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Kamala Harris num comício em Savannah, na Geórgia, no mesmo dia da entrevista à CNN

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Kamala Harris num comício em Savannah, na Geórgia, no mesmo dia da entrevista à CNN

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A primeira entrevista de Kamala Harris, onde a candidata tentou provar que os seus valores "não mudaram"

Em entrevista, Kamala tentou o difícil equilíbrio de se aproximar do centro sem renegar o passado. Defendeu o Presidente e tentou apresentar uma administração Biden 2.0. E quase não falou de Trump.

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“Acredito que sou a melhor pessoa para este cargo neste momento.” A frase foi dita quase no final da entrevista, mas resume bem o que Kamala Harris tentou fazer na sua primeira entrevista desde que foi nomeada candidata do Partido Democrata à presidência dos Estados Unidos da América: o “neste momento” ilustra o ligeiro distanciamento face a Joe Biden, que se afastou da corrida depois da pressão interna na sequência de um debate desastroso que evidenciou as críticas sobre a sua idade; o “melhor pessoa” serve para tentar sublinhar o contraste com Donald Trump.

Mas uma entrevista é sempre uma entrevista e o entrevistado não consegue controlar todo o curso dela. Grande parte da conversa com Dana Bash, da CNN, não foi usada para Harris se distanciar de Biden  — pelo contrário, pareceu assumir grande parte das bandeiras da anterior administração, elogiando amplamente a “Bidenomics” pós-Covid (política económica da administração) e apresentando quase só uma atualização da mesma em termos de imagem. Ao mesmo tempo, não teve grande espaço para atacar Trump, como o fez no seu discurso na Convenção Democrata.

Em vez disso, na conversa emitida esta quinta-feira nos EUA (madrugada em Portugal), Kamala Harris aproveitou o momento para tentar explicar aos norte-americanos uma ideia que já tinha tentado introduzir nesse mesmo discurso: a de que é uma candidata do centro, distante da imagem de “marxista radical” que o adversário repetidamente lhe tenta colar, ao mesmo tempo que tentava provar que não está a dobrar a coluna nesse processo: “Os meus valores mantêm-se”, repetiu mais do que uma vez.

Fracking, imigração e um republicano no governo. Como Kamala Harris está a fazer a guinada para o centro

O primeiro tópico difícil neste exercício de equilibrismo surgiu quando a jornalista lhe colocou uma pergunta sobre a questão do fracking, a forma de extração de petróleo e gás através de fraturação hidráulica sobre formações rochosas, associada a uma economia de combustíveis fósseis que pode criar outro tipo de problemas ambientais e que é amplamente praticada em estados-chave nestas eleições como a Pensilvânia.

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Em 2019, durante a sua campanha nas primárias, Harris afirmou que era completamente contra esta prática de extração e que, se fosse eleita Presidente, começaria a trabalhar nesse sentido logo no primeiro dia na Casa Branca. Agora, perante Dana Bash, teve uma posição totalmente diferente: “Como Presidente, não irei proibir o fracking, garantiu.

Como explicar então essa mudança? Kamala Harris invocou a sua experiência na vice-presidência e o confronto com a realidade: “Os meus valores não mudaram”, disse, a primeira de várias vezes. “Quero investir numa economia de energia limpa. Mas podemos fazê-lo sem proibir o fracking“, assegurou. “Sou muito clara nisso”, acrescentou ainda, tentando explicar que o seu objetivo é atingir determinados níveis de redução de emissão de gases poluentes e que isso pode ser alcançado sem proibir aquela prática.

Foi um exercício de equilibrismo que se estendeu ao tópico da imigração. Durante as primárias de 2020, Kamala Harris criticou diretamente a Força Alfandegária e de Imigração (ICE na sigla original), responsável pelo controlo nas fronteiras, dizendo que considerava necessário “examinar criticamente” o papel daquela agência, já que “há muito de errado na forma como se comporta”.

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Kamala Harris numa visita à fronteira sul com o México, a falar com guardas fronteiriços, em 2021

Bloomberg via Getty Images

Agora, quatro anos depois, a candidata democrata à presidência trouxe uma mensagem totalmente diferente. Ecoando o que já havia afirmado na Convenção do partido, recordou que a administração Biden (num trabalho onde, enquanto vice-presidente, se envolveu diretamente) trabalhou com congressistas dos dois principais partidos numa proposta para lidar com a questão da fronteira que reuniu apoio de “membros [do Congresso] muito conservadores” e dos próprios “agentes da ICE”. Foi uma abertura para poder criticar Donald Trump: “Donald Trump ouviu falar disso e, como achou que isso o ia prejudicar politicamente, disse aos congressistas dele para chumbarem a proposta.”

Daí para a frente, o discurso da candidata sobre a fronteira foi em tudo diferente do do que manteve enquanto senadora, entre 2017 e 2021. Notou que a proposta apresentada ajudaria as famílias que sofrem com problemas de toxicodependência, nomeadamente com a droga fentanil (ecoando uma ideia da campanha do próprio Trump, de que a crise de opióides do país está intrinsecamente ligada ao tráfico através de migrantes ilegais). Disse reconhecer que “existe um problema” de segurança ligado à fronteira. E mostrou-se intransigente quanto à imigração ilegal: “Acredito que temos leis que têm de ser seguidas e aplicadas às pessoas que atravessam a nossa fronteira de forma ilegal.”

Por outro lado, como já havia notado em 2020 um dos fundadores da própria associação GovCheck, Josh Tauberer, à CNN, o passado de Kamala antes de ser senadora tinha uma inclinação mais moderada do que aquela que demonstrou de 2017 em diante. "Falta perceber que parte da sua carreira — as suas ações como procuradora e como procuradora-geral ou as suas propostas políticas no Congresso — se refletirá mais."

Para sustentar isso, foi atrás no seu passado como procuradora-geral, tentando provar que havia uma outra vida antes da campanha de 2020 — o subtexto era o de que talvez essa campanha tenha contido propostas mais à esquerda do que aquelas que verdadeiramente defende. “Os meus valores não mudaram”, voltou a dizer Kamala. “Defendo métricas para a emissão de gases poluentes. Defendo que se acuse judicialmente quem faz entrar armas e drogas ilegalmente através da nossa fronteira. Os meus valores não mudaram.

É um exercício difícil. Em parte pelas posições que a própria assumiu durante a sua candidatura à presidência nas primárias democratas de 2020 (onde perdeu para Joe Biden); em parte pelo seu passado como congressista — em 2020, a associação GovTrack chegou mesmo a classificá-la como estando na ala “mais à esquerda” do partido no Congresso e como tendo sido das senadoras que menos fez propostas de lei bipartidárias.

Por outro lado, como já havia notado em 2020 um dos fundadores da própria associação, Josh Tauberer, à CNN, o passado de Kamala antes de ser senadora tinha uma inclinação mais moderada do que aquela que demonstrou de 2017 em diante. “Falta perceber que parte da sua carreira — as suas ações como procuradora e como procuradora-geral ou as suas propostas políticas no Congresso — se refletirá mais numa administração Biden”, disse à altura o analista, a propósito da escolha de Harris para a vice-presidência. Quatro anos depois, com a dificuldade de se fazer ouvir num cargo que é por natureza mais discreto, a dúvida aplica-se agora para uma futura Kamala Presidente.

Não há dúvidas, contudo, que Kamala candidata quer bater na tecla da moderação e da aproximação ao centro, para tentar colar Trump a um radicalismo deslocado do historial do Partido Republicano. Questionada sobre se equacionaria convidar um republicano para o seu governo, caso seja eleita, Harris foi rápida: “Sim, convidaria”, disse sem hesitar, mantendo o tom dado na Convenção, que contou com um discurso do congressista Adam Kizinger, conhecido pelas suas posições conservadoras, mas críticas de Trump.

Quando se seguiu a pergunta “Quem?”, a candidata não foi tão longe, dizendo que isso seria por “o carro à frente dos bois”. Mas, uma vez mais, Kamala Harris aproveitou para mostrar que não quer ser a candidata da divisão: “Quando se tomam as decisões mais importantes, creio que é importante ter à mesa pessoas que têm outras perspetivas e experiências diferentes. E creio que seria benéfico para o povo americano que um membro do meu governo fosse um republicano”.

Tim Walz, o apagado candidato a vice que mostrou a sua inexperiência

O resto da entrevista contou com duas pequenas intervenções do candidato a vice-presidente, Tim Walz, que esteve longe de conseguir brilhar. Limitou-se a expressar orgulho pelo filho, depois da reação desta na Convenção que se tornou viral; e a justificar algumas polémicas que o têm envolvido, nomeadamente as afirmações de que teria tido experiência de combate como membro da Guarda Nacional e que a sua família recorreu a fertilização in vitro. 

Ao longo dos últimos dias, à medida que Walz se tornou uma figura mais reconhecida a nível nacional, os jornalistas descobriram que afinal não terá sido exatamente assim nos dois casos: Walz fez parte da Guarda Nacional durante 24 anos, mas não esteve em nenhum cenário de guerra; e passou por problemas de fertilidade com a mulher, mas a sua filha Hope não foi concebida através de fertilização in vitro, mas sim por inseminação intrauterina.

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O candidato à vice-presidência Tim Walz voltou a apostar na imagem de "homem terra-a-terra"

AFP via Getty Images

Polémicas que Walz tentou justificar pela sua “candura”, dizendo que tem “as emoções à flor da pele” — quando podem também ser entendidas como falta de experiência do governador do Minnesota tornado candidato à vice-presidência, que não está habituado ao duro escrutínio a nível nacional. O vice-presidente recordou o seu historial como “homem comum”, tentando explicar que as referências a ter servido em combate tinham como objetivo ilustrar que armas de guerra não devem estar disponíveis a cidadãos comuns para evitar “os tiroteios nas escolas”. E quanto à questão da infertilidade definiu-a como “um inferno”, tentando desvalorizar qual o método utilizado.

“Sou um homem que vive abertamente. Os meus alunos falam por mim. Assumo os meus erros quando os cometo”, disse, num reconhecimento implícito de que pode ter errado. Mas Walz tentou tirar o foco de si e virá-lo para os adversários Donald Trump e J.D. Vance: “Quer na questão do aborto, quer nos tiroteios das escolas, perdoem-me por falar francamente. Mas acho que isso é um contraste com o outro lado”, atirou.

A herança de Biden vai para lá da gratidão. O programa de Kamala que é uma versão 2.0 da administração anterior

De regresso a Kamala Harris, já que a aparição de Walz foi breve: grande parte da entrevista foi também, de certa forma, uma tentativa da vice-presidente se afirmar como a candidata da continuidade. O que não surpreende já que as sondagens mostram que o principal problema da candidatura de Joe Biden estava menos ligada às suas políticas e mais à sua imagem pública como candidato.

Isso foi evidente em dois tópicos. O primeiro foi a questão da economia, com Harris a colocar logo como prioridade o “apoio e reforço à classe média”. “Quando Joe Biden e eu assumimos a pasta, estávamos no pico de uma pandemia. Tinham-se perdido dezenas de milhares de empregos, muitos deles por causa da má gestão de Trump”, disse. Desde então, “a América recuperou mais depressa do que qualquer outro país”, acrescentou.

Significa isso que a Bidenomics foi um sucesso que não precisa de mudanças? Perante essa pergunta, Harris apontou medidas concretas como a criação de um teto para os custos de medicação para idosos e o aumento do número de empregos na área da indústria, classificando-as como “um bom trabalho”. Para logo a seguir mostrar que, porém, está pronta para trazer a versão 2.0 dessa receita: “Há mais a fazer, mas foi um bom trabalho.”

Questionada sobre a questão do conflito israelo-palestiniano, a candidata não se alongou muito, mas repetiu exatamente a mesma ideia que tinha afirmado na convenção: “Compromisso inequívoco e inabalável com o direito de Israel a defender-se”, ao mesmo tempo que nota “os muitos palestinianos inocentes que têm sido mortos”. “Precisamos de conseguir um acordo.”

O que fará então em concreto a candidata, que tem anunciado algumas medidas avulso na área económica, mas ainda não apresentou um programa próprio? “Baixar o preço dos bens de consumo diário, investir nas empresas e nas famílias, aplicar uma redução de impostos a quem tem filhos”, começou por enumerar a candidata. E repetiu várias vezes uma das medidas que tem tentado tornar uma das suas principais bandeiras: medidas para a habitação, prometendo um apoio de 25 mil dólares aos cidadãos na compra da sua primeira habitação, “para que possam conseguir pagar a entrada de uma casa e realizar esse sonho”.

Mas não foi apenas na economia que Kamala Harris se manteve próxima de Biden. Questionada sobre a questão do conflito israelo-palestiniano, a candidata não se alongou muito, mas repetiu exatamente a mesma ideia que tinha afirmado na convenção: “Compromisso inequívoco e inabalável com o direito de Israel a defender-se”, ao mesmo tempo que nota “os muitos palestinianos inocentes que têm sido mortos”. “Precisamos de conseguir um acordo”, disse mais do que uma vez. “Retirar os reféns e conseguir um cessar-fogo”, enumerou. Para de seguida, acrescentou — indo um passo mais longe do que Biden tem ido — “conseguir trabalhar para uma solução de dois Estados, em que Israel está seguro e os palestinianos têm direito à auto-determinação, segurança e dignidade“.

Com ligeiras nuances, a proposta de Kamala Harris parece ser a de seguir a receita de Joe Biden que resultou em 2020 contra Donald Trump, mais ao centro do que muitos esperariam dela. E, talvez também por isso, a candidata não poupou nos elogios ao ainda Presidente. “Não tenho nenhum arrependimento por o ter defendido”, disse, sobre o facto de publicamente ter sempre afirmado que ele estava capaz de ser candidato.

A proximidade foi ainda sublinhada quando a candidata revelou o momento em que recebeu o telefonema de Biden a anunciar a sua desistência da corrida. “Perguntei-lhe ‘Tens a certeza?’ e ele respondeu-me que sim”, contou. O Presidente, garante, deixou logo claro que a iria apoiar como candidata no seu lugar. “Mas o meu primeiro pensamento não foi sobre mim, foi sobre ele, estou a ser honesta”, fez questão de acrescentar. “Acho que a História vai revelar muitas das suas coisas boas”, destacando a “inteligência” e “lealdade ao povo americano”. “Um líder é medido por aqueles que puxa para cima”, acrescentou, em contraste com “os que acham que ser líder é empurrar os outros para baixo”.

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A proximidade a Joe Biden, quer pessoal, quer em termos de ideias políticas, foi uma constante da entrevista

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Foi uma das poucas oportunidades em toda a entrevista em que Kamala Harris aproveitou para atacar diretamente Donald Trump. A estratégia, neste momento, era a de se apresentar como candidata e tentar manter o tal difícil exercício de equilibrismo de provar que está ao centro, sem ter mudado de ideias face ao passado. E de se apresentar, sobretudo, como uma figura calorosa. Tal como na Convenção, onde Harris sublinhou as ideias de “alegria” e “esperança”, enquanto os maiores ataques ao trumpismo vieram de figuras como os Obama e Bill Clinton.

Quando a jornalista da CNN lhe perguntou sobre as acusações de Trump de que estaria a tentar fazer-se “passar por negra” (a candidata é filha de uma indiana e de um jamaicano) para ganhar pontos junto da comunidade afro-americana, Kamala Harris pareceu resgatar o antigo conselho de Michelle Obama de when they go low, we go high (uma expressão com a ideia de “quando eles jogam baixo, nós elevamos o nível”): “É sempre a mesma cartilha velha e gasta. Próxima pergunta, por favor.”

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