Um hino cantado a plenos pulmões, uma roda a juntar todas as jogadoras antes do encontro para um último grito de guerra, o sorriso de Francisco Neto a olhar à volta enquanto se colocava na zona técnica. Portugal já estava há dez dias em Hamilton, na Nova Zelândia, mas chegara finalmente o dia que todos esperavam, das jogadoras aos treinadores, de todo o staff à Federação, de todas as praticantes a todos os adeptos. Depois de uma campanha com vários pontos altos como a vitória na Sérvia ou a goleada diante da Islândia, a Seleção estava apenas a 90 minutos de fazer história com a primeira presença de sempre numa fase final de um Campeonato do Mundo e não havia nada que desse mais confiança do que simplesmente olhar para a equipa nacional e perceber como o peso do encontro estava a ser encarado de forma natural e positiva.

“Sabemos que vai ser um jogo muito físico, com muitas transições, em que os Camarões vão procurar aproveitar as suas referências individuais que possam resolver o jogo e criar problemas a Portugal. É por isso que temos de fazer um jogo posicional perfeito, com e sem posse. Não podemos dar-lhes espaço para correrem com bola. Temos de ser muito competentes e focados em todos os momentos de jogo. A nossa principal preocupação é essa: não perder a nossa identidade”, focara na antecâmara do jogo Francisco Neto, selecionador nacional que preferia passar ao lado da vantagem no ranking em relação aos Camarões.

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“Temos estado bem, desde o Campeonato da Europa que a equipa tem tido performances muito boas. No playoff continental mantivemos o nosso caráter e espero que isso aconteça também aqui. Favoritos? Nos jogos a eliminar não há favoritos. Estamos a falar de uma equipa que já esteve duas vezes em fases finais de Campeonatos do Mundo, já adquiriu essa experiência e nós não. Além disso, sabe que está a 90 ou a 120 minutos de poder voltar ao Mundial e tem jogadoras experientes que atuam em bons campeonatos. Temos de estar ao mais alto nível neste jogo”, acrescentara ainda o selecionador antes de mais uma “final”.

Foi por cumprir esse plano que Portugal ficou mais perto de alcançar o sonho, foi por fazê-lo com gosto e prazer que fechou por completo as contas. Depois de duas presenças consecutivas na fase final do Europeu em 2017 e 2022 (ficando na fase de grupos sempre pelo menos a pontuar e a mostrar competência com as principais seleções na prova), a Seleção alcançou o passo que faltava num projeto que tem alguns anos mas que só agora consegue colher aquilo que foi semeando de forma discreta ao longo do tempo. Mérito da Federação, dos clubes, das próprias organizações. Mérito de Francisco Neto e da restante equipa técnica. Mérito sobretudo de um grupo de jogadoras que mostrou juntar talento, paixão e vontade para fechar aquele que é o último capítulo de uma história de sonho com a primeira qualificação para um Mundial. Ficará por aqui? Não, garantidamente. Mas o primeiro volume do futebol feminino ficou fechado em Hamilton.

O início do encontro confirmou essa confiança na capacidade que Portugal teria para assumir o jogo e jogar praticamente no meio-campo contrário, criando as duas primeiras oportunidades nos minutos iniciais com Jéssica Silva a ficar perto de surpreender a jovem Cathy Biya (16 anos) num cruzamento/remate desviado para canto (2′) e Kika Nazareth a desviar de cabeça ao poste na sequência da bola parada (3′). Os Camarões raramente conseguiam sequer passar do meio-campo, com as unidades mais adiantadas da Seleção a fazerem uma aposta na mobilidade para tentarem fugir a um jogo mais físico dos Camarões que valeu um amarelo e vários avisos logo a abrir, sendo que Portugal demorava apenas oito segundos para recuperar a bola contra 19 do adversário. O golo era uma questão de tempo e surgiu a meio do primeiro tempo, com Kika Nazareth a bater um livre ao poste e Diana Gomes a ser mais rápida a fazer a recarga na área (22′).

Só mesmo a partir desse momento os Camarões começaram a jogar de forma mais aberta para gáudio nas bancadas do presidente da Federação, o antigo avançado Samuel Eto’o, e Ajara Nchout deixou mesmo um primeiro sinal de perigo num remate cruzado defendido a dois tempos por Patrícia Morais (31′). Esse era o período menos conseguido de Portugal na partida mas que acabaria por diluir-se com o passar dos minutos, voltando o domínio da Seleção (com o triplo dos passes conseguidos) e as oportunidades entre um desvio de cabeça de Diana Silva após canto que passou muito perto do poste (42′) e um remate de primeira de Carole Costa com grande defesa de Cathy Biya (45′). Nchout ainda bateu um livre com perigo para defesa de Patrícia Morais para canto nos descontos mas Portugal saía com uma vantagem justa para o intervalo.

Tudo jogava a favor da Seleção e a equipa estava de tal forma descontraída que dava até para Kika Nazareth aproveitar os momentos de espera da equipa dos Camarões para fazer uns passinhos de dança no relvado. No entanto, e para o “baile” ser total, Portugal precisava do segundo golo para fechar as contas por completo e ter direito à merecida festa da passagem ao Mundial. Diana Silva ficou perto num desvio com nota artística após cruzamento de Jéssica Silva (48′), Andreia Norton ainda mais com um míssil a 30 metros da baliza que bateu com estrondo na trave (52′), Kika Nazareth também ameaçou num desvio por cima após jogada de Jéssica Silva (66′) e num remate defendido para a frente por Cathy Biya (70′). Esse 2-0 demorava a surgir e os ponteiros do relógio começaram também a contar numa gestão da margem mínima que nem por isso permitia que a equipa africana tivesse sequer uma chance para visar o empate até um final de loucos.

Michaela Abam conseguiu pela primeira vez ganhar a profundidade, foi mais rápida nas costas das centrais portuguesas e surgiu isolada para bater Patrícia Morais mas o golo acabou por ser anulado por fora de jogo (84′). Não foi, foi pouco depois: a pressão nos minutos finais acabou por dar frutos para os Camarões, com a inevitável Nchout a receber à entrada da área, a rodar e a rematar rasteiro para o empate em cima do minuto 90 que praticamente colocava a partida no prolongamento. Contudo, e mais uma vez, a Seleção agigantou-se. Não foi abaixo, não desistiu, não abalou com o golpe anímico. E uma jogada de envolvimento terminou com Johnson a cortar com o braço na área um remate de Andreia Jacinto, numa grande penalidade confirmada pelo VAR que permitiu a Carole Costa fazer o golo da vitória no quarto minuto de descontos.