força Aérea britânica e chegou mesmo a partir numa missão da Marinha.
Em julho de 1981, casou com Diana Spencer numa cerimónia transmitida em todo o mundo e acompanhada por várias centenas de milhões de pessoas. O seu primeiro filho, William, nasceu em 1982 — o segundo sucessor ao trono. Passados dois anos, nascia Harry. O casamento de Carlos com Diana esteve sempre envolto num intenso escrutínio público que acabou por deteriorar a relação, a par do romance que o monarca mantinha secretamente com Camilla Parker-Bowles. Carlos e Diana anunciaram a sua separação em 1992 e divorciaram-se em agosto de 1996, um ano antes da princesa morrer tragicamente num acidente de carro em Paris. Foi Carlos quem voou até à capital francesa para ir buscar o corpo da ex-mulher. No cortejo do funeral, foi um dos seis homens que seguiram atrás do caixão, acompanhado pelo pai, Filipe, os dois filhos e o irmão de Diana, Charles Spencer.
A subida ao trono
Numa altura da vida que, para muitos, é sinónimo de reforma, Carlos prepara-se para exercer a “profissão” para a qual ficou destinado aos quatro anos de vida — foram 69 anos de espera. A coroação deverá suceder uma operação meticulosa de despedida daquela que se tornou na monarca que mais tempo reinou na história do Reino Unido. Em 2017, a revista New Yorker escrevia que, com receio de que os republicamos aproveitem o intervalo entre a morte de um monarca e o coroação de outro para espalhar “sentimentos anti-realeza”, existe a possibilidade de acelerar este processo — tanto quanto o decoro o permitir.
Trabalhos intrinsecamente associados à caridade ocuparam grande parte da agenda do sucessor, que ao longo dos anos ficou conhecido pelas opiniões fortes que deitou a público — sobre as alterações climáticas ou sobre a medicina alternativa. Em 1970, já discursava sobre a poluição do plástico e continuou ao longo dos anos a focar-se nos temas da sustentabilidade e do aquecimento global.
O rei que ninguém quer?
A morte da princesa Diana, em 1997, abalou a popularidade da monarquia britânica mas, 25 anos depois, muitas coisas mudaram. Em maio de 2022, a rainha Isabel II era a monarca mais popular do país (votada por 45 por cento dos inquiridos num estudo da Ipsos). Segue-se Kate Middleton, que se juntou à “Firma” depois de casar com William em 2011 (32 por cento); em terceiro lugar está o seu marido (28 por cento); e apenas em quarto lugar no coração dos ingleses, com 14 por cento dos votos, chega o rei Carlos III.
Em 2017, cerca de três quartos dos britânicos acreditavam que o Reino Unido estaria “pior” sem a família real e sem a rainha Isabel. Mas irá este sentimento prevalecer quando Carlos for coroado? Em 2017, a The New Yorker assegurava que o sucessor de Isabel II, então com 68 anos, era um “homem extremamente impopular“. Já a publicação australiana news.com.au escreveu em 2018 que Carlos seria o futuro rei que, na verdade, ninguém quer.
Quando completou 70 anos, em 2018, alguns biógrafos reais focaram-se em mostrar mais detalhes de Carlos, caracterizado enquanto “um príncipe mimado que vive num mundo hermeticamente selado“, como escreveu o The Guardian, por exemplo. Para essa caricatura, ajudaram os relatos que dão conta da existência de um assento de sanita ambulante e de o príncipe viajar com a sua própria almofada e o seu próprio colchão ortopédico. Em algumas receções consta que leva o Martini já misturado por questões de segurança. As frequentes críticas de que é alvo deverão afetá-lo um pouco dado que, segundo Patrick Holden, amigo de longa data, é “um homem algo sensível”. “Corajoso” também. O rótulo de trabalhador, esse, parece que ninguém o questiona. À medida que a rainha foi abrandando o passo com o passar dos anos, o trabalho do filho primogénito foi aumentando. A liderança da Commonwealth é exemplo disso.
Em abril de 2018, a sucessão ficou clara, depois de Isabel II proclamar que esses “eram os seus mais sinceros desejos”, aprovados pelos representantes dos 53 países-membros numa reunião à porta fechada no Castelo de Windsor. “Ele trabalha sete dias por semana. Ele precisa de abrandar. Este é o homem que janta ridiculamente tarde”, afirmou o filho Harry, no documentário emitido pela BBC já citado, o qual se foca quase exclusivamente na vida laboral do herdeiro ao trono.
O funcionário que adormece à secretária
O monarca é conhecido por adormecer à secretária e por acordar com notas coladas no rosto. Madrugador, costuma começar a trabalhar pelas 8h45, fica até às 10h a tratar da correspondência, caso tenha compromissos agendados — se a agenda estiver vazia, essa tarefa prolonga-se até à hora de almoço. Um dia de trabalho pode acabar facilmente à meia-noite, com a pausa a meio da tarde para o chá a ser regular. “Não conheço muitas pessoas que, a seguir ao jantar, voltam para a secretária”, diz Patrick Holden, já citado pelo The Guardian. ”
Ele é incrivelmente disciplinado.” É também este amigo de longa data quem expressa gratidão por o Reino Unido ter um herdeiro tão focado na sustentabilidade e no meio ambiente. No documentário da BBC os filhos de Carlos relatam que chegaram a recolher lixo com o pai nas férias quando eram mais novos e que, já crescidos, não suportam ter luzes desnecessariamente ligadas em casa — William atira, diante das câmaras, que tem uma espécie de perturbação obsessiva compulsiva com os interruptores que terá sido influenciada pelo pai.
A relação de Carlos com a imprensa é, hoje, bem mais relaxada do que a dos seus filhos, que já foram apelidados de control freaks no que à sua cobertura noticiosa diz respeito. Neste ponto, Harry e Meghan serão os membros da família real que mais fazem correr tinta e atraem os tabloides. Mas já lá iremos.
O amor proibido do rei
Foram anos e anos de um amor proibido com uma mulher mais velha, que não era adequada, não era pura, que até se casou com outro homem e se divorciou. Na época em que Diana era a “princesa do povo”, Camilla Parker-Bowles, atual rainha-consorte, era para os tabloides a “outra mulher”, a “feia”, a “amante”. Depois de várias décadas de uma relação que se desenrolou às escondidas e à revelia dos costumes, Carlos e Camilla casaram finalmente em 2005, contra tudo e contra todos. Vários anos mais tarde, é consensual que são mais felizes juntos. O fotógrafo Alexi Lubomirski, que ilustrou o artigo da Vanity Fair a propósito dos 70 anos de Carlos, disse que, assim que o casal se entreolha, há “uma faísca nos seus olhos”. “Sentimos que eles são um jovem casal apaixonado.”
Carlos e Diana tiveram 13 encontros antes de se casarem. Em fevereiro de 1981, um príncipe 13 anos mais velho pediu Diana em casamento. A então jovem de 19 anos deixou escapar um intenso “Amo-te tanto, amo-te tanto!”, ao que Carlos respondeu: “O que quer que o amor signifique”, uma declaração fria que ele voltaria a usar numa entrevista e que, por isso, ficaria famosa. A união de ambos ficou marcada por um intenso frenesim mediático e pelo alegado amor não correspondido de Carlos. Segundo os documentários divulgados em 2017, altura em que passavam 20 anos da morte de Diana, a princesa do povo terá ouvido o príncipe dizer ao telefone “Hei de amar-te para sempre”. Noiva de Carlos, Diana descobria que o futuro marido tinha um caso amoroso com Camilla. Em 1995, Diana haveria de dizer, numa polémica entrevista à BBC, que eram “três” pessoas na relação — “Éramos três no casamento, por isso, acho que era uma multidão”.
A “rainha-consorte”
A 9 de abril de 2005 — 9 anos após o primeiro divórcio e 8 anos após a trágica morte de Diana — Carlos e Camila casaram-se numa cerimónia civil. Agora, Camilla é vista como uma figura essencial de apoio ao rei. A opinião do público sobre Camilla mudou. No entanto, é de assinalar que a relação nem sempre foi vista com bons olhos pela rainha, a julgar pela biografia não autorizada (Rebel Prince) lançada por Tom Bower em 2018. Após a separação de Carlos e Diana, o herdeiro à coroa terá pedido à rainha que não se intrometesse, ao que Isabel alegadamente respondeu: “Não quero ter nada que ver com essa mulher má”.
“Ela vai dar-lhe muita força e confiança para que ele desempenhe o trabalho para o qual nasceu. Ele vai ser um rei melhor por a ter a seu lado”, assegurava Penny Junor, dedicada a escrever sobre a família real britânica, ao Sunday Express em 2018. Ao fim de tantos anos — a relação de ambos começou no início dos anos 1970 — o afeto entre Carlos e Camilla é bastante visível: ainda no artigo já citado da Vanity Fair, uma fotografia do casal dá conta da mão de Camilla na perna de Carlos, um gesto normal para um casal apaixonado, mas pouco ou nunca visto entre figuras da monarquia.
O Megxit e a relação com Harry
Em maio de 2018, o seu filho mais novo casou com uma atriz norte-americana, divorciada, filha de mãe negra e pai branco, com uma relação mediática e conflituosa com a meia-irmã e com o pai. As características de Meghan Markle não eram as mais favoráveis para uma casa real que ainda funciona em conformidade com uma série de protocolos e tradições. Foi Carlos quem lhe deu o braço até ao altar para se juntar ao noivo, o seu filho Harry. A cerimónia foi transmitida em direto em todo o mundo e o recém-casal foi recebido com entusiasmo pelo povo inglês. A história estava a acontecer à frente dos olhos de todos.
O que se sucedeu foi, de facto, histórico, mas não pelos melhores motivos. A entrada de Meghan na casa real esteve, desde cedo, envolta num nível de escrutínio que poderia apenas ser comparado ao que assombrou a mãe do seu marido décadas antes. Meghan era o ódio de estimação dos tabloides. Ao mesmo tempo, a relação dos duques de Sussex com a família real deteriorava-se, acabando por culminar no Megxit a 1 de abril de 2020. O casal abandonou os seus postos enquanto membros seniores da realeza, depois de já terem manifestado vontade de serem “financeiramente independentes”.
Passados pouco mais de dois anos do Megxit, não é certo se a relação entre o atual rei de Inglaterra e o seu filho está em bons termos. Sabe-se que este mês, a propósito da ida dos duques de Sussex a Inglaterra para participar em eventos de solidariedade, Carlos III convidou-os para ficarem instalados na sua casa de férias na propriedade do Castelo de Balmoral, na Escócia, mas estes recusaram. O rei havia garantido que seriam “sempre bem-vindos”, segundo uma fonte do palácio citada pelo Daily Mail.