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O encontro começou sorridente mas não acabou bem
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O encontro começou sorridente mas não acabou bem

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O encontro começou sorridente mas não acabou bem

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Acordo entre Montenegro e Pedro Nuno por um fio. Só "milagre" salva negociações

Pedro Nuno exigiu, com todas as letras e em público, que Governo abandone redução do IRC e IRS Jovem. Montenegro vai apresentar contraproposta, mas só milagre salvará acordo. Ventura reentra em cena.

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“Inflexível”, “radical”, próprio de “quem quer derrubar o Governo”. Numa ideia: “Pedro Nuno Santos está a pôr-se fora da mesa das negociações”. A equipa de Luís Montenegro não esperava que o líder socialista se apresentasse no encontro com o primeiro-ministro com uma posição que classificam de “irracional”, “extremada”, “irrazoável” e “inaceitável”. No lado do PS, garante-se que não foi nada disto e que para entrar nas contas da viabilização o Governo “só” tem de fazer desaparecer o IRS Jovem e a descida do IRC tem de seguir por outra via — coisa que Montenegro não fará. Por isso, só um milagre salvará negociações.

A adjetivação utilizada no lado do Governo é muita e as negociações estão mesmo por um fio: o Governo não está disposto a abdicar das duas propostas que, para Pedro Nuno, são inegociáveis: a redução transversal do IRC e o IRS Jovem. E assim que Pedro Nuno Santos começou a falar no Largo do Rato, sensivelmente às 17h30, já o núcleo duro do Governo acertava uma posição a uma só voz.

Ao Observador, várias fontes sociais-democratas faziam chegar a principal mensagem do Executivo: “Pedro Nuno Santos foi inflexível e radical. Quer substituir o programa do Governo pelo programa do PS. Quer gastar toda a margem orçamental de 2025 com medidas do PS. Vê-se que quer derrubar o Governo e causar eleições. É tão claro que se radicalizou e quer derrubar o Governo que está a apresentar um programa de Governo.”

Minutos depois, em Mafra, onde participou na sessão de enceramento da VII Cimeira do Turismo Português, Luís Montenegro dizia de viva voz aquilo que se ia comentado no interior do Governo: “Não direi nada que prejudique a nossa total disponibilidade para termos um Orçamento do Estado. Mas a proposta que me foi endereçada pelo PS é efetivamente uma proposta radical e inflexível.”

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Como contava o Observador na véspera do encontro decisivo entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, grassava algum otimismo no núcleo mais próximo do primeiro-ministro. No final do dia de hoje, sexta-feira, Pedro Nuno Santos não cometeria o harakiri de contribuir para o chumbo orçamental e consequentes eleições antecipadas. “Seria um suicídio político. O PS nunca o perdoaria. E não é de esquecer: nunca devemos desvalorizar o instinto de sobrevivência do ser humano”, dizia um elemento do Governo.

Agora, e depois do que Pedro Nuno Santos fez esta tarde, parece ser mais evidente para a equipa de Luís Montenegro que, entre a espada e a parede, o socialista preferiu a espada. “Está a pôr-se completamente fora da mesa das negociações e a esgotar todas as possibilidades de entendimento. Está claramente a dizer que não quer negociar”, lamenta um destacado dirigente social-democrata.

“Só um milagre salva isto. Não estou mesmo a ver como”, desabafa com o Observador um ministro de Luís Montenegro. Para os sociais-democratas, as contas são relativamente simples de se fazer: Pedro Nuno Santos conseguiu aprovar três medidas com André Ventura no Parlamento que custam cerca de 500 milhões de euros; “agora quer trocar as duas principais propostas do Governo por propostas dele”, insurge-se um elemento próximo de Montenegro.

De resto, num coincidente alinhamento de posições, a impressão com que a equipa de Montenegro ficou é exatamente idêntica à de Rui Rocha, presidente da Iniciativa Liberal e o primeiro líder partidário a reagir às intenções anunciadas por Pedro Nuno Santos: “O PS declarou guerra ao Orçamento do Estado”. Para os sociais-democratas, o líder socialista quer no fundo substituir a redução de impostos pensada pelo Governo por medidas que, nuns casos, aumentam despesa de forma estrutural (como no caso das pensões), e noutros, sempre na ótica do Executivo, claro, são inconsequentes (como as majorações no IRC) na estratégia global do Executivo.

"Pedro Nuno está a pôr-se completamente fora da mesa das negociações e a esgotar todas as possibilidades de entendimento. Está claramente a dizer que não quer negociar", lamenta um destacado dirigente social-democrata. "Só um milagre salva isto. Não estou a ver como", desabafa com o Observador um ministro de Luís Montenegro

Governo não vai ceder às pretensões de Pedro Nuno

Apesar de tudo, como revelaria mais tarde Luís Montenegro, o Governo vai entregar na próxima semana uma “contraproposta que será uma tentativa de aproximar posições”, “extraindo” o essencial das reivindicações do PS. Com uma certeza repetida à exaustão por várias fontes próximas do primeiro-ministro: o Governo não vai abdicar da redução transversal do IRC, nem ceder no IRS Jovem ao ponto de a medida ficar esvaziada.

Aliás, em Mafra, Luís Montenegro deu sinais nesse mesmo sentido. “Não penso no IRC para ter receita. Penso no IRC para que as empresas criem riqueza para pagar melhores salários e investir em desenvolvimento. É uma pedra angular da nossa política económica”, salvaguardou Montenegro. No caso concreto do IRS Jovem, o primeiro-ministro foi mais vago, o que indicia que o Governo pode estar a pensar transformar a proposta.

“Acredito que se retirarmos carga fiscal à população que se encontra em idade ativa e que está a fugir, podemos ter uma economia mais competitiva, mais pujante, com empresas a crescer, a pagar melhores salários e a disponibilizar parte dos seus lucros para o reinvestimento”, limitou-se a dizer o primeiro-ministro.

Em todo o caso, e essa garantia continua a ser dada por elementos próximos de Luís Montenegro, o Governo não está disponível para adotar o modelo de IRS Jovem atualmente em vigor e que foi desenhado pelo anterior Executivo de António Costa — diferente em praticamente tudo quando comparada com a proposta da Aliança Democrática. “Esse aspeto não é negociável. Não vamos governar com o Orçamento do Estado de Pedro Nuno Santos e com o programa do PS. É inaceitável“, sublinha fonte do Governo.

Tudo somado, as posições de parte a parte parecem mais irreconciliáveis do que nunca. No Governo, e apesar do otimismo ter minguado, fazem-se apostas à capacidade de resiliência de Pedro Nuno Santos ao longo do processo e à sua verdadeira disposição para ser percecionado como responsável por uma crise política e eleições antecipadas. “Vamos ver se está mesmo disposto a pagar o preço.”

"Com quem o Governo vai aprovar o Orçamento é um problema do Governo. Foi Montenegro que disse ao Presidente da República que tinha condições para governar", vinca um dirigente do partido na tentativa de desresponsabilização por qualquer crise que nasça num chumbo do Orçamento. "Uma coisa é certa: o PS não tem medo."

PS nega radicalização: “Eles prescindem de duas, nós em 500”

No PS rejeita-se a ideia de uma radicalização da posição negocial do partido com as propostas que Pedro Nuno Santos levou ao primeiro-ministro. A narrativa que se constrói pelo Largo do Rato, onde fica a sede nacional do partido em Lisboa, é que o PS está a pedir apenas que o Governo prescinda de duas propostas quando a sua cedência é muito maior.

Afinal, atira um dirigente, para o Orçamento passar, o Governo “só tem de deixar cair estas duas [IRS Jovem e IRC], o PS temos de aprovar tudo o resto que for no Orçamento, incluindo por exemplo as USF de modelo-C com as quais discordamos”. “O Governo prescinde de duas e nós em 500″, resume ainda um alto dirigente ao Observador.

“O Orçamento não são só estas duas medidas“, repete-se a cada conversa com socialistas no rescaldo da intervenção de Pedro Nuno Santos. A frase traz em si não só uma desvinculação com a totalidade da proposta, mas também a garantia de que o PS não está a querer substituir o Governo. “Nós não queremos ter 50% do Orçamento, mesmo que tenhamos, apesar de tudo, uma representação parlamentar próxima da do Governo. O Orçamento será 99% da responsabilidade do Governo”, repetiu o líder esta sexta-feira.

O que foi entregue a Luís Montenegro esta sexta-feira pelas três da tarde foram exatamente as mesmas duas folhas que foram distribuídas à comunicação social, com o título “nota informativa”. Nela constava substituição total da medida do IRS Jovem, que estima custar mil milhões de euros, por 970 milhões de medidas direcionadas para o investimento público em habitação, um aumento extraordinário das pensões e ainda o regime de exclusividade para os médicos no SNS.

Quanto ao IRC, o PS não se opõe à descida, mas quer que ela continue na linha do que já vem sendo feito, propondo apenas a melhoria dos incentivos fiscais aos aumentos salariais e à capitalização das empresas. Um modelo alternativo ao que a Aliança Democrática propõe e que passa por uma redução transversal do imposto.

Se não for por aqui, no entendimento socialista, o Governo terá de procurar outro parceiro. E isso ficou muito claro na intervenção do líder do partido que traçou dois cenários: ou o Governo viabiliza o Orçamento com o PS ou com o Chega. “Estas duas formas de viabilização garantem que no final há dois Orçamentos do Estado distintos”, concluiu, colocando-se de fora de uma fotografia onde figure o Chega.

O PS alimenta a secreta esperança que o partido de André Ventura acabe por ficar ao lado do Governo, retirando esse peso de cima de Pedro Nuno Santos que, na noite eleitoral de março, se regozijou com o lugar que a partir dali tomaria na oposição. As declarações do líder do Chega logo após a conferência de imprensa de Pedro Nuno Santos foram, por isso mesmo, sublinhadas nesta tarde. Era uma saída para Montenegro e, claro, para Pedro Nuno, que poderia ficar solto — como quer — no papel de líder da oposição. Noutra perspetiva, também não teria abater as pontes com a esquerda à sua esquerda — que já ameaçou cortar com antigo parceiro se o PS se unir à AD.

“Com quem o Governo vai aprovar o Orçamento é um problema do Governo. Foi Montenegro que disse ao Presidente da República que tinha condições para governar”, vinca um dirigente do partido na tentativa de desresponsabilização por qualquer crise que nasça num chumbo do Orçamento. “Uma coisa é certa: o PS não tem medo”, notava a mesma fonte ainda de manhã, mesmo antes de Pedro Nuno se encontrar com Montenegro, um socialista, desdramatizando um cenário de eleições antecipadas e eventuais penalizações para quem romper a corda.

No partido repete-se a frase do líder para garantir que o chumbo do Orçamento não tem de levar a uma crise política e a uma nova ida às urnas. Ainda no início da semana Pedro Nuno voltava à ideia a que se vai agarrando para deixar o Governo e o Presidente com essa a batata quente nas mãos: “Só haverá eleições se o Governo e o Presidente da República quiserem”.

O socialista continua sem rejeitar que o Governo possa continuar em funções após chumbo orçamental, governando em duodécimos e sem dissolução da Assembleia da República. No PS, continua-se a acreditar que Montenegro, apesar de tudo o que disse, não rejeitou totalmente os duodécimos; a formulação que o primeiro-ministro usou (“os duodécimos não são solução”) não foi tão conclusiva e abre alguma margem, vão dizendo fontes socialistas. Seria surpreendente, para dizer o mínimo, que Montenegro voltasse a encarar a hipótese “duodécimos” — sobretudo depois de Marcelo Rebelo de Sousa já ter dito que não achava uma boa solução.

Certo é que se o Orçamento não estiver pronto a tempo de entrar em vigor a 1 de janeiro de 2025, o Governo fica automaticamente limitado a executar em cada mês 1/12 da despesa efetuada no ano anterior. O líder socialista já apresentou uma solução para, neste cenário, não se perderem os aumentos para a função pública, disponibilizando-se para um Orçamento Retificativo que permita fazer face a essa despesa — hipótese também já rejeitado pelo Governo.

Em todo o caso, e essa garantia continua a ser dada por elementos próximos de Luís Montenegro, o Governo não está disponível para adotar o modelo de IRS Jovem atualmente em vigor e que foi desenhado pelo anterior Executivo de António Costa - diferente em praticamente tudo quando comparada com a proposta da Aliança Democrática. "Esse aspeto não é negociável. Não vamos governar com o Orçamento do Estado de Pedro Nuno Santos e com o programa do PS. É inaceitável", sublinha fonte do Governo

Ventura reentra em cena

No meio de tudo isto, André Ventura, que chegou a jurar que o seu chumbo ao Orçamento do Estado era “irrevogável“, reapareceu em cena a dizer que tudo fará para evitar uma crise política e que vai convocar um Conselho Nacional do Chega para “discutir a questão orçamental”.

“Sem grande surpresa, o Chega acompanhou o que ocorreu entre o primeiro-ministro e o secretário-geral do PS, porque este partido apresentou propostas que sabe que um Governo do centro-direita jamais poderá aceitar. O PS nunca teve nenhuma vontade real nem de viabilizar nem de negociar o Orçamento e quis hoje fazer um ato já de pré-campanha eleitoral”, criticou Ventura.

O líder do Chega não deixou de pressionar Luís Montenegro, dizendo que seria inaceitável se Luís Montenegro cedesse na questão do IRC e do IRS Jovem. “Se isso acontecesse, o Governo e o PSD imediatamente perderiam a identidade que construíram neste parlamento e perderiam qualquer apoio que ainda subsistisse no centro-direita e na direita.”

Ao contrário do que acontece com o PS, que precisa apenas de abster-se na votação do Orçamento do Estado para que este fosse viabilizado, os 50 deputados do Chega precisam mesmo de votar a favor para deixar passar o documento — o que significa que o preço do compromisso de Ventura é bem mais alto do que o de Pedro Nuno Santos.

Nas declarações que fez aos jornalistas, a partir da Assembleia da República, Ventura deixou duas exigências para negociar com Montenegro: que o PS seja afastado por completo das conversações; e que o Governo faça outro Orçamento — o que, imaginando que o líder do Chega esteja a ser literal, seria uma evidente impossibilidade para o Executivo.

“É a única hipótese que há. O Governo tem que perceber que está numa situação de bloqueio democrático. Esse bloqueio democrático não foi causado por nós, mas, sim, pelo PS. Estamos à beira de uma nova crise política, com todas as consequências que isso tem para a economia, para as empresas, para as famílias, para toda a gente”, rematou Ventura.

Como explicava o Observador, essa continua a ser a secreta esperança de Pedro Nuno Santos. Que Luís Montenegro ainda possa — como diz um socialista — “resolver a vida dele com o Chega“. “Isso para nós era o ideal.” Ao longo desta última semana os socialistas têm insistido neste ponto e Pedro Nuno Santos chegou a aproveitar as reuniões “discretas” de segunda-feira, do primeiro-ministro com IL e Chega, para sublinhar que Montenegro está a apostar “noutras vias” para viabilizar o Orçamento. Pode ser que o socialista tenha razão: Ventura ainda pode salvar Montenegro.

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