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© Hugo Amaral/Observador

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Amigos improváveis nas bancadas do Parlamento

Nem só de insultos vive o Parlamento. Há quem admire o colega da bancada oposta, quem à esquerda aplauda intervenções à direita, ou vice-versa, e há até quem passe férias junto. Amigos improváveis?

Conheceram-se numa situação verdadeiramente improvável. A Assembleia da República tem um grupo desportivo parlamentar e naquele dia estava a promover uma aula de surf. Sérgio Sousa Pinto, deputado do PS, e Nuno Encarnação, deputado do PSD, não se conheciam mais do que através de breves acenos de cabeça em jeito de ‘olá, como está’. Ou nem isso. Mas lá foram. Eram os únicos deputados no grupo de aprendizes – “e ainda bem, era da maneira que não havia testemunhas”.

“Era tal o nosso pendor para o surf que nos identificámos logo”. Ou queda, literalmente, brinca Sousa Pinto. Isto foi há cerca de cinco anos. Desde então nunca mais voltaram a tentar surfar – “desistimos por manifesta inépcia” -, mas ficaram amigos. Isso sim.

Também não seria para menos: “Duas pessoas que se conhecem a fazer cabriolices na água e a cobrirem-se de ridículo criam uma espécie de cumplicidade, no mínimo”, resume o socialista com ironia. E ainda hoje, em conversa com o Observador, os dois deputados, de fato e gravata, riem a bandeiras despregadas ao recordar o dia em que, de fato de licra (um deles vestido do avesso), se conheceram fora do contexto parlamentar.

Sérgio Sousa Pinto (PS), à esquerda, Nuno Encarnação (PSD), à direita. © Hugo Amaral/Observador

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Sérgio Sousa Pinto é deputado do PS há seis anos, e entre 1995 e 1999 também já tinha ocupado um lugar na bancada socialista. Membro da direção do partido, responsável pelas relações internacionais, é atualmente presidente da comissão parlamentar dos Negócios Estrangeiros. Nuno Encarnação chegou ao Parlamento pelas listas do PSD, eleito por Coimbra, também há seis anos, em 2009. Não partilha a mesma comissão que Sousa Pinto. A sua praia é outra: bancário de profissão, acompanha os assuntos económicos e também a comunicação.

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Mas nem por isso deixaram de se cruzar e de construir uma relação de amizade. Daquelas a sério, que duram, “não é uma coisa circunstancial por estarmos aqui sentados todas as semanas”, explica Nuno Encarnação, acrescentando que não é raro as famílias de ambos se juntarem ao fim de semana, ou nas férias. É que, tanto o deputado socialista como o deputado social-democrata, têm dois filhos, o primeiro dois rapazes, de 7 e 10 anos, o segundo duas raparigas, precisamente com as mesmas idades. Resultado: “dão-se na perfeição” e são muitas vezes o motivo ideal para os encontros extra-parlamentares.

(Por falar nisso, é quinta-feira e são quase 17h, é hora de os ir buscar à escola e voltar a tempo de concluir os trabalhos no plenário, lembram-se os dois. As crianças  de um e do outro não frequentam a mesma escola, mas partilham muitas vezes o ‘recreio’ do pátio da Assembleia da República).

Amigos, amigos, política à parte?

O facto de se sentarem em dois lados diferentes da barricada, um no partido do atual Governo, o outro no maior partido da oposição, é dissociável das “afinidades”. “Não há nenhum tipo de amizade especial de deputados”, atira Sérgio Sousa Pinto. “As pessoas fazem amizade com quem sentem mais afinidade e não é a política que vai separar amigos”. Ponto.

Mas o outro lado também é válido: não é por serem amigos que ficam impedidos de entrar no debate político, muitas vezes aguerrido. “A amizade não corta a nossa liberdade no pensamento político”, garante Nuno Encarnação. Então falam de política? “Sempre, passamos o tempo quase todo a falar de política”. E a discordar.

"As pessoas fazem amizade com quem sentem mais afinidade e não é a política que vai separar amigos"
Sérgio Sousa Pinto

Só houve uma situação em que a amizade cortou, de facto, o debate político, contam os dois em conversa com o Observador. Foi quando foram convidados por um canal de televisão para debater um determinado assunto um contra o outro. Sérgio Sousa Pinto recusou, disse que preferia debater com outro deputado do PSD que não Nuno Encarnação. Porquê? Por uma questão de princípio e de à vontade (que não se deve confundir com ‘à vontadinha’). Ou seja, debatem sim, a toda a hora, enquanto os filhos brincam uns com os outros ou enquanto almoçam aos fins de semana, em Sintra, mas longe das câmaras e dos holofotes. Nem no plenário se recordam de algum dia terem entrado em debate um contra o outro.

Certo é que são mais as vezes que discordam do que as que concordam. Ou melhor, concordam em discordar. “Onde convergimos mais é quando ele está a dizer mal do partido dele e eu do meu, aí convergimos sempre”, atira Sérgio Sousa Pinto, com a ironia do costume. Em todo o caso, falam sempre. Até mesmo depois das intervenções públicas. “Geralmente acabo por lhe dizer onde concordo e onde discordo, há sempre algumas partes em que não concordo e muitas em que o massacro”, atira Nuno Encarnação, embora o “massacre” não pareça surtir qualquer efeito no adversário político.

“Entra por um ouvido e sai por outro”, responde imediatamente Sousa Pinto. Amigos, amigos, política à parte.

“Quase fiquei sem pele nas mãos de tanto bater palmas”

Isabel Moreira, deputada do PS, e João Lobo, do PSD, não passam férias juntos, nem partilham almoços ou eventos de amigos em comum. Mas não são raras as vezes em que se põem à conversa, dentro ou fora do Parlamento – frequentemente nos jardins da Assembleia. O tema não varia muito: se não for política, é literatura. Ambos escritores, trocam livros e até arriscam fazer a crítica literária um do outro.

Foi precisamente a propósito do último livro da deputada socialista, ‘Apátrida’, que aumentou a “estima e admiração” de um pelo outro. Isabel Moreira ofereceu um exemplar a João Lobo, que escreveu depois uma crítica “absolutamente extraordinária” sobre o livro. Texto que enviou para a autora e que ela guarda religiosamente “só para si”. “Significa que tirou horas do seu tempo para escrever um texto que não era para ser publicado em lado nenhum, não era para se mostrar a ele, era apenas para mo oferecer a mim”, conta a deputada.

João Lobo (PSD) e Isabel Moreira (PS). © Hugo Amaral/Observador

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Está bem que não faltam convites para um almoço ou jantar “lá em casa”. Mas ainda não se proporcionou. “Já disse à minha esposa e aos meus filhos que queria que conhecessem a deputada Isabel Moreira”, diz o social-democrata ao Observador. Porquê? “Porque tenho uma sintonia muito grande com ela, porque admiro muitas coisas nela, é uma pessoa verdadeiramente livre e de uma grande frontalidade, que não deixa de se vincular à sua consciência e de fazer ver os seus valores, independentemente do partido a que pertence”, diz.

Os elogios são mútuos. “Tem uma enorme capacidade de indignação, é um homem extremamente livre e inteligente, com uma enorme capacidade de respeitar e reconhecer a qualidade do trabalho dos outros”, sintetiza Isabel Moreira.

Foi, aliás, esse respeito mútuo que os aproximou, dizem, acrescentando que este tipo de relação não se cria com todos os colegas parlamentares, nem de bancadas diferentes nem sequer da mesma bancada política.

“Tenho uma grande admiração pela deputada Isabel Moreira. Só abrimos a porta da nossa casa aos amigos e eu, sem lho dizer, sei que ela é minha amiga”
João Lobo

A verdade é que ambos partilham a comissão parlamentar dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, em lados opostos da sala número seis, e o relacionamento entre os dois adversários políticos é sempre feito na base da cordialidade, mesmo nos assuntos mais discordantes e sensíveis.

Segundo confidencia o deputado João Lobo ao Observador (e à própria Isabel Moreira) foi numa dessas sessões da primeira comissão que se deu o ‘clique’: “Um dia discutíamos um assunto constitucional complicadíssimo, e eu nem me atrevo a discutir direito constitucional com ela, mas a deputada apresentou uma proposta de parecer que eu não concordei. Disse-lhe por que não concordava, e ela disse ‘vou pensar’. No dia a seguir veio-me dizer ‘você tem razão’. E mudou. Foi um ato de grande humildade e superioridade”.

“Encarnamos as perspetivas programáticas de cada um dos partidos, vinculamos isso ao interesse nacional, mas para além de tudo isso, sabemos que a política é apenas uma dimensão da vida das pessoas, depois da política há muitas outras dimensões”. João Lobo

Os partidos ficam de fora, no que à dimensão humana da política diz respeito. Prova disso são os aplausos públicos que a deputada socialista garante não ter pudor em dirigir a colegas de bancadas opostas. Não a muitos, não a todos, é certo. Mas Isabel Moreira recorda-se bem do dia em que aplaudiu “até ficar quase sem pele nas mãos” uma intervenção do colega social-democrata no plenário do Parlamento.

“Foi quando se punha em causa de forma quase generalizada a classe do advogados. Pude ver de perto a violência bela com que o deputado João Lobo interveio, das entranhas… Já a intervenção tinha acabado e eu acho que ainda continuava a bater palmas”, diz.

Do Bloco ao CDS, uma questão de admiração e respeito intelectual

Do Bloco de Esquerda ao CDS vão cinco partidos de distância, e muita divergência de ideologia e opinião. Mas há vários pontos nesta linha pouco reta da política que unem particularmente duas deputadas: Teresa Anjinho, CDS, e Cecília Honório, BE, que aceitaram conversar juntas com o Observador sobre a relação de admiração e “respeito intelectual” que partilham.

Ambas são deputadas da primeira comissão (comissão parlamentar dos Assuntos Constitucionais); ambas integram grupos parlamentares relativamente pequenos (o BE tem atualmente 8 deputados, o CDS 24), o que faz com que na maior parte das vezes estejam sozinhas nas audições e reuniões parlamentares e, consequentemente, sobrecarregadas de trabalho. Ambas, devido à distribuição natural dos partidos nas salas do Parlamento (cujas mesas têm a forma de U), se sentam à ponta e, portanto, frente a frente.

Teresa Anjinho (CDS), à esquerda, e Cecília Honório (BE), à direita. © Hugo Amaral/Observador

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Mas, sobretudo, ambas interessam-se particularmente por uma matéria em concreto: a igualdade de género e os direitos iguais para as mulheres. “Passamos muitas horas aqui, nas comissões, fazemos muitas audições, temos a característica comum de estarmos muitas vezes sozinhas [da nossa bancada]…”, explica a bloquista Cecília Honório, afirmando que “seria muito penoso se estivessemos sempre uma contra a outra”.

É no contexto do trabalho parlamentar intenso e minucioso que Teresa Anjinho destaca também “a amizade e o respeito imenso” que tem pela deputada do Bloco de Esquerda e pelo seu trabalho. É esse elo que faz com que, “sistematicamente”, depois de algum debate mais aceso no Parlamento, procure Cecília Honório para conversar mais a fundo e de forma informal sobre os temas em questão.

“A Teresa tem esta enorme simpatia e capacidade de falar com as pessoas, e tem franqueza para dizer ‘acho que sim, acho que não, acho que estás a exagerar aqui’. Tem disponibilidade, mesmo numa situação de conflito, para ter esta conversa”
Cecília Honório

“Nas alturas de maior tensão, até pela convivência e pelo respeito que temos, eu sei exatamente o que é que a Cecília pensa, o que significa que já sei à partida qual vai ser a sua posição sobre aquela matéria, mas mesmo assim eu não deixo de tentar explicar-lhe, nos corredores e à margem dos trabalhos, porque é que defendo o que defendo. No plenário é muito difícil de explicar tudo”, diz a deputada centrista.

Isto vale para Cecília Honório, não vale necessariamente para todos os deputados da oposição, diz a da direita. “Pois, é evidente que não generalizamos isto, não nos damos assim com todas as pessoas aqui [no Parlamento], acrescenta a deputada da esquerda.

São sobretudo a “franqueza”, a “sinceridade” e o “respeito pelo contraditório”, enquanto valores de caráter, que unem estas duas deputadas com pensamentos políticos tão díspares, concluem.

Por vezes, isso leva a surpresas no próprio Parlamento. Foi o caso, recente, da denúncia sobre as enfermeiras que tiveram de fazer prova, junto de colegas do hospital, de que estavam a amamentar. O Bloco de Esquerda levou o caso ao Parlamento e a deputada do CDS, do lado oposto do hemiciclo, aplaudiu a iniciativa e votou a favor. Foi a única da sua bancada a fazê-lo.

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