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Seleção Nacional já esteve em dois Campeonatos da Europa, em 2017 e 2022, mas nunca tinha conseguido apurar-se para um Mundial

FIFA via Getty Images

Seleção Nacional já esteve em dois Campeonatos da Europa, em 2017 e 2022, mas nunca tinha conseguido apurar-se para um Mundial

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"Agora têm tudo mas não foi fácil. Elas também jogaram no pelado". Os passos que levaram o futebol feminino ao sonho

As gerações dos sintéticos, dos treinos às 23h e dos equipamentos lavados em casa deram lugar à formação, à profissionalização e aos Europeus: o caminho que o futebol feminino fez até ir ao Mundial.

No momento em que o apito soou pela última vez em Hamilton, na Nova Zelândia, fez-se história do outro lado do mundo. Pela primeira vez, Portugal vai estar num Campeonato do Mundo de futebol feminino. Seis anos depois do primeiro Europeu, um ano depois do segundo, os mesmos seis anos depois da criação da Liga BPI e dos primeiros passos rumo à profissionalização – ou seja, o futebol feminino teve de andar muito para aqui chegar.

Elas são um exemplo de tudo, elas não têm de provar mais nada (a crónica do Portugal-Camarões que valeu a qualificação para o Mundial)

Desde o investimento da Federação Portuguesa de Futebol ao empurrão de Benfica, Sporting e Sp. Braga, são vários os fatores que explicam como é que o futebol feminino chegou a este histórico 22 de fevereiro. Ao Observador, a agente Raquel Sampaio, a dirigente Mariana Vaz Pinto e a antiga jogadora Edite Fernandes explicaram e detalharam os passos mais importantes num trajeto com décadas. Desde os tempos do pelado aos tempos em que o Estádio da Luz tem mais de 15 mil pessoas nas bancadas para ver um Benfica-Sporting.

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Kika Nazareth, avançada do Benfica, é o exemplo paradigmático do desenvolvimento da formação no futebol feminino

FIFA via Getty Images

“O ano em que vamos ao Europeu pela primeira vez é o ano em que se cria a Liga BPI”. O empurrão dado pela profissionalização

Eram 11h30 de quarta-feira mas, para Raquel Sampaio, o dia já ia longo. “Já só tenho 20% de bateria no telemóvel”, desabafou assim que atendeu a chamada do Observador. Afinal, o jogo mais importante da história do futebol feminino português (e a enorme diferença horária para a Nova Zelândia…) tinha obrigado a pôr o despertador para as 6h30. Um sacrifício necessário e, como acabou por se verificar, frutífero.

Raquel Sampaio é agente de jogadoras. Em 2021, fundou a Teammate Football Management, a primeira agência portuguesa totalmente dedicada ao futebol feminino – e representa Inês Pereira, Rute Costa, Dolores Silva e Fátima Pinto, quatro das atletas que fizeram parte da convocatória de Francisco Neto para o decisivo playoff de acesso ao Campeonato do Mundo. Antes, porém, foi jogadora do Estoril e diretora desportiva do Sporting. Ou seja, sabe bem o que o futebol feminino teve de andar para aqui chegar.

Como tantas outras – ou como quase todas, na verdade –, tinha de pagar para jogar e lavar os próprios equipamentos. Foi a primeira rapariga a jogar no Estoril, ainda com rapazes, e chegou a deixar a modalidade temporariamente quando já não tinha idade para integrar equipas mistas e ainda não existia uma equipa sénior feminina. Atualmente, tem como grande objetivo proporcionar as condições que ela própria não teve. E não tem dúvidas na hora de destacar o grande passo que trouxe a Seleção Nacional até ao instante histórico desta quarta-feira.

Raquel Sampaio é agente de jogadoras. Em 2021, fundou a Teammate Football Management, a primeira agência portuguesa totalmente dedicada ao futebol feminino — e representa Inês Pereira, Rute Costa, Dolores e Fátima Pinto, quatro das atletas que fizeram parte da convocatória de Francisco Neto para o decisivo playoff de acesso ao Campeonato do Mundo.

“O grande ponto de viragem foi a entrada dos clubes ditos maiores no futebol feminino. Se repararmos, antes da existência do futebol feminino no Sporting, no Sp. Braga, no Benfica, nunca nos tínhamos metido numa grande competição de seleções, éramos totalmente amadores. O ano em que vamos ao Europeu pela primeira vez é precisamente o ano em que se cria a Liga BPI, com Sporting e Sp. Braga [2017]. Os clubes maiores é que proporcionaram às jogadoras outras condições. Condições para fazerem só isto, para não se preocuparem com mais nada”, explica Raquel Sampaio, que testemunhou de perto o salto quantitativo e qualitativo que a modalidade deu no espaço de poucos anos.

Atualmente, só quatro dos 12 clubes da Liga BPI são totalmente profissionais: Benfica, Sporting, Sp. Braga e Famalicão. A profissionalização das quatro equipas, porém, trouxe uma nova dimensão que é dada por garantida no futebol masculino mas que, na vertente feminina, ajudou a potenciar o crescimento de todos os setores – a formação.

“Ajudou muito, até a nível de mentalidade. As jogadoras estão melhor preparadas, psicologicamente e a nível técnico-tático tiveram formação. Quando vais para uma equipa sénior tens de ter rendimento e não há tempo para aprender. Muitas das jogadoras deram o salto de jogar em equipas masculinas, com rapazes, para equipas séniores femininas. Mas a Kika, a Andreia [Jacinto] ou a Alícia [Correia], já não. Ajudou muito até na gestão de emoções, quando chegam a estes palcos já têm outra preparação”, sublinha Raquel Sampaio, que não esquece a importância de saber gerir as camadas jovens para não “perder talento”. “Nem todas vão chegar ao topo, porque o funil começa a afunilar cada vez mais. Mas muitas podem ter qualidade para outros projetos e não se podem perder”, acrescenta.

Entre outras internacionais, Raquel Sampaio é a agente de Dolores Silva, uma das capitãs da Seleção e titular contra os Camarões

Para a agente, o primeiro grande passo desta geração foi mesmo dado em 2017, na inédita qualificação para o Campeonato da Europa, e prolongado no verão passado, com a segunda presença numa fase final da competição. “O primeiro grande passo foi mesmo em 2017. E acho que, a partir de agora, o objetivo tem de ser estar todos os anos nestas grandes competições. É assim que olho para o futuro. Estamos a dar os primeiros passos mas temos muito para crescer, muita qualidade. Tanto nas que já estão lá como nas que estão por vir. A nossa aspiração tem de ser estar sempre nestas grandes competições e o objetivo tem de começar a ser não só estar lá mas ter outros objetivos”, defende.

Dois Europeus, uma equipa na Champions, o primeiro Mundial: “Hoje ninguém dirá que o futebol é um desporto de rapazes ou de homens”

“Todos são indispensáveis. A Seleção não teria chegado aqui se não fosse o trabalho que os clubes começaram a fazer, profissionalizar estruturas, profissionalizar equipas. E muitas destas jogadoras passaram pelo antes, antes de 2017, e pelo depois, depois da profissionalização das carreiras. Elas desejam isto desde que começaram a jogar. Gerações passadas sonharam com isto e não o alcançaram não por não terem qualidade mas pela ausência de condições. A qualidade já existe há muito tempo, era uma questão de oportunidade. Este é o momento de investir”, atira, antes de garantir que este apuramento para o Mundial será apenas “um capítulo” na história que ainda está por escrever.

“Antes treinava-se à noite, às vezes só com meio-campo e em relvados sintéticos”. A diferença de condições entre gerações

Às 6h30 desta quarta-feira, o agora memorável dia 22 de fevereiro, o despertador também tocou em casa de Mariana Vaz Pinto. “Estava nervosa. Ainda por cima em Portugal temos este hábito de sofrer até ao fim, nunca nada é fácil…”, destaca, referindo-se ao facto de a Seleção Nacional ter sofrido o golo do empate aos 89′ e ter garantido o apuramento de grande penalidade e aos 90+4′.

"[A formação] ajudou muito. Até a nível de mentalidade. As jogadoras estão melhor preparadas, psicologicamente e a nível técnico-tático, tiveram formação. Quando vais para uma equipa sénior tens de ter rendimento e não há tempo para aprender. Muitas das jogadoras deram o salto de jogar em equipas masculinas, com rapazes, para equipas sénior femininas."
Raquel Sampaio

Mariana saltou para as luzes da ribalta na época passada e à boleia do Belenenses SAD, quando se tornou a primeira mulher a assumir o cargo de team manager de uma equipa masculina na Primeira Liga. Antes, no futebol feminino do Sporting, tinha sido team manager das Sub-19 e da equipa B e secretária técnica de todas as equipas da formação leonina. Ainda antes, no Estoril e no Belenenses, tinha sido jogadora de futebol. E, apesar de ter apenas 27 anos, ainda apanhou um mundo totalmente diferente.

“Joguei futebol até aos 12 e deixei. Quando quis voltar, já com 16, fui metida numa equipa sénior, sem preparação, completamente atirada aos lobos. A dividir balneário com jogadoras com 30 anos. Faz imensa diferença. Agora cada miúda já pode competir no seu escalão, não é preciso jogar três escalões acima, já há escalões para todas. Já é possível respeitar o tempo delas. Dar tempo de jogo aos poucos, dar espaço, dar tempo. Permitir que possam jogar e ter competitividade”, explica a antiga avançada, que deixou os relvados devido a duas roturas de ligamentos que motivaram um fim de carreira muito precoce.

Assim como Raquel Sampaio, Mariana Vaz Pinto destaca a existência e o desenvolvimento das camadas jovens dos clubes como um dos principais pontos-chave para a qualificação garantida esta quarta-feira. “Hoje em dia as miúdas já começam a olhar e a pensar que, se quiserem ser jogadoras profissionais, conseguem. Já existem contratos de formação, aos 16 anos já podem ter contratos profissionais, como acontece com os rapazes. Elas próprias já conseguem olhar para o futebol de outra forma. Eu jogava porque gostava, nunca me passou pela cabeça ser jogadora profissional. Não por não querer, porque não dava. Hoje em dia já é tudo super sério, já é tudo diferente”, garante.

Antes de fazer história ao tornar-se a primeira mulher a ser team manager de uma equipa da Primeira Liga, Mariana Vaz Pinto foi jogadora do Estoril e do Belenenses

LUSA

Embora sublinhe a absoluta importância da profissionalização de Benfica, Sporting, Sp. Braga e Famalicão, a antiga team manager do Belenenses SAD – deixou o cargo no fim da época passada – recorda que esse será um dos handicaps de Portugal no Campeonato do Mundo. Ou seja, o facto de ser dos poucos países a aparecer na fase final do Mundial sem ter uma liga totalmente profissional.

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“A partir do momento em que tivemos Benfica, Sporting, Sp. Braga e Famalicão a investir desta maneira, tivemos jogadoras lá de fora a querer vir e jogadoras muito boas aqui a querer ir lá para fora. Jogadoras que estão lá fora a representar Portugal. E partiu tudo desse investimento que alguns clubes fizeram, dessa aposta na jogadora portuguesa, dessa aposta na formação onde a Kika e a Andreia Jacinto são os principais exemplos. Mas a diferença vai notar-se enquanto aqui tivermos jogadoras a trabalhar até às 18h para ir treinar até 23h. Há um longo caminho a percorrer. É um abre-olhos para os clubes. É a altura de investir, é a altura de apostar, temos todos de dar mais”, indica Mariana Vaz Pinto, que no Sporting foi o braço direito de Mariana Cabral, atual treinadora da equipa principal leonina.

Como parte de uma geração recente mas passada, onde as condições não eram as mesmas e os sonhos a que cada uma se permitia tinham um horizonte claro, a antiga jogadora garante que a atual Seleção Nacional é “a cara de todas as gerações que já passaram por ali”. “Todas as gerações que não conseguiram o mesmo porque não tinham condições. Porque treinavam à noite, depois das equipas masculinas, às vezes só com meio-campo e em relvados sintéticos. Sem condições nenhumas. Com um ou dois treinadores e uma pessoa a ajudar. Tinham de trazer os equipamentos de casa. Faz toda a diferença e as profissionais de hoje sabem que são umas privilegiadas, estão a crescer com todas as ferramentas”, termina, recordando exemplos como os de Carole Costa, Dolores ou Ana Borges, que “apanharam o nada e agora têm todas as condições”.

"Partiu tudo desse investimento que alguns clubes fizeram, dessa aposta na jogadora portuguesa, dessa aposta na formação onde a Kika e a Andreia Jacinto são os principais exemplos. Mas a diferença vai notar-se enquanto aqui tivermos jogadoras a trabalhar até às 18h para ir treinar até 23h. Há um longo caminho a percorrer. É um abre-olhos para os clubes."

“Agora têm tudo mas não foi fácil para elas. Passaram pelo caminho de pedras, jogaram no pelado”. O reconhecimento das dificuldades de outrora

Edite Fernandes foi uma das que apanhou “o nada”. Atualmente com 43 anos, passou por Boavista, 1.º de Dezembro, Valadares Gaia, Sp. Braga e Futebol Benfica, tendo jogado ainda nos EUA, em Espanha, na China e na Noruega. Foi dez vezes campeã nacional, conquistou a Taça de Portugal em três ocasiões e foi capitã da Seleção, onde somou 132 internacionalizações. É, a par de Carla Couto e antes da atual geração, a grande cara do futebol feminino português. E foi também por isso que não escondeu a emoção com o jogo desta quarta-feira.

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“Foi muita emoção, lágrimas, alegria, não tive palavras. Foi tudo bom. Vê-las festejar daquela maneira… Também festejei com elas. Foi um momento muito emocionante”, explica a antiga jogadora, que nos últimos anos tem estado ligada à formação do Futebol Benfica. “Este feito é de todas as gerações que fizeram este percurso e que ajudaram a que o futebol feminino fosse crescendo e desenvolvendo-se. Com muita resiliência, muito sacrifício, com condições que nem eram bem condições. Quase que pagávamos para jogar. Era com amor à camisola, com muita paixão e muita persistência. Fomos cavando, abrindo portas, desbravando caminhos, conseguindo algumas coisas”, acrescenta Edite.

Fazendo parte da geração seguinte à de Carla Couto e tendo deixado os relvados apenas em abril de 2021, há menos de dois anos, cruzou-se com muitas das internacionais que alcançaram o histórico apuramento para o Campeonato do Mundo. E recorda que, apesar de a larga maioria gozar agora de condições e privilégios inéditos, quase todas tiveram de começar a jogar com recurso ao mínimo.

Edite Fernandes foi capitã da Seleção Nacional e somou mais de 130 internacionalizações

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“Apanhei muitas destas miúdas com 18, 19 anos. Ainda foram alguns anos a jogar com elas e elas também sentiram estas dificuldades. Agora têm tudo mas não foi fácil para elas. Passaram por estes caminhos de pedras, também se sacrificaram, também jogaram no pelado. Reconhecem as outras gerações que muito ajudaram para que este feito fosse alcançado”, atira, sublinhando também a importância do envolvimento de Sporting, Benfica e Sp. Braga no salto que o futebol feminino deu nos últimos anos.

“Houve uma mudança radical. E agora não é possível estagnar. É amadurecer, dar mais condições, arranjar mais patrocínios. Faz todo os sentido dar continuidade a este crescimento. Um dos pontos fulcrais foi também a criação de seleções mais jovens, é importantíssimo ter uma base. É preciso que apareçam mais meninas. Mas acho que isto vai dar uma volta bastante grande, é um feito histórico. Vai mexer com muita coisa”, conclui Edite Fernandes.

De 2.450 jogadoras para 9.723 no espaço de uma década: os números da evolução

No início da atual temporada, a Federação Portuguesa de Futebol anunciou o maior investimento de sempre no futebol feminino: quase nove milhões de euros entre seleções nacionais e fundos de apoio às competições, num aumento de quase 160% em relação aos valores praticados em 2017/18. Atualmente, praticamente todos os indicadores relativos ao número de jogadoras, treinadoras, árbitras e equipas estão em máximos históricos — sendo que a tendência de crescimento exponencial só abrandou em 2020/21, com o impacto óbvio da pandemia de Covid-19.

No espaço de uma década, de acordo com dados fornecidos pela Federação Portuguesa de Futebol, as jogadoras de todos as escalões passaram de um total de 2.450 para 9.723. O maior destaque vai mesmo para os escalões mais jovens, onde até 2016 não existia qualquer praticante Sub-7, Sub-9 ou Sub-11. Atualmente, no conjunto das três faixas etárias, existem 2.098 jogadoras.

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