Olhando agora em retrospetiva, a fase final do Campeonato da Europa de 2017 acabou por ser quase um cartão de visita para tudo aquilo que o futuro acabaria por trazer. Por um lado, havia a parte da novidade, do fora do comum, de um momento histórico que ninguém sabia ao certo o que poderia representar. Por outro, e para o grupo de trabalho da Seleção, era bem mais do que isso – e nem mesmo a derrota inaugural frente à Espanha mexeu com os objetivos, seguindo-se uma vitória diante da Escócia e um encontro conseguido com a toda poderosa Inglaterra (1-2). Onde muitos ou quase todos viam um ponto de chegada, as jogadoras e a equipa técnica percebiam que era um mero ponto de passagem na ascensão de um projeto. Seis anos depois, o ponto mais alto foi alcançado com uma inédita qualificação para o Campeonato do Mundo.

Elas são um exemplo de tudo, elas não têm de provar mais nada (a crónica do Portugal-Camarões que valeu a qualificação para o Mundial)

Ao longo de duas décadas, o futebol feminino raramente viveu. Foi sobrevivendo. O talento estava lá, aquela paixão pelo jogo que se vê na atual Seleção era em tudo igual mas o investimento era pouco ou nenhum, os principais clubes estavam também afastados apesar do projeto do Sporting na década de 90 que durou um par de anos e o número de praticantes federadas deixava muito a desejar. Agora, nos últimos dez anos, tudo foi mudando. Na Seleção, que passou a competir por objetivos maiores. Nos clubes, que tiveram uma aposta forte que aumentou a competitividade da Liga e o número de jogadoras. Nas próprias atletas, que depois de uma primeira fase de maior êxodo para o estrangeiro têm sobretudo feito o movimento contrário para o país. A vitória frente aos Camarões na Nova Zelândia acabou por ser o melhor reflexo de tudo isso.

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Depois da qualificação para o Campeonato da Europa de 2017 nos Países Baixos, com uma vitória frente à Escócia e duas derrotas com Espanha e Inglaterra, Portugal beneficiou do afastamento da Rússia pela UEFA no seguimento da invasão à Ucrânia para marcar de novo presença na fase final de um Europeu em 2022, com um empate com a Suíça e duas derrotas com Países Baixos e Suécia em Inglaterra. Em paralelo com isso, entre conquistas do Campeonato partilhadas por Sporting. Sp. Braga e Benfica, as encarnadas deram mais um passo em frente tornando-se a primeira equipa portuguesa de sempre a participar na fase de grupos da Liga dos Campeões, numa presença repetida em 2022/23 com duas vitórias e uma excelente imagem deixada com Barcelona (em casa) e Bayern. Agora, segue-se a primeira participação num Mundial, numa fase em que a Seleção ocupa o lugar mais alto de sempre no ranking das melhores equipas (22.ª).

Mais história, agora no ranking: Portugal é a 23.ª melhor seleção do mundo no futebol feminino

“Acredito que uma nação avançada, moderna e justa tem de dar oportunidades iguais a homens e mulheres. Sei que o caminho que traçámos ao longo dos mais de dez anos de mandato da atual direção foi no sentido de criar essas mesmas condições de igualdade. É um trabalho que nunca está terminado, mas que tem sido feito de forma coerente, resiliente e participada. Mais do que um objetivo há muito perseguido por gerações e gerações de jogadoras e um ponto de chegada, acredito que esta brilhante qualificação, após vitória, por 2-1, sobre os Camarões, será o início de um caminho ainda mais ambicioso para o futebol português e para todas as meninas e mulheres que queiram jogar futebol de alta competição em Portugal. A vossa dedicação concretizou um sonho de mais de três décadas e colocou Portugal na única fase final que lhe faltava disputar em 108 anos de história”, comentou o presidente da Federação, Fernando Gomes.

“Este sucesso não seria possível se não fosse um trabalho conjunto. Não seria possível sem as milhares de jogadoras que iniciaram a prática federada do futebol, sem os treinadores que apostaram nesta vertente, sem os clubes que integraram essas jogadoras, sem as associações que geriram as competições, sem as empresas que apostaram na modalidade ou sem a FPF que procurou propiciar todas as condições para conseguirmos estar no Mundial, já depois de termos estado duas vezes na fase final de Campeonato da Europa. Nesta hora do sucesso, envio ainda uma palavra especial a todas as famílias que ajudaram a transformar definitivamente as mentalidades. Hoje, em Portugal, ninguém dirá que o futebol é um desporto de rapazes ou de homens. Ao confiarem as vossas filhas ao futebol nacional, tornaram possível que hoje se diga que Portugal vai ao Campeonato do Mundo!”, acrescentou ainda Fernando Gomes numa mensagem no site oficial.

“Foi mais um momento histórico! Não consegui ver os últimos minutos do jogo, o meu relógio estava a dizer que a minha pulsação estava acima do normal… Mas elas merecem. Fizeram muito lá dentro mas lembro muitas outras que contribuíram e ajudaram muito nos últimos anos. Uma palavra também à minha Direção que nos últimos dez anos foi fantástica, deu-me um grande apoio. Devo tudo ao presidente, era um presente que lhe queríamos muito dar, foi o principal motor. Mais do que ninguém, todos nós ajudámos mas foram elas que o fizeram dentro de campo”, enalteceu Mónica Jorge, vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol e diretora para o futebol feminino que esteve também em Hamilton.

“É sempre possível chegar longe quando há uma entrega, quando há um espírito muito forte. Era um jogo difícil do ponto de vista emocional. Foram umas autênticas guerreiras. São um orgulho muito grande e vão marcar uma geração, vão fazer uma provocação nesta cultura, na mudança desta cultura desportiva que mais ninguém conseguiu”, concluiu Mónica Jorge visivelmente emocionada ao Canal 11.