O apelido despertou a curiosidade. Quando o jornal The New York Times revelou que teria sido Jack Teixeira, um militar na casa dos 20 anos, o autor das fugas de informação que tornaram públicos os documentos secretos dos Estados Unidos sobre a política internacional, incluindo conteúdos sensíveis sobre a guerra na Ucrânia, levantou-se a hipótese de ser português.
A certeza chegou poucas horas depois, de uma fonte a mais de 5.000 quilómetros de Lisboa, do outro lado do Oceano Atlântico e oriundo de uma comunidade portuguesa: Jack Teixeira, detido pelo FBI por suspeitas de ter publicado informações sensíveis que colocam em causa a segurança da defesa dos EUA, era de facto lusodescendente, neto de açorianos e morava nos arredores de Fall River.
Para a família, Jack era apenas um jovem de 21 anos, militar e próximo da irmã, que gostava de computadores e tinha dois cães. Na internet era “O.G.”, fundador de um grupo online numa rede social dedicada principalmente a videojogos, memes racistas e armas. Para as autoridades, Jackson Teixeira parece ser um traidor da pátria que espalhou no mundo online segredos que têm de ficar fechados a sete chaves na esfera da Defesa norte-americana.
Jack Teixeira has officially become a suspect in the leak of critical US defense and intelligence documents – CBS News pic.twitter.com/U0nmeSQlgJ
— S p r i n t e r F a c t o r y (@Sprinterfactory) April 13, 2023
Bilhete de identidade: quem é e o que faz Jack Teixeira?
Jack Douglas Teixeira é um lusodescendente de segunda geração. Tem 21 anos, nasceu em dezembro de 2001 e passou a infância na cidade norte-americana de Dighton, estado de Massachusetts, estado onde vivem imensos portugueses. A mãe chama-se Dawn Dufault (antes Teixeira) e tem uma irmã.
Não se sabe o nome do pai: sabe-se apenas que os pais de Jack se divorciaram quando ele era criança, especifica o The New York Times. Os avós paternos são açorianos, muito provavelmente de São Miguel. Jack não tem dupla nacionalidade, nem está inscrito no consulado. Vive na casa de família, que pertence à mãe, proprietária da florista Bayberry Farm & Flower Co. Têm dois cães.
A lusodescendência de Jack Texeira e algumas das informações relativas à sua família foram recolhidas nas últimas horas por Francisco Viveiros, presidente da Casa dos Açores da Nova Inglaterra. Viveiros esteve fora dos Estados Unidos, mas regressou a Fall River na quarta-feira e, surpreendido pelos rumores em torno de Jack Teixeira e o seu envolvimento neste caso, perguntou à comunidade portuguesa que informações tinha sobre a família Teixeira.
De acordo com Luís Costa Ribas, correspondente da CNN Portugal nos Estados Unidos, a família Teixeira era reservada, de classe média e não tinha contacto com a restante comunidade portuguesa, tanto que não pertencia Ao Clube dos Açores de Fall River.
Um amigo de 17 anos, estudante no ensino secundário, descreveu-o ao The New York Times e ao Bellingcat como um “cristão ortodoxo” e “anti-guerra” que gostava de música, videojogos sobre luta e guerra e do youtuber Oxide, que publica conteúdos sobre armas. Costumava partilhar imagens em que surge fardado e armado. É fã dos Boston Celtics na NBA e de automóveis todo-o-terreno. Não teria pretensões de ser um “denunciante”, como o foi Chelsea Manning (antes Bradley Edward Manning).
Entrou na tropa depois de completar o 12.º ano e não foi à cerimónia de formatura porque já estava em treinos. Entrou na 102ª Ala de Informação da Guarda Aérea Nacional, uma força de reserva militar federal da Força Aérea dos Estados Unidos, em outubro de 2021.
É militar, mas de baixa patente, e foi promovido a “Airman First Class” (em português, aviador de primeira classe) em julho do ano passado, como comprova uma publicação da Guarda Aérea Nacional efetuada nessa altura — e que, esta quinta-feira, soma cada vez mais comentários críticos contra Jack. Trabalhava na Base da Guarda Aérea Nacional Otis, que fica no interior da Base Conjunta de Cape Cod, em Barnstable County, Massachusetts. Nos últimos tempos, fazia sobretudo os turnos noturnos.
Jack Douglas Teixeira foi detido pelo FBI esta quinta-feira à porta da casa de infância em Dighton, suspeito de distribuir informação altamente sensível sobre a Defesa norte-americana. Terá sido ele quem obteve os documentos secretos que revelam detalhes importantes sobre a evolução da guerra na Ucrânia, mas também outros aspetos da política internacional dos EUA. Há dois dias que seria vigiado antes da detenção, mas, mesmo assim, o New York Times chegou primeiro que as autoridades às informações sobre a sua identidade.
Jack Teixeira, the 21-year-old who leaked top secret information on a discord server.
My question is how did a kid who just turned 21 get ahold of all that top secret information on Ukraine.
Something smells fishy about this.pic.twitter.com/z3q3p0RuFe— Isreal Perez (@IsrealPerez8) April 13, 2023
A ‘persona’ online de Jack Teixeira
Jack Teixeira era o fundador e líder de um grupo privado chamado “Thug Shaker Central” na rede social Discord, onde muitos jovens trocam informações sobre jogos. O grupo nasceu nos primeiros períodos de isolamento da pandemia de Covid-19 e tinha entre 20 e 30 participantes, todos do sexo masculino e adolescentes — Jack era o mais velho — com um gosto em comum por armas e videojogos. Um conteúdo partilhado amiúde entre eles são memes, paródias que se espalham pela internet, com conteúdos racistas.
No mundo online, e entre os amigos que fez no tal grupo, Jack Teixeira era conhecido com “O.G.”, um jargão que classifica algo ou alguém que dá origem a alguma coisa — e que, por isso mesmo, é altamente respeitado. Há alguns meses (não é claro quantos, mas possivelmente já desde o ano passado), começou a enviar centenas de imagens aos restantes membros do grupo e a alertá-los para a importância de estarem atentos aos grandes eventos do mundo. Não tomou partido, indicam alguns amigos de Jack Teixeira entrevistados pelo The New York Times: o conteúdo tinha um fundo “informativo”.
Eram imagens de documentos confidenciais das autoridades dos Estados Unidos, quase todos com informações sensíveis, classificadas como “Top Secret” relativas à guerra na Ucrânia — incluindo detalhes sobre o envio de armamento para Kiev, os investimentos em munições, as principais carências da Defesa ucraniana, mapas com as frentes de guerra, a localização das unidades militares russas e ucranianas, a dimensão dessas equipas e até considerações sobre o estado de saúde de Vladimir Putin.
Os documentos mais recentes tinham sido criados em março, mas alguns já eram de janeiro. Os primeiros foram publicados no grupo “Thug Shaker Central”, provavelmente desde meados de janeiro. Trinta foram publicados entre os dias 1 e 2 de março no grupo “WowMao”, um grupo no Discord dedicado a um youtuber filipino com aquele mesmo nome. Dez foram publicados a 4 de março no grupo “Minecraft Earth Map”, que juntava fãs daquele jogo.
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Ou seja, alguns relatórios terão surgido não só no grupo criado por Jack Teixeira, mas também noutros círculos da mesma rede social, apurou uma investigação do Bellingcat. Quando chegaram a outras redes sociais, e de acordo com as informações prestadas pela mãe de Jack Teixeira ao The New York Times, o militar de 21 anos mudou de número de telemóvel recentemente. Os canais do Discord em que os documentos foram partilhados também foram eliminados da rede social.
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O The New York Times, que denunciou a identidade de Jack Teixeira ainda antes de o FBI o ter detido esta quinta-feira, conseguiu apontar o dedo a Jack Teixeira porque alguns dos objetos que surgem nas fotografias tiradas aos documentos secretos são iguais às que aparecem em imagens captadas no interior da casa de infância do militar, partilhadas por membros da sua família nas redes sociais. Os amigos do Discord nunca aceitaram revelar quem era “O.G.”.
Alguns objetos repetem-se em várias imagens, sugerindo que os documentos foram fotografados na mesma localização — uma caixa com uma mira para armas e cola. O mármore utilizado no balcão de cozinha e os azulejos do chão que surgem nas imagens também aparecem nas fotografias que a família de Jack Texeira lhe tirava quando estava em casa. E que depois eram publicadas nas redes sociais, sobretudo pela irmã. Em baixo pode ver uma imagem da página oficial do negócio de flores da mãe de Jack em que o jovem de 21 anos é homenageado (com balões) quando regressou a casa depois de completar a formação.
Apesar de estar no fundo da hierarquia militar e de ter apenas 21 anos (a idade legal para entrar em discotecas ou consumir bebidas alcoólicas), Jack Teixeira podia ter acesso a esses documentos através da base em que trabalhava. Bastava, para isso, que algum oficial norte-americano tivesse recebido aquelas informações em emails com os pontos de situação diários da guerra na Ucrânia e os tivesse encaminhado para as patentes menos elevadas. A tese das autoridades é que Jack, impedido de utilizar o telemóvel na ala em que trabalhava, levava os documentos para casa e devolvia-os depois de os fotografar.
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O caminho da informação, do Discord para o resto do mundo
Jack Teixeira terá perdido o controlo da rota da informação quando algumas das imagens foram guardadas por um membro do grupo, depois publicadas em fóruns públicos — nomeadamente o site 4Chan —, daí encaminhadas para canais russos do Telegram e murais no Twitter e, por fim, analisadas pela comunicação social.
De acordo com o site Bellingcat, a informação foi primeiramente publicada no 4Chan às 16h33 de Lisboa no grupo “Politically Incorrect” (em português, “Politicamente Incorreto”). Um utilizador anónimo, que tinha a identificação CXWfLHRB, partilhou oito mensagens sobre estes documentos — mas só três tinham imagens. O aspeto das fotografias é semelhante ao das que tinham sido colocadas no Discord, mas a informação era diferente.
Os documentos chegaram às contas pró-Rússia no Telegram poucas horas depois, às 19h29 de Lisboa a 5 de abril, através do grupo “Donbass Devushka”. A única imagem em comum entre as publicações colocadas horas antes no 4Chan e as efetuadas no Telegram era um mapa das frentes de guerra com o número de soldados mortos em combate.
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Mas os números eram diferentes: no 4Chan, contabilizavam-se mais mortes do lado russo; no Telegram, havia mais baixas no lado ucraniano, nota o Bellingcat. As imagens tinham sido manipuladas: originalmente, os documentos mostravam que efetivamente tinham morrido mais soldados russos do que soldados ucranianos desde o início da guerra. Mas mesmo as fotografias que davam, de facto, mais vantagem à Ucrânia, exageravam nas baixas russas.
As últimas horas de Jack Teixeira antes da detenção
Numa primeira entrevista, a mãe de Jack Teixeira confirmou ao jornal norte-americano que o filho trabalhava como militar na base de Cape Cod e que tinha mudado de número de telefone. Um homem, cuja identidade não é conhecida nem se sabe que tipo de relação tem com Jack, estava na companhia de Dawn, mas não interviu nesse primeiro momento.
Pouco depois da conversa entre Dawn e os repórteres, “O.G.” chegou à casa de família numa carrinha vermelha. Os jornalistas aproximaram-se novamente da casa, já o militar estava no interior da casa, e perguntaram à mãe e ao homem com quem ela estava se Jack Teixeira estava disponível para falar. Desta vez, o homem respondeu: “Ele precisa de um advogado se as coisas estão a fluir da forma como estão. Os agentes federais estarão por perto em breve, tenho a certeza”, cita o The New York Times. Não demoraram de facto a chegar, fortemente armados, para o deter. Será ouvido pelas autoridades nos próximos dias.
[Já saiu: pode ouvir aqui o quinto episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. E ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio, aqui o terceiro episódio e aqui o quarto episódio. É a história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África.]