O economista Abel Mateus não poupa nas palavras para descrever a atual situação económica de Portugal: crescimento anémico face à conjuntura, carga fiscal e contribuições para a Segurança Social em valores recorde, uma trajetória de redução da dívida pública que não convence. Isto num Estado que avalia muito pouco a eficiência e a eficácia dos seus serviços, o que o leva — de forma cega — a exigir cada vez mais impostos por parte dos cidadãos.
Em entrevista ao Observador, o antigo administrador do Banco de Portugal e ex-presidente da Autoridade da Concorrência, abordou os principais pontos de um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos que coordenou ao longo dos últimos quatro anos, sobre a política orçamental, o funcionamento e eficiência do Estado — na Saúde, na Educação — a estabilização da economia ou a sustentabilidade da dívida pública. E o cenário não é bom, diz.
Duas décadas, a caminho de três, de estagnação; um período de ajuda externa em que se aumentou mais impostos do que se cortou na despesa; uma conjuntura atual favorável desbaratada em medidas avulsas para satisfazer pressões sociais, com um alcance curto. Uma sucessão de oportunidades perdidas que nos trazem ao atual momento: Portugal está pouco preparado para a próxima recessão que aí vem. E vem mesmo, só não se sabe quando.
Escreve no estudo “Orçamento, economia e democracia: Uma proposta de arquitetura institucional” que a eficiência da despesa pública tem sido menosprezada na agenda política. O período de ajuda externa trouxe ou não um olhar mais atento à forma como o Estado gasta o dinheiro?
Penso que não. A única forma que Portugal tem para sair deste problema — o trade off que existe entre défice orçamental, as pressões sociais para aumentar a despesa e o elevado nível de impostos — é aumentar a eficiência da despesa pública. O que implica uma gestão adequada dos diferentes setores de produção dos bens públicos, das transferências, e outros. Infelizmente continuamos a discutir os 0,1, 0,2 por cento do défice, enquanto ao mesmo tempo a despesa pública representa cerca de 40 por cento do PIB. Portanto, isso e a elevada carga de impostos é que deveriam ser as grandes preocupações do cidadão. E de quem é eleito para o representar… Penso que no sistema político português há um enviesamento muito grande para défices excessivos.
Mas, mais cedo ou mais tarde, alguém vai ter de pagar…
Sim, o contribuinte. Não houve preocupação pela eficiência, nem por défices de baixo nível. Uma função importante da política orçamental é estabilizar a economia através de um aumento do défice quando estamos em recessão e do excedente quando estamos em expansão. Ora, em Portugal não se seguiu essa política anticíclica, antes pelo contrário. A média dos défices ao longo das últimas duas décadas e meia foi de 5% do PIB. Portanto, fomos dos países que maiores défices atingiram a nível da UE e nunca respeitamos, até 2017, o Pacto de Estabilidade. Portanto a dívida acabou por explodir. A dívida pública, e isso as pessoas ainda não perceberam, representa um ónus sobre as gerações futuras. Porque alguém vai ter de a pagar. É precisamente quando há dúvidas sobre se o país tem ou não capacidade de pagar a dívida que se perde acesso aos mercados financeiros internacionais. Mas, mais do que isso, sabemos que uma dívida mais elevada vai implicar necessidade de impostos mais altos no futuro, para que as próximas gerações possam pagar.
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O estudo “Orçamento, economia e democracia: Uma proposta de arquitetura institucional” é um trabalho desenvolvido ao longo de quatro anos pelos professores universitários André Azevedo Alves, Catarina Leão, Francesco Franco, José Tavares e Rita Calçada Pires, sob a coordenação de Abel Mateus.
Ao longo de quase 2.000 páginas — entre corpo principal e anexos — o trabalho, patrocinado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, aborda a Política Orçamental no período de 1995 a 2017, nas vertentes da estabilização da economia, da sustentabilidade da dívida, da equidade e eficiência do Estado, do processo orçamental e orçamento do cidadão, bem como do controlo democrático e júris-constitucional. Foi publicado no passado mês de outubro, por ocasião da apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2019.
Tendo em conta que defende políticas anticíclicas, que medidas deveriam ter sido adotadas nos anos da troika e nos anos seguintes?
O programa de ajustamento da economia de 2011 a 2014 foi de certa forma desequilibrado — as decisões do Tribunal Constitucional também tiveram impacto — porque houve mais um aumento de impostos do que redução da despesa. Infelizmente, o que estamos a verificar no período pós-crise, de recuperação, é que os impostos, a carga fiscal não se reduziu e a despesa corrente — está estagnada — mas não houve nenhuma reforma significativa para aumentar a sua eficiência. A carga fiscal em Portugal, mais segurança social, subiu de 36% em 1993 para 43,8% em 2017. O problema é que o aumento da carga fiscal tem consequências para a economia. Quando se introduz um imposto na economia ele tem efeito sobre os incentivos dos agentes económicos, na propensão para trabalhar, para poupar, para investir, tudo isso. Portanto, são efeitos distorcionários sobre a economia. Esses efeitos sobre o crescimento económico são maiores se há ineficiência no setor público, porque este, assim, utiliza recursos retirados de outros setores onde este indicador é melhor.
Atual legislatura não fez melhorias estruturais no orçamento. Tudo o resto são soundbytes
Como avalia a prestação deste governo no que diz respeito às medidas económicas, à luz daquilo que propõe?
A única coisa que se fez nesta legislatura foi uma redução do défice nominal, que foi conseguido pelo aumento dos impostos e pela melhoria da conjuntura. É que o défice primário estrutural — e isto são números dos próprios relatórios do Orçamento — está a um nível semelhante ao de 2015. Portanto, houve qualquer melhoria estrutural no orçamento. Quer dizer que metade da redução do défice nominal deveu-se à redução dos juros (1,5%) e a outra metade à melhoria da conjuntura, com a redução dos subsídios de desemprego, aumento da coleta de impostos porque o nível de atividade aumentou, etc. Por outro lado, houve várias medidas discricionárias que levaram ao aumento de um ponto percentual na despesa corrente, que foi compensada por uma redução de um ponto percentual nas despesas de investimento. Ou seja, houve uma redução de alguns impostos para repor situações (contribuição extraordinária, IVA, etc) e depois houve aumentos de outros impostos que praticamente compensaram a redução. Não houve redução da carga fiscal. Este conjunto de medidas é que conta. Tudo o resto são soundbytes, de certa maneira.
Quais são as consequências das políticas que estão a ser seguidas, na sua opinião?
Estamos a afastar-nos em termos de rendimento, de nível de vida no país, em relação aos outros países europeus. É impressionante como nos contentamos com taxas de crescimento do PIB de 1,5%. Para mim, que vivi muitos anos com taxas de crescimento de 3 e 4%, faz-me impressão como se aceita, como estamos satisfeitos, com taxas de crescimento projetadas nos próximos anos de 1,5%. Para podermos adotar uma política consentânea com a redução da dívida, com a estabilização da economia, temos de gerar excedentes no período de expansão e ter défices apenas nos períodos de recessão. Isto significa, em termos muito simples, que atualmente estando o PIB acima do PIB potencial — cerca de 1,7%, segundo os cálculos da Comissão Europeia — já deveríamos estar a gerar um excedente a caminho de 1% do PIB.
Ou seja, deveríamos estar a preparar terreno para resistir a uma próxima crise.
Precisamente. Para termos possibilidade de, na próxima recessão, — que não sabemos exatamente quando, mas virá — podermos ter um défice de 2% ou 2,5%, se não houver situações de grandes quebras do produto. Ou seja, deveríamos deixar atuar o que os especialistas chamam de estabilizadores automáticos. E a resolver o problema da dívida, que está por volta dos 126% do PIB, e que tem de ser reduzida. A única razão pela qual as agências de notação melhoraram o rating do país foi porque disseram que atualmente estamos numa trajetória decrescente de rácio de dívida face ao PIB. Se mantivermos, não voltamos à situação anterior. Mas a grande questão é: qual é o ritmo de decréscimo da dívida que é aceitável. Penso que os 3 pontos percentuais de redução anuais — o que se verifica atualmente — é um ritmo apropriado. O que significa que por volta de 2030 estaríamos entre os 90 e os 100%, dependendo, claro, das taxas de juro e da evolução do PIB nominal.
Que nível de dívida é que conseguimos gerir de forma sustentada? Isto considerando que os tratados europeus apontam para um limite de 60%.
Sei que alguns economistas não concordarão comigo, mas pelos diferentes estudos teóricos e pelas recomendações do FMI, bastante concordantes com esses estudos, considero que um limiar entre os 80 e os 90% deixa-nos a resguardo de perder o acesso aos mercados internacionais. O que significaria de que teríamos de continuar com um excedente primário da ordem de 3% do PIB, que é o que temos assegurado desde 2015. No entanto, e esta é que é a minha preocupação, é que existem grandes pressões sociais para aumentar a despesa. E é necessário também aumentar o investimento, porque há uma deterioração das estruturas a nível hospitalar, precisamos de melhorar as estruturas ferroviárias. Há um conjunto de investimentos, e a própria manutenção desses equipamentos, exige um aumento do investimento público. Mas para aumentar o investimento público, por exemplo um ponto percentual: se o formos buscar e quisermos reduzir a carga fiscal em dois pontos, já estamos em três pontos percentuais que temos de ir buscar à despesa corrente. Ora os juros estão em mínimos históricos, o que quer dizer que vai ter de ser a despesa primária corrente que vai ter de responder.
E 2019 será um ano em que haverá mais pressões para aumentar a despesa.
Do lado social há pressão para retomar a progressão nas carreiras, para aumentos de salários em todos os setores, aumento de salário mínimo, pressão para aumentar as pensões mínimas, etc. Por exemplo, a reintrodução das promoções e progressões na carreira, no sistema que existia antes da crise, vai fazer subir a massa salarial de cerca de 1,2 a 1,5% ao ano, automaticamente, mesmo antes de se considerar o aumento dos salários. E portanto, isto quer dizer que se não houver uma reforma mais profunda numa série de setores e não houver um apelo a um contributo por parte do setor privado e social não é possível satisfazer essas pressões sociais, ao mesmo tempo que temos os outros objetivos.
Somando uma coisa à outra, significa que este cenário de redução da dívida pode não ser realista?
Diria que tem de ser. Porque não temos margem de manobra. Eu vejo quase como inevitável que os governos caminhem no sentido de melhorar a eficiência da despesa. Cativações? Ou cortes cegos? Como se fez no programa de austeridade, across the board? Ou 5% de corte em todos os salários? Isso não são medidas sustentáveis no médio longo prazo, são medidas cegas, que não permitem dar mais dinheiro a setores com maior necessidade e que sejam mais eficientes e reduzir a ineficiência em departamentos em que ela existe.
As cativações dos últimos anos, a juntar ao cenário nos serviços públicos, não criaram uma pressão muito maior para aumentar a despesa e o investimento? E como é possível, aumentando a carga fiscal?
Não pode. O primeiro problema é que a economia cresce muito pouco — 1,5% que se prevê no médio/longo prazo — ainda por cima temos o problema do envelhecimento da população. Essas legítimas aspirações só poderão, realisticamente, ser satisfeitas se a economia crescer mais. Estamos aqui é num dilema: para obter maior crescimento no médio/longo prazo é preciso fazer sacrifícios no curto e no médio prazo. E como temos governos que, em geral, trabalham a quatro anos e têm programas eleitorais e visões a curto prazo, ninguém está disposto. Não é possível, sem se fazerem reformas mais profundas, que se criem essas condições para melhor satisfazer as aspirações da população.
Uma das ferramentas que propõe para combater a falta de eficiência é uma gestão por resultados. A que se refere? Isto não abre caminho à responsabilização penal da má gestão dos governantes?
Qualquer gestor na sua empresa gere a empresa com objetivos concretos. Por exemplo, se eu for uma pessoa responsável pelas vendas da empresa, em geral tenho objetivos a cumprir, trimestrais, mensais, ou o que seja, para as minhas vendas. Da mesma forma, no Estado deve haver uma gestão por objetivos, que são a satisfação das necessidades públicas. Por exemplo, um médico numa unidade de cuidados cirúrgicos: o que me interessa é fazer um certo número de intervenções — o número que faço também é importante — e a qualidade o sucesso que obtenho nessas mesmas intervenções. Se sou um professor universitário, quero que os meus alunos tenham os melhores resultados possíveis. Quando eu era professor universitário era avaliado por um inquérito feito pelos alunos e gostava quando tinha uma boa apreciação, em termos da dedicação que lhes dava, dos conhecimentos que eles adquiriam. Mas, além disso, há critérios objetivos que um gestor, um departamento do Estado ou um ministro deveria ter para avaliar a sua performance. E os dinheiros deveriam ser distribuídos de acordo com as necessidades e com a performance desses departamentos, não de uma maneira cega ou de uma forma em que se repetem os orçamentos de ano para ano, e apenas se faz um ajustamento marginal, sem se atender aos verdadeiros objetivos de cada departamento.
Seria difícil fazê-lo com um ministro das Finanças, se essa avaliação depender menos do controlo da despesa do que o comportamento da economia, que tem mais influência externa.
Mas repare, se for com um ministro da Educação… é o responsável pelo ensino básico, primário e secundário e há um conjunto de indicadores que pode avaliar a sua performance. Por exemplo, qual é o número de diplomados — é evidente que isto tem a ver com um determinado horizonte temporal — que estão a sair do Ensino? Qual é a redução que obtenho dos abandonos do sistema escolar? Qual é a performance dos alunos nos testes nacionais e internacionais? Mas isso são resultados. Um conceito mais importante para um economista é a eficiência: comparar os resultados com os meios que se tem. E portanto, esta noção de produtividade e de eficiência não existe no Estado em Portugal. É o que mais nos falta: a relação entre os outputs e os inputs (saídas e entradas). Mas por outro lado, é a eficácia da atuação dos diferentes serviços públicos. Estamos cerca de 15 a 20 atrasados na introdução dos modernos métodos de gestão pública. É preciso uma revolução nestes métodos e técnicas para nos alinharmos com os países mais evoluídos, como os nórdicos e anglo-saxões. A Lei de Enquadramento Orçamental de 2015 obrigava o Estado a fazer um conjunto de reformas como a introdução da contabilidade por accruals (na ótica de compromissos), e a apresentação do orçamento por programas, e em termos multianuais, com integração de políticas e medidas. Este governo só o fez de uma forma muito superficial e continuamos a adiar as reformas que deviam estar concretizadas no orçamento de 2019. Mas ninguém chama a atenção para esta falha da governação.
“Portugal tem um fosso de ineficiência na Educação e na Saúde que chega aos 60%”
No trabalho que fez sobre a eficiência e eficácia no Estado, qual foi o setor que mais o surpreendeu, pela positiva ou pela negativa?
Um resultado interessantíssimo que obtivemos foi no setor da Saúde, em que a nossa eficiência, a nossa produtividade, é relativamente baixa pelos padrões europeus. Mas temos um grau de eficácia bastante superior à média europeia. E porquê? Porque a nossa população tem hábitos alimentares, comportamentais — além das variáveis ambientais — que influenciam de maneira bastante positiva a saúde dos portugueses. Mas se formos, de maneira mais fina, relacionar o número de anos saudáveis que uma pessoa tem a partir dos 65 anos, aí ainda nos falta bastante. Nesse rácio, na comparação dos gastos com a saúde, estamos numa situação superior à média, mas ainda nos falta percorrer muito caminho. Repare que há aqui um aspeto importante no qual podemos balizar a nossa economia: em termos globais, a nossa economia tem uma produtividade média que está cerca de 30% abaixo da média da OCDE. Na análise que fizemos comparamos Portugal não só com os países europeus — que são uma amostra relativamente reduzida — mas também com os estados norte-americanos. E se compararmos com os três melhores estados americanos e os três melhores países da UE, nós temos um gap de ineficiência — por exemplo na Educação e na Saúde — em torno dos 60%. Portanto, isso quer dizer que a fronteira tecnológica que os nossos serviços públicos poderiam atingir, com os recursos que temos hoje, é 60% superior ao que existe.
Mas não tem havido evolução positiva dos serviços públicos portugueses ao longo dos anos? Ou tem sido o contrário?
Esta é uma análise transversal, comparando com os diferentes países. Mas outra análise que fizemos no capítulo da eficiência foi uma evolução temporal destes indicadores. Como é que Portugal evoluiu entre 1995 e 2017. E verificamos que a economia portuguesa em termos de produtividade esteve praticamente estagnada desde 2000, com um crescimento próximo de zero, dependendo dos indicadores que se utilizem. Ora o que verificamos é que no sistema de Saúde houve uma redução da produtividade. Temos uma média de médicos por habitante que já é superior à média da UE, mas aponto um simples indicador para ilustrar onde existe essa ineficiência: as pessoas, em média, na Hungria vão a 12 consultas médicas por ano. Em Portugal vão a quatro consultas médicas por ano. Isso demonstra uma disparidade enorme na utilização dos recursos. Um país que conseguiu dotar-se de médicos para toda a gente não consegue que as pessoas tenham acesso aos serviços que eles prestam.
Até que ponto é que essa não é uma análise à prestação da classe médica em Portugal?
Não quero com isto dizer que os nossos médicos sejam melhores ou piores. Só indica a forma como se gere o sistema. A Holanda conseguiu progressos notáveis no sistema de saúde apostando numa melhoria substancial dos cuidados primários: centros de saúde, na prevenção da doença, no atendimento direto — por Internet, etc — aos cidadãos. Esse segmento do sistema de saúde é fundamental para reduzir o número de entradas nos hospitais, para não congestionarem, e para terem uma utilização mais eficiente. Porque uma hora de um médico que permite prevenir uma doença é muito mais eficiência do que o Estado ter de gastar depois 15 dias de internamento num hospital, com remédios e o resto. Isto é apenas um exemplo. O grau de eficiência da Saúde está hoje 7% abaixo do que era no início do século XXI, se considerarmos os gastos, os recursos e as infraestruturas utilizadas na Saúde.
Mas na Educação, os indicadores de Portugal, nos resultados dos alunos, têm vindo a melhorar nos últimos anos. Isso não contribui para o indicador da eficiência?
Na Educação houve uma melhoria no número de diplomados por professor e também uma melhoria que é muito conhecida e muito propagandeada, que é nos testes Pisa, portanto a parte qualitativa. Mas por exemplo, em termos de gastos por diplomado não houve. Praticamente estagnou. Está mais ou menos alinhado com a nossa produtividade. O setor público não puxou pela nossa economia, e apenas seguiu a evolução em termos agregados da economia. E há estudos que revelam que a dimensão da turma, por professor, não tem impacto a partir de certo nível — não estou a falar do Ensino Secundário, onde é evidente que se tivermos turmas de 50 ou 100 alunos vai haver uma redução da qualidade do ensino prestado. Mas em Portugal continua-se a pensar que, qualquer que seja o grau de Ensino, quanto menor a turma, mais eficiente é o Ensino. O que não é verdade. Até por causa da interação entre alunos, a dinâmica que se estabelece numa aula, etc. Portanto, há fatores que influenciam muito a eficiência.
As reformas de eficiência no setor da Educação são particularmente difíceis para qualquer governo, ainda mais do que as da Saúde.
Há aqui um mito que gostaria de destruir: o de que não é possível fazer grandes reformas, alterar significativamente o número de funcionários em determinado setor. Na Educação, entre 2005 e 2009 houve uma redução no ensino básico, por causa da evolução demográfica, de cerca de 20 mil professores. Porquê? Por causa dos sistemas contratuais que havia, muitos deles eram contratados no início do ano, nos concursos. Isso foi necessário por causa da redução do número de alunos, pelos efeitos demográficos. Portanto, é possível ter mais flexibilidade na gestão dos recursos. Também houve um redimensionamento das escolas, no tempo do primeiro-ministro Sócrates, reduziram-se muitas escolas que tinham um número muito pequeno de alunos, com transferência de alunos para outras escolas maiores. Estes fatores permitiram melhorar a produtividade do ensino básico. Outro exemplo, agora na Saúde: os medicamentos. O gasto com medicamentos caiu 14% entre 2005 e 2017. Porquê? Porque houve um conjunto de políticas, de renegociação dos preços, de alteração de margens a nível de farmácias, de prescrição de genéricos. Um conjunto de políticas que permitiu uma redução substancial de custos. Portanto, é possível fazer políticas com maior eficiência, mas essas políticas têm de ser orientadas para a obtenção de resultados, que respondam às necessidades concretas da população e a uma definição de prioridades por parte do Estado, que não consegue fazer tudo ao mesmo tempo.
A seguir aos anos que referiu, veio a ajuda externa, a crise e, consequentemente, uma quebra dos indicadores dos serviços públicos em Portugal. O ponto de partida para melhorar a eficiência é, portanto, mais baixo, certo?
Esse é outro mito que gostaria de destruir, o de que a austeridade provocou uma crise nos serviços públicos no período entre 2011 e 2014. Isso é mentira. Os nossos indicadores mostram que houve uma melhoria substancial da eficiência tanto no setor da Educação, como no setor da Saúde. Por exemplo, com o aumento de 35 para 40 horas no setor da Saúde. Só isso permitiu melhorar, aumentar a eficiência dos serviços. Por outro lado, as crises, em todos os países do sul da Europa — tanto em Portugal como na Espanha e na Grécia — levaram a uma melhoria da equidade, em grande parte porque houve uma redução mais proporcional nos rendimentos das classes mais elevadas, que foram muito afetadas pela crise. Há vários estudos que dizem que as políticas do período 2011 não foram equitativas. O nosso estudo mostra que foi o contrário, que promoveram uma maior equidade social e porquê? Primeiro por causa da progressividade dos impostos, do imposto sobre o rendimento, que aumentou essa progressividade — a contribuição extraordinária de solidariedade (CES) foi mais elevada para os rendimentos mais altos — corrigiram-se algumas anomalias na distribuição do IRS no grupo de contribuintes que começa a pagar imposto, e houve também um alargamento das transferências sociais. O nosso trabalho mostra que houve uma melhoria da equidade.
As despesas com as pensões representam cerca de 17% do PIB de 2017, indica o vosso estudo. Há uma intenção de vir a retirar penalizações para algumas reformas antecipadas, mas acabar essa possibilidade noutras. Parece-lhe acertado?
A minha posição em relação ao sistema de pensões é que já deveríamos ter feito uma reforma há 20 anos, pelo menos. Passar cada vez mais de um sistema de “pay as you go” para um sistema de capitalização, em que se dava muito mais peso às empresas e ao indivíduo para contribuir para a sua própria pensão. Pode sempre dizer-se: “mas isso agora vai reduzir recursos para a segurança social”. São sistemas de transição que levam 20 anos e há várias outras formas de poder canalizar depois os recursos que as pessoas poupam para compensar, eventualmente, os défices da Segurança Social, através do mercado de capitais. Caímos no mesmo sistema: o Estado tem cada vez mais responsabilidades, os impostos são cada vez mais altos, a economia não cresce o suficiente, e estamos novamente numa situação de bloqueio. O que estava a sugerir era políticas para desbloquear esta situação. Sobre a idade da reforma, se estivéssemos num sistema de capitalização a pessoa receberia, na sua reforma, a anuidade correspondente à pensão que acumulou — sujeita, evidentemente, a que toda a gente deveria ter direito a uma pensão mínima, para não deixar pessoas na miséria. Mas em termos de cálculo individual de pensões deveria ser esse o esquema.
Em 2000, 2002 e 2007 foram feitas alterações e regulamentações à lei de bases da Segurança Social. O que foi bem feito e o que precisa de mudar?
Tanto os governos PS como PSD em Portugal procederam a políticas erradas, quando praticamente nacionalizaram todo o sistema de pensões em Portugal. Mesmo os fundos de pensões que existiam foram todos transferidos para o Estado, por razões puramente conjunturais, para reduzir o défice. E mesmo os mecanismos que existem, através dos Planos Poupança Reforma (PPR) e isso tudo, também foram reduzidos ao mínimo. Os agentes económicos agem segundo os incentivos. Ora deve haver três pilares sobre os quais assenta o sistema de pensões: o sistema social, que assegura uma pensão mínima para qualquer cidadão; as empresas, que contribuem para fundos de pensões e as famílias, que fazem os seus aforros para complementar essa pensão. Ao nacionalizar todo o sistema de Segurança Social estamos a retirar os incentivos para a poupança por parte dos agentes económicos. Quanto à idade da reforma, essa deveria ser flexibilizada. Até porque a população está a envelhecer e o número de anos expectáveis em que o indivíduo tem saúde, após a idade da reforma, está a crescer. Temos agora um fator de sustentabilidade, mas continuamos a ter datas fixas. Acho que a idade da reforma deveria ser algo negociado entre a empresa e o indivíduo, por mútuo acordo.
Todos os dias se fala de alterações pontuais no imposto A ou no imposto B. Estes acertos constantes são melhores ou piores que uma reforma fiscal?
Fala-se muito do IVA. E todos os dias são anunciadas novas taxas. Um dia é a cultura, outro dia é nas touradas, no dia seguinte restaurantes, eletricidade. Portugal é o país com o sistema de IVA mais fragmentado da União Europeia. Se houvesse uma taxa única, como têm alguns países, em Portugal o IVA seria da ordem dos 10%, portanto já vê como as coisas estão distorcidas. Há países bálticos que têm taxas únicas de IVA nesta ordem, dos 11 ou 12%. Não é nada de anormal caminhar-se para uma maior uniformização das taxas. Mas infelizmente está cada vez a introduzir-se uma maior distorção, o que também provoca problemas de perda da receita, taxas muito elevadas em certos produtos. Em relação ao imposto sobre os lucros das empresas: foi interrompido. O problema é que este imposto sido reduzido em vários países da Europa e já não somos competitivos, com a Europa de Leste, por exemplo. E já não se faz uma reforma fiscal a sério desde 1988. O que não impede que, todos os anos, os governos andem a manipular as taxas para satisfazer grupos de interesses especiais.
Acha que o IVA da eletricidade deveria estar nos 6%, como defendem o Bloco de Esquerda e o PCP?
A questão da eletricidade — e eu fui chamado ao parlamento para falar sobre isso — é um problema de sobrecustos que existem no setor. Este terá sido apenas mais um soundbyte para reduzir o dobro do preço que os consumidores pagam em relação àquele que deveria existir se houvesse um sistema eficiente. O que se deve fazer é atacar as causas do problema, e não os sintomas do problema. Não é dando aspirinas que se revolve um problema de uma apendicite.
Face ao cenário que descreve, e tendo em conta que 2019 é um ano eleitoral, acredita que é possível lançar as bases para reformas de eficiência no Estado nos próximos anos?
Esta era a solução desejável, mas o que vai acontecer, eventualmente, é uma continuação da situação atual até haver uma nova recessão. Depende da gravidade da recessão que nós respeitamos ou não o pacto de estabilidade e se os mercados nos penalizarão outra vez ou não. Os meus cálculos é que ainda estamos no limiar de segurança, ou seja, há choques que nos podem levar a cair outra vez em situações de perda de acesso aos mercados. Por exemplo, um choque relativamente elevado e combinado de taxas de juro, de quebra do PIB e de défice elevado do setor público por causa da dificuldade em comprimir as despesas e do nível elevado de impostos pode-nos atirar para uma situação dessas. Embora a probabilidade neste momento não seja elevada. Mas não podemos afastar esse cenário. Enquanto não chegarmos aos tais 80 a 90% do peso da dívida no PIB, penso que será difícil respirarmos de alívio. Mas como disse, nunca pensaria que Portugal — que ainda nos anos 80 e 90 crescia a 3% — depois registaria um período de quase estagnação que já vai em cerca de duas décadas. E poderá dizer-se que agora vamos passar para três décadas. Isso é possível. Até que apareça um governo que altere substancialmente a política.