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A ex-directora do São Luiz chegou ao CCB em dezembro para ocupar a posição de Diretora Artística para as Artes Performativas e o Pensamento, um cargo instituído pela nova presidente do Centro Cultural de Belém, Francisca Carneiro Fernandes

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A ex-directora do São Luiz chegou ao CCB em dezembro para ocupar a posição de Diretora Artística para as Artes Performativas e o Pensamento, um cargo instituído pela nova presidente do Centro Cultural de Belém, Francisca Carneiro Fernandes

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Aida Tavares, diretora artística no CCB: "Há um trabalho a desenvolver com novos públicos e artistas que nunca aqui entraram"

A nova diretora artística para as artes performativas e o pensamento do CCB quer mais abertura. Ao Observador, Aida Tavares avança prioridades: internacionalização e uma paridade absoluta.

Aida Tavares chegou em dezembro ao Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, e não tem perdido tempo. No gabinete amplo e luminoso, com uma vista desafogada sobre o rio, a nova diretora artística para as artes performativas e o pensamento do CCB, um cargo até aqui inexistente nesta que é uma das principais instituições culturais do país, reúne-se com uma importante encenadora nas vésperas do arranque do FeLiCidade, um festival por si programado que conseguiu furar a morosidade que habitualmente impera na programação cultural. Este sábado e domingo, 4 e 5 maio, vários espaços do CCB acolhem concertos, aulas, conversas, leituras encenadas e filmes em torno da pluralidade da língua portuguesa. Todos os eventos são de entrada livre.

A programadora cultural e o nome escolhido para ocupar o lugar instituído pela nova presidente do conselho de administração do CCB, Francisca Carneiro Fernandes, traz uma bagagem de duas décadas no Teatro São Luiz. Ali se afirmou na promoção da internacionalização da criação contemporânea portuguesa, mas também nas questões da igualdade de género (“a última temporada que programei tinha uma paridade absoluta entre homens e mulheres criadores”, congratula-se). Aida Tavares traz semelhantes preocupações para uma instituição com “uma escala maior que só a cidade” e que quer ver recuperar “a centralidade que teve”.

“Há muitas pessoas que provavelmente vão entrar no CCB pela primeira vez”, diz em entrevista ao Observador, a dias do arranque de um festival que espera que seja o primeiro passo de um “lastro” que quer deixar num monumental edifício que deseja ver ocupado. “Temos muito público, felizmente, não é essa a questão, mas há mais público. Os tempos mudaram”, nota. “Adorava chegar aqui ao sábado e domingo e ver pessoas a dançar, a andar de skate. Essa relação de uso do espaço, de se apoderarem do espaço que é seu. Quando as pessoas fazem isso é porque está tudo certo. Aquele espaço pertence-lhes. Gostava muito de conseguir isso um dia no CCB”.

Chegou há quatro meses. O que fez primeiro?
Conhecer o mais possível as pessoas que aqui trabalham, os modelos de trabalho, a própria estrutura, a macroestrutura e a microestrutura. Uma coisa é conhecermos a macro, mas depois há questões do modo de funcionar, dos fluxos de informação. Este modelo é diferente, até pela dimensão. Obrigatoriamente é uma estrutura diferente. Tive necessidade de me ajustar a uma estrutura completamente diferente, bastante maior. Depois, achei a melhor forma de conhecer a estrutura aos vários níveis era através de um projeto, o [festival] Felicidade.

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O que é diferente?
O São Luiz faz parte de vinte e tal equipamentos da EGEAC. É uma empresa mãe que faz essa ligação dos equipamentos todos, não estamos todos sequer no mesmo local e isso tem impacto, até nas formas de trabalhar. Ou seja, são uma espécie de núcleos da mãe EGEAC, na verdade, e são bastante autónomos desse ponto de vista. Eu aqui não sabia como é que funcionava. Por outro lado, uma fundação como o CCB, com esta magnitude e com esta importância, sendo que tem uma área de artes performativas e pensamento, tem um museu e tem uma grande área também que tem a ver com o módulo 1 das salas, dos alugueres, dos eventos. São dinâmicas muito diferentes. E esse equilíbrio entre estas vertentes é muito interessante e muito desafiante, porque é um outro modelo de pensamento. Às vezes perguntam-me se isso tem algum efeito no modo como eu penso a programação. Não, não tem. São equilíbrios diferentes. Só o facto de termos um museu e podermos fazer este chão comum, que é o nome desta temporada, essa possibilidade de transversalidade destas áreas, é um desafio gigante. Estou muito ansiosa para que a Núria [Enguita, curadora do MAC/CCB] chegue também, porque acho que é também muito interessante esta relação, porque não há mais nenhum espaço. Enfim, há Serralves, mas não com esta dimensão das artes performativas. A dinâmica de ter estas artes performativas e ter um museu dá uma capacidade e uma possibilidade imensa de fazer muitas coisas.

Como as performances do bailarino Romeu Runa — Romeu, ‘my deer’ e Sybille —, apresentadas em fevereiro, que dialogavam com a exposição Atravessar uma ponte em chamas, de Berlinde De Bruyckere, e que aconteceram no espaço da exposição, no museu MAC/CCB.
Exatamente. Ou a Joana Gama agora, que fez o [ritual com piano de uma peça do compositor Erik] Satie também [numa das salas do MAC/CCB]. Essa relação é muito interessante.

Este género de apresentações que diluem as fronteiras do museu e do centro de artes performativas deixará de ser uma exceção?
Exato. Passa a ser também uma forma de olhar para este espaço enquanto chão comum. De facto, cada vez mais, nós que acompanhamos estas áreas percebemos essa transversalidade e esse transbordar que as artes têm. O espetáculo do Romeu Runa é um bom exemplo, uma instalação performativa. Essa relação das artes visuais, da dança, do movimento, no caso do Romeu, é muito interessante. E ela trespassa estas áreas todas.

"Um mandato é pouco porque a cultura é um tempo lento. [Para um diretor artístico] dois mandatos está ótimo. Há um tempo e depois deve-se dar lugar a outras pessoas, a outras vozes, a outras estéticas, a outros pensamentos."

Desde a sua saída do Teatro São Luiz que o seu nome vinha sendo apontado nos bastidores para um cargo no CCB. Quando recebeu o convite?
Recebi o convite pouco tempo antes de entrar. Os rumores começaram muito antes de eu saber. Acho que é natural quando as pessoas veem alguém a sair. Naquele caso, achei que era o momento. Fiz dois mandatos. Continuo a achar que um mandato muitas vezes é pouco. Um diretor artístico recebe muita programação. Vai-me acontecer a mim aqui e aconteceu com o Miguel Loureiro, no São Luiz. Ele herdou uma primeira temporada minha fechada, como eu herdo dos programadores a próxima temporada. Portanto, na verdade, um mandato é pouco porque a cultura é um tempo lento. Dois mandatos está ótimo. Há um tempo e depois deve-se dar lugar a outras pessoas, a outras vozes, a outras estéticas, a outros pensamentos. Acho que isso é mesmo importante. Depois dos anos que estive no São Luiz, as pessoas acharem que eu ia para outro sítio ou questionarem para onde é que eu iria era natural.

Aceitou de imediato?
Não foi imediato. Claro que pensei: é um desafio enorme. É uma casa com a qual tenho uma relação de grande proximidade. Conheço uma boa parte da equipa que trabalha aqui porque trabalharam alguns comigo na Expo 98 (foi chefe de projeto do Festival dos Cem Dias), no Teatro Camões. Foi uma casa por onde passei em 1999 e fiz aqui vários projetos ao longo de quase um ano. Portanto, tenho uma relação particular com o CCB.

O que me levou também a aceitar foi a Francisca Carneiro Fernandes e a assunção de uma nova presidência também. Estamos bastante alinhadas naquilo que entendemos que deve ser a Fundação e o Centro Cultural de Belém na perspetiva das artes performativas. Foi sobretudo isso também que me levou a aceitar.

A sua chegada consolida um destaque claro dado às artes performativas no Centro Cultural de Belém. Aquando da inauguração do museu MAC/CCB, Pedro Adão e Silva, então ministro da Cultura, sublinhava estar presente no “único espaço no país em que temos um centro de artes performativas com esta dimensão”. Como é que olhava para a instituição, de fora?
Tive vários momentos em que olhei de formas diferentes. O CCB, ao longo de todos os anos, teve muitas mudanças, muitos momentos muito preponderantes e determinantes na criação portuguesa e outros menos importantes. Não obstante, há aqui um legado enorme, muitas pessoas passaram por aqui: o António Mega Ferreira, a Luísa Taveira, o Vasco Graça Moura. Há um legado deixado, mas acho que o convite é agora encontrar também novos caminhos. O facto de o Museu Berardo ter estado nesta situação durante estes anos todos também levou a esse afastamento. Não tem nada a ver com estar a fazer bem ou mal, é um novo caminho. O Museu agora chega novamente ao CCB e há que repensar novamente o modelo. Passaram muitos anos. A diferença destes dez anos é imensa na Cultura. Muita coisa mudou em dez anos. Acho que é esse caminho que se tenta repensar.

O primeiro gesto da programação de Aida Tavares no CCB é o FeLiCidade, um festival que junta música, literatura, performance e cinema para celebrar a língua portuguesa

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Foi há menos de dez anos que Miguel Honrado — com quem vive em união de facto — foi administrador desta casa. Que impacto teve isso na imagem que tem do funcionamento do CCB? 
O facto de o Miguel ter sido administrador?

Sim, dado que o foi durante apenas oito meses apenas, saindo em rutura com o CCB por “não se rever na orientação do projeto”.
As pessoas assumem e vivem as coisas de formas diferentes. O Miguel é o Miguel, eu sou eu. Isso não teve impacto rigorosamente nenhum na minha decisão. Ou seja, como diz, se foi em rutura, provavelmente isso deveria ter um impacto em mim de pensar: “nem pensar”. Mas não sou essa pessoa que determina a sua vontade e o seu pensamento sobre uma matéria a propósito de terceiros. Não me faz sentido. Encaramos as coisas de formas diferentes, somos duas pessoas muito diferentes desse ponto de vista. Não teve impacto nenhum.

No comunicado do CCB que a anuncia é classificada como “uma contratação considerada essencial e urgente para o cumprimento da missão integral da instituição”.
Não fui eu que disse [risos].

Qual é para si a missão do CCB? Como é que vê o lugar deste espaço no panorama cultural, não apenas da cidade, mas do país?
O CCB tem uma marca de grandes projetos e grandes espetáculos que continuarão naturalmente. Há um trabalho de centralidade do próprio CCB que provavelmente nos últimos anos se perdeu, não obstante as questões que eu disse relativamente ao museu. O CCB tem que encontrar também o seu espaço, não só na cidade, acho que numa escala maior que só a cidade. O CCB é um equipamento com uma escala metropolitana, tem de procurar esse lugar de centralidade novamente que teve. Quando falamos numa escala metropolitana quer dizer que há um trabalho também a desenvolver, de novos públicos, de uma relação de comunidades, com novos artistas que nunca entraram no CCB. O Felicidade também é um exemplo disso. Essa escala nacional e metropolitana é muito importante.

E depois há uma escala que é a escala internacional. Pode parecer auto-elogio, mas não é, mas o trabalho que desenvolvi no São Luiz foi de facto o de colocar o São Luiz e muitos artistas numa escala internacional, sobretudo numa escala europeia. Fui convidada para integrar com o São Luiz a Rede Prospero – Extended Theatre. Agora aguardamos a próxima candidatura, para saber se foi aceite ou não e se a Rede Prospero vem para aqui [CCB] novamente.

É muito bonito porque a Rede Prospero nasceu aqui, com António Mega Ferreira e com a Gabriela Cerqueira, duas pessoas que muito estimo. O regresso da Próspero aqui é muito interessante porque é essa dimensão internacional, da relação com vários parceiros. A Rede Prospero tem 19 parceiros, os principais teatros da Europa e todos os festivais, praticamente. Essa escala, nessa relação de parcerias, é fundamental. Quando falamos nisto dizem que é para trazer espetáculos estrangeiros. Também, mas não é só isso. É também pela internacionalização dos nossos artistas. O Marco Martins esteve agora na Schaubühne, com o Pêndulo, uma produção nossa. Fui eu, foi o São Luiz, que conseguiu que Marco se apresentasse no FIND, um festivais mais importantes de nova dramaturgia na Europa. É um trabalho de muito tempo, foram precisos quatro anos para que conseguíssemos esta relação. O Marco foi o artista escolhido da Prospero na candidatura do São Luiz.  São trabalhos de muito tempo. Orgulho-me muito de no São Luiz termos uma lista imensa de artistas e de companhias com quem criámos essa relação internacional.

"Há teatros que têm cinco ou seis produções por ano e zero mulheres. Isso existe ainda hoje e não é uma preocupação."

Trabalhou na candidatura do CCB à rede Prospero nestes primeiros meses, portanto?
Sim.

Quando são conhecidos os resultados?
Em junho.

A sua chegada ao CCB é acompanhada de outras mulheres, a arquiteta Mariana Pestana, para o centro de arquitetura e a curadora Nuria Enguita para o MAC/CCB.
E a Francisca, presidente do CCB.

Sendo as lideranças femininas nas instituições raras, como interpreta estas escolhas?
Fico feliz, é a primeira coisa que tenho a dizer. Por um lado, uma instituição destas nunca tinha tido uma mulher, uma Francisca. E isso é muito interessante, porque a Francisca, além do currículo e do trajeto que se lhe reconhece, quando pensamos nela, é uma mulher não só de representação, representatividade, mas de trabalho, de fazer, de pensar as coisas em conjunto. É muito interessante o perfil da Francisca para dirigir uma fundação com esta dimensão. Depois, acho que isto prova também que, finalmente, começamos a estar equiparadas e a ter essa questão da paridade presente nas nossas vidas. Começámos esse trajeto: de ser uma coisa natural, escolher os melhores e entre eles são mulheres.

No São Luiz, do ponto de vista dos artistas, das mulheres, também foi sempre uma grande preocupação e uma das questões que mais me tocou. No dia em que fui convidada pela vereadora Catarina Vaz Pinto a assumir a direção artística, peguei num lápis e num papel e fiz, sem pensar, uma lista das pessoas que nunca tinham estado no São Luiz e que acho que faziam sentido rapidamente estar. Dessas, 90% eram mulheres criadoras.

Fez esse mesmo exercício no primeiro dia no CCB?
Ainda não. Mas tenho a certeza que é muito semelhante. Esse exercício ajudou-me ao posicionamento do teatro. Por outro lado, comecei a reparar nos teatros vizinhos, nas outras direções, se havia essa preocupação. Ela não existe. Há teatros que têm cinco ou seis produções por ano e zero mulheres, ou uma mulher em cinco anos. Isso existe ainda hoje e não é uma preocupação. Quando olhava para aquela lista fazia também o exercício de pensar: mas porque é que estas pessoas, estas mulheres, não estão no teatro, já com o trajeto que têm? Acho que era mesmo porque os homens passam à frente nestas coisas, têm um outro impacto na sociedade que as mulheres não tinham. Estamos a falar há oito anos. Acho que as coisas têm vindo, de facto, a mudar e há uma preocupação maior. Mas sempre tive essa preocupação. A última temporada que programei no São Luiz tinha uma paridade absoluta entre homens e mulheres criadores. Isso foi uma vitória. Era um objetivo que eu queria cumprir.

"Há um trabalho de centralidade do próprio CCB que provavelmente nos últimos anos se perdeu. Há um trabalho a desenvolver de novos públicos, de uma relação de comunidades, com novos artistas que nunca entraram no CCB."

É isso que espera que aconteça no CCB?
Também.

A arquiteta Mariana Pestana, a nova curadora-chefe do centro de arquitetura do MAC/CCB, chegou através de um concurso público. Nuria Enguita, a curadora espanhola escolhida para a direção artística do MAC/CCB, foi encontrada também através de um concurso internacional. O que conclui do facto de ser a única adição recente que chegou por convite?
Não concluo nada de extraordinário. Concluo que se pensava, como em outros teatros, que eu tinha o perfil indicado para fazer e tinha provas dadas para fazer a mudança, o novo caminho que se queria para o CCB. Como sabe, o engenheiro Carlos Moedas tinha no programa eleitoral que era tudo por concurso. E convidou o Miguel Loureiro e não houve nenhuma questão.

Houve, pelo menos, uma questão do Observador.
Houve. Estou a dizer isto porque ele tem todo o direito de ter mudado de dado ideias. Aqui nunca houve essa preocupação. Há momentos em que se acha que há uma pessoa com o perfil indicado para fazer, para cumprir um determinado princípio e aquilo que se considera que a instituição precisa nesse momento. E há outros momentos em que se acha que se pode abrir para concurso. Enfim, não faço nenhuma leitura particular sobre isso.

Em 2015, aquando do seu segundo mandato no São Luiz, houve alguma contestação pelo facto de ter sido dito que ia ser aberto um concurso, quando depois acabou por ser escolhida através de uma nomeação.
A história não é assim. Houve um concurso e o júri decidiu por unanimidade, e isso também pode acontecer nos concursos, que nenhuma daquelas pessoas tinha perfil para ser diretora artística. Foi isso que aconteceu. A vereadora na altura decidiu convidar-me. Foi isso. Houve um concurso. Eu não concorri, tinha feito o concurso anterior e decidi não concorrer, não estava com capacidade na altura para fazer isso. Às vezes isso acontece, os concursos ou ficam vagos ou então o júri pondera e diz que nenhuma das pessoas tem capacidade ou condições, seja pelo projeto, pela entrevista, um sem número de questões, mas que não tem perfil para integrar aquela função. Foi isso que aconteceu.

Depois de mais de duas décadas no Teatro São Luiz, Aida Tavares chega ao CCB num novo ciclo daquela que é uma das principais instituições culturais do país

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Quando foi anunciada como diretora artística para as Artes Performativas e o Pensamento do CCB não ficou claro como é que o cargo se articularia com o de Fernando Luís Sampaio, então responsável pela programação de “teatro, dança e músicas plurais” e o de Paula Fonseca, diretora de artes performativas. Como é que se articulam, de facto?
A Paula Fonseca já não está [no CCB]. Neste momento a estrutura funciona com uma direção artística, esta unidade orgânica que chamamos de Artes Performativas e Pensamento. É dirigida pela direção artística, que trabalha com os programadores: com o Césario Costa para a música erudita, com a Madalena Wallenstein para a Fábrica das Artes, que inclui a programação infanto-juvenil, e o Fernando Luís Sampaio, que tem a música, outras músicas além da música erudita.

Havendo um diretor artístico, naturalmente vou programar muito sobretudo o teatro e a dança, alguma música, mas mais estas áreas e o pensamento. Sendo que, depois, todas estas áreas têm uma articulação em termos de linhas estratégicas. No fundo, é esse o funcionamento. Depois temos a Cláudia [Belchior], que faz a coordenação executiva geral. Da Cláudia dependem as equipas técnicas. Basicamente é esta a estrutura.

Qual é o orçamento atual para a programação?
Ainda não sei. Durante o mês de maio provavelmente vamos fazer essa definição do orçamento.

Foi diretora do São Luiz, equipamento municipal, com uma autarquia socialista.
Mas entrei para aquele teatro numa autarquia com o doutor Pedro Santana Lopes. Esquecem-se todos disto. Entro para o São Luiz com o professor Jorge Salaviza era o doutor Pedro Santana Lopes presidente [da Câmara Municipal de Lisboa].

Mas enquanto diretora artística, liderou o teatro sempre sob gestão de uma câmara socialista. Anunciou a sua saída com a chegada do social-democrata Carlos Moedas à CML e uma nova presidência na empresa municipal EGEAC, que tutela o São Luiz. Porque decidiu sair? Foi de facto por considerar mais de dois mandatos excessivo?
Sim, completamente. O meu mandato terminava em fevereiro. Em novembro, falei com o Conselho de Administração, explicando que não queria continuar. Achava que os dois mandatos estavam bons, que queria também repensar um bocadinho o que é que me apetecia fazer a seguir.

A mudança do ciclo político não teve influência?
Nenhuma. Aquilo que na altura disse ao Conselho de Administração da EGEAC, e depois ao vereador Diogo Moura, foi que, como estava inscrito no programa que iam fazer concurso, o meu mandato terminava em fevereiro e eu queria mesmo sair, pois não fazia sentido fazer um terceiro mandato, mais quatro anos. No fundo, fazia 12 anos de direção artística. Acho mesmo muito. Oito anos está bom, é mudar para outras pessoas.

Eles foram surpreendidos, mas como tinha a programação já desenhada do ano seguinte disse que estava disponível para ficar pelo menos até ao final da temporada, julho. Dava tempo, em termos de calendário, de lançar o concurso, que demora sempre pelo menos seis meses. Como depois a Câmara, ou a EGEAC, não sei, resolveram que não havia concurso e que nomeavam o Miguel, saí em maio por isso. Foi me anunciado umas semanas antes que não haveria concurso e que iam fazer uma nomeação direta. Tive logo ali uma série de reuniões com o Miguelinho e saí.

Não tive nenhuma questão [com o executivo], continuei a trabalhar com o mesmo orçamento, não houve nenhuma questão que determinasse que as coisas iam mudar. Conheço muito bem a Susana Graça, o Pedro Moreira, que foi meu colega na EGEAC.

Chega ao CCB, fundação pública de direito privado, na mesma altura em que começa um novo ciclo político, com um governo de direita. Que peso tem para si a ideologia quando exerce um cargo como este?
Tem muita. A questão aqui que se coloca não é em termos de ideologia de partidos. Há grandes questões que me preocupam, que são muito claras também naquilo que determinam neste momento os espetáculos e as preocupações também dos artistas. Basta ouvir a entrevista do Tiago Rodrigues ao podcast A beleza das pequenas coisas (Expresso). No fundo, aquelas questões que o Tiago coloca são questões que a mim me atormentam também.

De que forma é que podemos, de facto, trabalhar estas relações com as pessoas, e a relação com o espetáculo? Como é que essa mudança pode operar na nossa vida, vermos um espetáculo e fazer-nos refletir? Não tem a ver com refletir como eu reflito, ou ficar com a mesma ideia que eu tenho, mas é essa capacidade de ouvirmos os outros. Estamos a perder isso enquanto sociedade. Isso é uma enorme preocupação. Por isso, provavelmente, estamos a fazer uma viragem de um radicalismo e de um conservadorismo que é preocupante. Tem mais a ver com isso, não tem a ver com a ideologia do ponto de vista político.

Na única entrevista dada em funções, a presidente do CCB, Francisca Fernandes, disse sentir “falta de uma abertura a novos públicos” e que “a Aida Tavares tirou a mesma conclusão”. Falava de uma falta de abertura a um “público mais jovem, de comunidades específicas, de brasileiros, por exemplo”, e da importância de “trabalhar a diversidade e a presença efetiva de pessoas que, usualmente, se calhar ouvem falar do CCB e pensam que não é para elas” [do jornal Público]. É nesse contexto que o seu primeiro gesto da sua programação é este FeLiCidade — Festival da Língua e da Liberdade na Cidade, em que as conversas são quase exclusivamente marcadas por uma ligação Portugal-Angola-Brasil-Cabo Verde-Guiné-Moçambique?
Isso tem a ver com o facto de estarmos a celebrar o Dia da Língua Portuguesa. O pretexto para este festival tem a ver com o facto de estarmos a celebrar os 50 anos do 25 de Abril, naturalmente, e colocarmos esta questão da língua que nos une enquanto casa, enquanto comunidade. O Dia Mundial da Língua é um dia em que aproveitámos para fazer uma reflexão em torno das questões da língua, uma língua que também foi motivo de exclusão, foi motivo de repressão, mas também é motivo de união, de unidade, portanto, toda essa reflexão em torno das questões da língua. Agora, se me perguntar se sim, se isto é…

Uma declaração de intenções.
Sim, de alguma forma. A programação não vai ser só este tipo de trabalho, mas outro também, que não deve ser deixado para trás. Pode ser um elemento também de lastro que deixe. Acredito que há muitas pessoas que provavelmente vão entrar no CCB pela primeira vez. Acho que isso é muito importante, essa dimensão desta casa, que tem uma arquitetura absolutamente extraordinária, e que, de facto, é aberta, mas que ao mesmo tempo tem um lado de muralha. Temos trabalho e pensamento sobre isso.

A programadora cultural tem um percurso afirmado na internacionalização da criação contemporânea portuguesa. No CCB, espera continuar a trilhar esse caminho

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É uma muralha por vezes intransponível?
O que acho mais interessante é que ela tem um aspeto muralhado, mas ao mesmo tempo é muito aberta, tem muitos caminhos a cruzá-la no meio. Gosto imenso deste edifício. Há pessoas que odeiam, mas eu sempre gostei. Tem essa dimensão de muralha, mas de uma muralha transponível. É isso que acho, tem estes caminhos que a ligam e que provavelmente alguns não conhecem. Temos muito público, felizmente, não é essa a questão, mas há mais público. Os tempos mudaram.

Há um público que tem determinados hábitos e uma determinada oferta. No CCB ela vai continuar, naturalmente, não vou fazer ruturas desse ponto de vista. Há muito trabalho bem feito e que deve continuar, mas devemos alargar. Devemos alargar numa perspetiva de um trabalho de facto de públicos. A Fábrica das Artes tem um projeto que se chama O Espectador Emancipado, a propósito da obra. É um trabalho incrível feito com comunidades, com jovens, com alunos. Gostava muito de transformar este espectador emancipado num projeto muito mais transversal dos públicos do CCB. É esse tipo de trabalho, esse lastro, que é importante o CCB ter.

Adorava chegar aqui ao sábado e domingo e ver uma ocupação maior destes espaços nesses dias, de ver pessoas a dançar, a andar de skate. Essa relação de uso do espaço, de se apoderarem do espaço que é seu. Isso é muito bonito. Acho que quando as pessoas fazem isso é porque está tudo certo. Aquele espaço pertence-lhes. Gostava muito de conseguir isso um dia no CCB.

O que pode antecipar do que será a sua programação?
Não vou falar em detalhe, mas na verdade a próxima temporada é uma temporada que já está muito programada. Tinha já muitos projetos fechados.

Houve margem para um festival.
Foi um financiamento que consegui e que coloquei em cima da programação que já estava. A programação de salas já está muito fechada e tem coisas fantásticas. Vou coser entre aquilo que já existe. Chamo à próxima temporada uma temporada zero. É percebermos que pode haver um caminho diferente, sobretudo com os públicos e alguns artistas, mas que ainda é um caminho. É um primeiro passo, não é um passo completo. Este Felicidade é esse cartão de visita. A preparação tem sido muito feliz. O CCB tem uma equipa extraordinária. Toda a gente abraçou a ideia de fazer um festival num contexto em que já tínhamos uma programação. O facto de ter feito este festival em tão pouco tempo, que é uma loucura, é um espécie de curso intensivo. Aprendi mais nestes quatro meses de trabalho com a equipa a produzir este festival do que se calhar daqui a um ano. Tenho uma noção muito mais clara do que é a estrutura, as pessoas, os interesses e como funcionam os fluxos de informação. É um presente. A partir daqui vai ser mais fácil.

"Há muitas pessoas que provavelmente vão entrar no CCB pela primeira vez. Isso é muito importante, essa dimensão desta casa, que tem uma arquitetura absolutamente extraordinária, e que, de facto, é aberta, mas que ao mesmo tempo tem um lado de muralha."

Estando o CCB muito próximo do Padrão dos Descobrimentos, da Praça do Império, a programação deste festival é, de alguma forma, um manifesto?
Não sendo um manifesto nesse sentido do termo, de facto obviamente que quando pensei nessa programação estamos a fazer destes países, do Dia da Língua, da palavra lusofonia, do nome “Praça do Império”, da palavra “Descobrimentos”, estas palavras estiveram muito presentes com este corpo de curadores, que trabalhou comigo ao longo destes meses na montagem deste festival. Isso também é muito interessante. Essa possibilidade de abrir as nossas programações e o nosso pensamento sobre o que é a programação hoje em dia a outras linguagens, a outras pessoas. Dá muito trabalho, mas é muito mais rico para todos: para os artistas e para o público. Essa conversa e essa relação de discutirmos sobre os temas enriquece-nos a todos.

Falando não de manifestos, mas de manifestações, o espaço do teatro tem sido palco de várias. Em outubro, jovens do movimento Climáximo interromperam uma peça no São Luiz. Também aqui no CCB, o mesmo grupo atirou tinta vermelha sobre um quadro de Picasso no MAC/CCB. Compreende estes protestos?
Coloco muitas vezes essa questão. Percebo, acho que estamos mesmo no limite. Acho normal que os jovens tenham este foco e essa preocupação. Claro que se me pergunta: “se estragarem uma obra de arte faz sentido?” Não acho que faz qualquer tipo de sentido. Agora, este foco e este protesto sobre as questões climáticas são mesmo muito importantes, mesmo para os teatros e os artistas são temáticas importantes.

Como é que tornamos sustentáveis, por exemplo, as tournées dos artistas? É uma pegada terrível. Há artistas a pensar sobre estas matérias. Há artistas que recusam circular os seus espetáculos. Isso coloca outro tipo de questões. Estamos a entrar num momento em que espero que isto seja um foco. Não há mais nada a provar, estamos a caminho do abismo. Já saltámos, estamos a meio da queda e provavelmente ainda não demos por isso. Acho que é de uma enorme pertinência.

Disse que dois mandatos é muito tempo. Quanto tempo espera ficar no CCB?
Acabei de chegar! Não faço ideia. Tenho um mandato de quatro anos. O que é que lhe vai apetecer a si, vai-lhe apetecer estar no mesmo jornal? Neste momento estou muito entusiasmada. Apetece-me todos os dias vir trabalhar. A alegria no trabalho para mim é fundamental.

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