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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

André Ventura, o homem que passa a vida a discutir

Dizer que os ciganos “vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado” levou-o de homem controverso a tema nacional. Quem é André Ventura, o académico e comentador do Benfica que queria ser padre?

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Assim que André Ventura responde do outro lado do telefone, o segurança da Universidade Autónoma de Lisboa, com um à vontade que poucos funcionários terão com a maioria do pessoal docente, pergunta-lhe: “Então, grande benfiquista, como está?”.

Até há pouco tempo, esta era a faceta mais conhecida de André Ventura: a de um benfiquista ferrenho, conhecido por defender o clube da Luz semanalmente no programa “Pé Em Riste”, na CMTV. Segunda-feira após segunda-feira, após cada programa repleto de exaltações, acusações superlativas e ainda outras veladas, o comentador de futebol tornou-se num homem pouco consensual.

Porém, nas últimas semanas André Ventura deixou de ser apenas um “grande benfiquista” e dizê-lo “pouco consensual” passou rapidamente a ser um eufemismo. Para isso, bastou-lhe afirmar numa entrevista ao jornal i, na qualidade de candidato do PSD à Câmara Municipal de Loures, que em Portugal os ciganos “vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado” e que acham estar “acima das regras do Estado de direito”.

Primeira página do jornal i de 17 de julho, com a entrevista de André Ventura, que dias antes falara, com menos impacto mas usando as mesmas ideias, ao Notícias ao Minuto

A estas declarações seguiu-se uma catadupa de reações políticas. A primeira foi do Bloco de Esquerda, que apresentou uma queixa-crime contra André Ventura à Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial, acusando-o de fazer declarações contra as minorias étnicas. Depois, seguiu-se o CDS-PP, partido que inicialmente apoiou a candidatura do social-democrata, que decidiu abandoná-lo. “Isso é racismo, isso é xenofobia, e nós não vamos por essa linha”, disse Assunção Cristas. Atento à polémica, José Pinto Coelho, do PNR, veio dizer que André Ventura é um dos “seus” o que aumentou a polémica.

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No PSD houve dois tipos de reação. A vice-presidente e candidata à Câmara Municipal de Lisboa, Teresa Leal Coelho, emitiu um comunicado onde repudiava as palavras do seu colega de partido. Porém, quando chegou a vez de Pedro Passos Coelho falar, a confiança em André Ventura foi reposta e reforçada. “Eu estou tranquilo quanto aquilo que é a nossa posição, uma posição não racista, não xenófoba”, sublinhou. Horas depois, o primeiro-ministro, António Costa, entrou na discussão: “Não é possível não retirar imediatamente a confiança política a um candidato dessa natureza”.

Um pouco por todo o lado, multiplicaram-se as comparações com Donald Trump — que, no lançamento da sua campanha disse que os imigrantes mexicanos “estão a trazer drogas, estão a trazer crime, são violadores e alguns, admito, são boas pessoas”. Mais longe anda foi José Maria Fernandes, presidente da União Romani. Quando lhe perguntaram se estaria disposto a falar com André Ventura, respondeu negativamente e acrescentou: “Parece que estou a responder ao Hitler”.

“Se o André da televisão aparecesse agora com um coletezinho amarelo debaixo do fato, com o fatinho apertado, com gel no cabelo para trás e a dizer coisas assim muito floreadas, com uma voz muito pausada, muito estadista, muito ponderado… Acha que isso convencia alguém?”
André Ventura

André Ventura parece estar pouco preocupado com o que se diz à sua volta. E explica-o, falando de si mesmo na terceira pessoa do singular, como frequentemente faz. “Se o André da televisão aparecesse agora com um coletezinho amarelo debaixo do fato, com o fatinho apertado, com gel no cabelo para trás e a dizer coisas assim muito floreadas, com uma voz muito pausada, muito estadista, muito ponderado… Acha que isso convencia alguém?”, pergunta. Logo de seguida, imagina o telespetador a dizer, sentado no sofá de casa. “Este tipo está a fabricar, este tipo é uma criação, este tipo é um boneco!”, imita, com gestos de indignação teatrais. “E eu não sou um boneco. Eu sou eu mesmo.”

Quando recebe o Observador na Universidade Autónoma de Lisboa, o social-democrata está sentado numa cadeira que guincha à medida que ele se vira casualmente, ora para a esquerda, ora para a direita. É um escritório modesto, num andar esconso, que na maior parte das casas serviria apenas como arrecadação. Para um homem que, aos 34 anos, tem um doutoramento; leciona em várias áreas do Direito em duas universidades (é também professor convidado na Universidade Nova de Lisboa); aparece várias vezes por semana na televisão; é conselheiro nacional no PSD; e agora se candidata a um cargo executivo numa câmara, rapidamente se entende que, de uma maneira ou de outra, este é um gabinete provisório. Melhores e mais espaços virão — ou pelo menos assim o deseja.

André Ventura está confiante na vitória para as eleições de 1 de outubro. Vestido com uma das poucas gravatas azuis que tem no roupeiro, garante que vai vencer as eleições autárquicas em Loures — o que seria inédito para o PSD. Apesar de neste momento estar no executivo (formando uma coligação de poder, pouco comum, com a CDU, de Bernardino Soares), o partido nunca passou do terceiro lugar naquele concelho. Agora, André Ventura tem a certeza que vai ganhar. Tem uma razão: porque vai “contra o politicamente correto”. O resto vem atrás.

O jovem convertido que quis ser padre

A batalha contra o que diz ser o “politicamente correto” não é uma cruzada nova na vida de André Ventura. Já quando era adolescente e frequentava um grupo de jovens católicos em Algueirão, Sintra, onde foi criado, demonstrava vontade de discutir e questionar. Quando chegava à igreja, debatia com o padre. “Ele debatia-se com unhas e dentes”, conta Pedro Cardoso, atualmente com 43 anos, que foi formador de André Ventura naquele grupo religioso. “Discutiam a história e a organização da Igreja, e também questões como o celibato”, recorda.

No fundo, André Ventura queria perceber a Igreja a fundo para entrar nela. “Não fui batizado quando era pequeno e decidi por mim próprio batizar-me com 14 anos”, conta. Pouco depois, já era acólito, tendo a responsabilidade simbólica de carregar o missal. “Como é próprio de todos os novos convertidos, vinha com uma grande vontade de descobrir. Não era aquele católico tradicional que cumpria os sacramentos indiferentemente. Quis ir à procura, quis ler muito sobre isto, entrar muito nas questões religiosas.”

Não demorou muito até achar que a Igreja podia ser diferente. E, acreditava, ele podia ser a diferença. Por isso, aos 17 anos, quis ser padre. Foi estudar para o Externato de Penafirme, em A dos Cunhados, onde ficou em regime de internato. “Eu achei que ia para o seminário para poder ser a voz de alguma mudança na Igreja”, disse. “Achei que podia ser alguma mudança na Igreja.”

Aos 14 anos, André Ventura batizou-se por escolha própria. Aos 17, decidiu que queria ser padre e foi para o seminário. O objetivo era mudar a Igreja por dentro.

O seminário era “duro” mas ainda assim gostou daqueles tempos. Acordava cedo para fazer as orações. Depois, ia para as aulas no externato, onde convivia com alunos que não tinham nada a ver com o seminário. Quando terminavam as aulas, voltava para a reclusão do internato. “Gostei muito da vida em comunidade, fez-me bem, fez-me crescer, porque eu até aí vinha de uma vida muito fechada em casa”, diz. Nas conversas que mantinha com os colegas, a política era um tema frequente. André Ventura, que também entrou para a JSD na adolescência, gostava daquele ambiente. “Havia ali uma discussão bastante acesa que começou a germinar e que quis materializar.” Aos poucos, percebeu que a Igreja não era o espaço para ter essas discussões. Além disso, apaixonou-se por uma colega do externato. “Percebi que o seminário não era para mim”, recorda.

Do 19 a direito às quatro linhas do comentário desportivo

Foi estudar direito para a Universidade Nova de Lisboa. Durante a semana, alojava-se numa residência para estudantes da paróquia de São Nicolau, no centro da capital. Ao fim de semana, ia para casa dos pais, no concelho de Sintra. Daqueles anos, guarda poucas memórias além do estudo contínuo e obstinado. “Tornou-se uma espécie de obsessão conseguir fazer o melhor possível”, diz. Desligou-se da política e só numa breve passagem pela Associação Europeia de Estudantes de Direito (ELSA, na sigla inglesa) lhe deu algum vislumbre do associativismo estudantil. Quando terminou os cinco anos que a licenciatura de direito então durava, fê-lo com 19 valores. Estávamos em 2005.

Nos anos que se seguiram, voltou a apostar na academia. Depois de um estágio num escritório de advogados que o fez ver que não queria seguir advocacia, vieram os anos em que se desdobrou em investigação académica. Em 2008, entrou para a National University of Ireland, na cidade de Cork, onde concluiu um doutoramento na área da segurança e do terrorismo. Regressado a Portugal, em 2011, concorreu e foi escolhido para ser jurista na Autoridade Tributária. Ali, diz um contemporâneo de André Ventura que pede anonimato, o jovem jurista teve uma ascensão “meteórica” — mas não tão meteórica ao ponto de vencer o concurso para subdiretor-geral do fisco ou a candidatura a um cargo de direção na CRESAP (comissão de recrutamento e selecção para a administração pública), apesar de aí ter estado na shortlist. Enquanto isso, já dava aulas na Universidade Autónoma de Lisboa e era também professor convidado na Universidade Nova de Lisboa.

Pedro Guerra, o controverso comentador benfiquista no “Prolongamento”, da TVI 24, é primo afastado de André Ventura

Pelo meio, meteu-se o desporto e o comentário televisivo. Embora tenha estreado o fato de comentador para falar de direito e de segurança, foi quando se iniciou no comentário desportivo que começou a ganhar notoriedade nos ecrãs. Tudo começou na Benfica TV. André Ventura, que já escrevia artigos de opinião para o jornal oficial do clube da Luz, foi convidado para comentar um programa matinal do canal. Nos corredores, viu a figura de Pedro Guerra — à altura comentador naquela estação, atualmente seu diretor de conteúdos e conhecido defensor do Benfica no programa “Prolongamento” da TVI24.

André Ventura e Pedro Guerra são primos afastados. “Ele é filho de um primo meu”, explica Pedro Guerra ao Observador. Raramente contactavam um com o outro. “Acabámos por nos cruzar, por nos reencontrar, no Benfica”, diz o comentador da TVI24. “Ele foi ter comigo, já não o via há muito tempo, desde que ele era muito novo, muito miúdo. Nessa altura pusemos a escrita em dia.”

Desde então, mantêm uma relação próxima. Pedro Guerra, que esteve presente na apresentação da candidatura de André Ventura a Loures, descreve o seu primo como “um tipo de causas”. “Ele acredita no Benfica como uma causa”, diz, referindo também a sua faceta académica. “Ele é um homem muito inteligente, frontal e sempre muito bem preparado, quer na sua área, quer em todas ligadas com a segurança”, diz, acrescentando que o CDS “cometeu um erro ao sair da coligação em Loures”. Sem rodeios, diz que imagina o seu primo afastado a desempenhar num cargo político de âmbito nacional: “Vejo-o, por exemplo, como um futuro ministro da Administração Interna”. E descreve-o como “um tipo de convicções”.

“Ele é um homem muito inteligente, frontal e sempre muito bem preparado, quer na sua área, quer em todas ligadas com a segurança (...) Vejo-o, por exemplo, como um futuro ministro da Administração Interna”
Pedro Guerra, seu primo afastado e também comentador do Benfica

Convicções, sim. Ídolos, já não. É o próprio André Ventura que o garante. Em jovem, poucas pessoas lhe mereciam tanto respeito e devoção como Lance Armstrong. “Houve uma altura, no início da minha idade adulta, em que tinha muitas dúvidas sobre se tinha força para fazer aquilo que queria fazer”, recorda. “E um dos livros que tinha de cabeceira era um livro escrito por Lance Armstrong.” O que levava André Ventura a ler aquele livro — “Isto não é sobre a bicicleta” — não era o ciclismo, desporto que sempre seguiu. “Era para perceber a capacidade que nós temos para levar pancada, de vir abaixo e de nos levantarmos outra vez contra tudo e contra todos e fazermos o nosso caminho. Para mim foi um exemplo extraordinário.”

Ao longo dos anos, à medida que os rumores e pistas que apontavam para o uso de doping por parte do ciclista norte-americano, André Ventura manteve-se fiel ao seu ídolo. Defendia-o incondicionalmente em discussões com amigos, tinha-o como um exemplo perfeito de Humanidade. Até que, em 2012, Lance Armstrong foi enfim enrolado numa teia de mentiras da qual não se conseguiu soltar. A confissão foi feita no programa de Oprah Winfrey. Até esse momento, André Ventura não queria acreditar. Quando ouviu o seu ídolo de juventude a dizer aquilo que sempre negara, chorou. “Foi das poucas vezes da minha vida em que chorei”, diz. “Não me lembro de ter chorado outras vezes, nem quando o Benfica perdeu com o golo do Kelvin chorei. Mas nessa noite, chorei.”

O Benfica, sempre o Benfica. Foi o clube da Luz que o uniu a uma das suas melhores amigas: a taróloga e socialite Maya. Conheceram-se nos corredores da CMTV e o benfiquismo que partilham aproximou-os — e levou-os até a escrevem, a quatro mãos, o livro “50 razões para mudar para o Sport Lisboa e Benfica” (Chiado Editora, 2016). Hoje, são “amigos de casa”, tratam-se por “compadre” e “comadre” — está prometido que Maya será escolhida para apadrinhar o primeiro filho de André Ventura — e reúnem-se em torno de uma “tertúlia benfiquista”.

André Ventura é amigo próximo da taróloga Maya, com quem escreveu o livro “50 razões para mudar para o Sport Lisboa e Benfica”

“A tertúlia que nos une é em redor do Benfica e do nosso amor pelo Benfica”, sublinha Maya. “Quando nos encontramos na casa do André ou na minha, é uma tertúlia absolutamente benfiquista. Falamos do clube e discutimos os jogos, os jogadores, os lances. E aproveitamos tudo isto para comer e beber, claro, que é o objetivo principal.”

Ali, entre comes e bebes, André Ventura não tem qualquer semelhança com o homem efusivo e exaltado a que os espetadores da CMTV se habituaram todas as semanas. “Quando nos sentamos, ele é uma pessoa muito mais calma e discreta do que o comentador que grita e barafusta e usa argumentos fortes”, garante.

Pedro Guerra, que, nos intervalos do seu comentário desportivo, acompanha o do seu primo afastado mesmo que seja em diferido, gaba-lhe as prestações na CMTV. “O André defende muito bem o Benfica e, quando tem de ser crítico, é crítico”, assegura. “Mas ele é um tipo que defende muito bem o Benfica, sobretudo num programa onde Porto e Sporting se unem contra o Benfica.”

“Como comentador, ele transforma-se”

No estúdio do “Pé Em Riste”, é já longa a lista de picardias entre André Ventura e os seus adversários de debate, Nuno Encarnação (do FC Porto) e Paulo de Andrade (do Sporting). Porém, a última época desportiva foi essencialmente marcada pelas acusações de André Ventura seguir uma “cartilha” que lhe seria dada pela cúpula do Benfica em almoços à segunda-feira, antes dos programas. As imputações não são exclusivas a André Ventura — também nos outros programas da concorrência o mesmo é dito dos comentadores benfiquistas, em particular a Pedro Guerra e a Rui Gomes da Silva, que o negam sempre.

Porém, em fevereiro, foi tornada pública uma gravação onde André Ventura, aparentemente falando para um grupo, pergunta: “Vocês querem saber se nós nos coordenamos, eu e o meu primo?”. A pergunta é feita entre risos do próprio, que logo responde: “É claro que nos coordenamos! Tem a ver qual de nós dá mais cacetada e mais forte. E à mesma hora, que é para doer mais. Preparamos logo isto tudo, isto é ao almoço, quando e como vai ser a cacetada e quem é que dá mais. Se ele dá menos, eu ligo-lhe. ‘Pedro, estás a ser um menino, assim não dá.’ Senão diz-me ele: ‘Hoje foste muito fraquinho’. O Rui [Gomes da Silva, comentador no programa “Dia Seguinte”, da SIC Notícias] às vezes junta-se a nós, outras vezes não. Portanto, isto é tudo coordenado”.

Todas as semanas, André Ventura debate acaloradamente a atualidade futebolística no programa “Pé Em Riste”, da CMTV

Para muitos, André Ventura acabava de ser apanhado com a boca na botija. Mas, no programa que se seguiu, justificou-se. Lamentando a situação, disse que “isto é uma brincadeira, naturalmente”. “Estava a dizer em tom de informalidade que é verdade, que é tudo coordenado para dar mais cacetada”, disse à altura. Sem surpresa, a explicação não chegou para convencer os seus adversários de debate, que responderam com gargalhadas irónicas.

https://observador.pt/videos/atualidade/andre-ventura-na-tv-o-melao-o-chapeu-e-o-caixote/

Ainda hoje André Ventura nega que haja uma “cartilha”. “Não recebo um tostão do Benfica, não sigo cartilhas. Recebo informação, como é evidente”, explica. Que informação? “Peço informações estatísticas. Não sei efetivamente o número de penáltis marcados nos últimos dois jogos, ou o número de faltas, de cantos. Não sei quantos amarelos foram mostrados. E posso pedir essa informação”, explica. Da parte de Pedro Guerra, a negação também é total. “Isso dos almoços é tudo falso, isso é tudo conversa da treta”, responde ao Observador.

“No caso dele, e isto é a visão de uma mulher mais velha, falta-lhe calo na comunicação. Se calhar, ainda não direciona bem a forma como comunica, ainda não tem filtros, ainda é muito autêntico (...) Ao André, as coisas saem diretamente do coração.”
Maya, amiga e 'comadre' com quem escreveu um livro sobre o Benfica

Como comentador, admite a taróloga Maya, o seu “compadre” muda de figura. “Ele transforma-se”, diz, ressalvando, ainda assim, que não é assim com toda a gente. Com a mulher, por exemplo, Maya diz que ele é um “doce”. E dá um exemplo: “Ele não se importa nada que ela venha almoçar vestida de verde ou que tenha um biquíni verde, por amor ele acaba por ser muito mais doce”. Ainda assim, essa parece ser a exceção que confirma a regra. “No comentário desportivo, ele é agressivo, por vezes, usa argumentos pessoais”, continua Maya. “No caso dele, e isto é a visão de uma mulher mais velha, falta-lhe calo na comunicação. Se calhar, ainda não direciona bem a forma como comunica, ainda não tem filtros, ainda é muito autêntico”, diz. “Ao André, as coisas saem diretamente do coração.”

Para o próprio, muito dificilmente esse traço deverá ser visto como um defeito. “Raramente faço discursos com papéis porque acho, honestamente, que as pessoas já estão fartas daquele tipo que chega ao palanque, põe assim os papéis, põe os óculos e diz assim: ‘Meus caros…’”, diz colocando a voz num tom sonolento, vagaroso e cauteloso. Resumidamente, a sua antítese.

A política como desporto de combate

Quando apresentou a sua campanha, serviu-se de alguns papéis, mas grande parte do discurso foi feita de olhos erguidos, num tom informal e descontraído. Pouco demorou a referir o Benfica. “As pessoas conhecem-me evidentemente mais por ser um comentador afeto ao Benfica”, disse, para depois acrescentar: “Bolas, já falei do Benfica, não queria falar do Benfica. Não queria falar do Benfica. Dá para cortar?”.

Pouco mais à frente, desvalorizando aqueles que lhe apontam demasiadas facetas e funções, dá uma alfinetada na esquerda, dizendo que para esta uma pessoa que não fez “absolutamente nada” é um “excelente candidato”. Não muito depois, pede uma salva de aplausos à mulher, com quem casara recentemente. “Levanta-te, Dina, levanta-te, levanta-te, levanta-te, mulher!”, pede-lhe. Depois, volta a atacar à esquerda, em particular à candidata do PS, Sónia Paixão, referindo-se à aparência da sua adversária nos cartazes de campanha: “Não me levem a mal, nem antecipem nenhuma crítica de qualquer índole. Mas [Sónia Paixão] parece do género daquelas figurinhas de plástico que estão no meio dos cartazes e dizem: “Olhem como o Photoshop funciona nos cartazes, olha como o Photoshop funciona nos cartazes!’”.

Só depois, deixou três promessas. A primeira consiste na criação de “10 mil empregos em quatro anos” baseada num “plano muito bem estruturado”. A segunda, que reconhece como uma das suas “grandes propostas”, é a instalação de videovigilância em todo o concelho, a fim de “pelo menos minorar, controlar e prevenir tantos focos de criminalidade”. A terceira e última é a vitória. “Pela primeira vez, vamos derrubar este muro”, garantiu aos sociais-democratas. “Pela primeira vez, nós vamos fazer Loures livre desta esquerda de geringonça e retrógrada que tomou de assalto o concelho”, disse.

Segundo o “O Estudo Nacional Sobre As Comunidades Ciganas”, publicado no final de 2014 pelo Observatório das Comunidades Ciganas, 33,5% das famílias ciganas do país disseram que o Rendimento Social de Inserção era a sua principal fonte de subsistência. Em Loures, esse número sobe para cerca de 50%.

Poucos dias depois, daria a controversa entrevista ao i. No jornal que foi para as bancas a 17 de julho, André Ventura dizia que os ciganos “em termos de composição de rendimento vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado”. Num dos poucos trabalhos do género, “O Estudo Nacional Sobre As Comunidades Ciganas”, publicado no final de 2014 pelo Observatório das Comunidades Ciganas, são referidos números que não refletem as palavras de André Ventura. Naquela recolha, entende-se que 33,5% de ciganos têm no Rendimento Social de Inserção a sua principal fonte de subsistência. No caso particular de Loures, o número sobe para metade da população cigana.

“A etnia cigana, quer em Loures quer no resto do país, tem de interiorizar o manual do Estado de direito”, disse ao i, referindo-se a casos de ocupações ilegais de casas e garagens de habitação pública por parte de membros daquela comunidade, dizendo ainda que estes têm “zonas onde são eles que mandam e não entra polícia”. Uma semana mais tarde, desta vez ao semanário Sol, disse que “se o Governo insistir em não dar à PSP os meios para Loures ser um concelho mais seguro”, teria então de fazer da Polícia Municipal “um exército”.

André Ventura queixa-se de ter sido mal interpretado. “Quando nós somos expressivos, expansivos e quanto estamos preocupados em expressar a voz das pessoas em vez de perceber o impacto que as nossas palavras podem ter, corremos sempre o risco de ser mal interpretados”, explica. E recorre a um exemplo: “Quando você diz que às 18h30 as pessoas estão a voltar a casa, há pessoas que ainda estão a trabalhar. Mas a maior parte está a regressar para casa. E ninguém diz assim: às 18h30, 88,7% das pessoas está a regressar a casa”.

“A forma de debater de André Ventura é muito semelhante à extrema-direita nos EUA, ao Tea Party e à corte que acompanha Trump, tal como Le Pen, Wilders, e tantos outros.”
Fabian Figueiredo, candidato do BE à CM de Loures

Sobre esta polémica, André Ventura retira uma certeza: “As pessoas queriam falar deste problema”. “Eu li centenas de comentários com estas notícias, acho que isso demonstra que as pessoas querem pelo menos discutir este problema”, diz. Ao contrário, sublinha, de “uma certa esquerda”. “Muita da crítica que me foi feita não quer discutir este problema nem quer resolvê-lo”, acusa. “Querem ganhar eleições autárquicas e que o André fique para sempre colado a uma ideia de extremismo.”

É mesmo à extrema-direita que Fabian Figueiredo, candidato do Bloco de Esquerda a Loures, compara o seu adversário do PSD. “A forma de debater de André Ventura é muito semelhante à extrema-direita nos EUA, ao Tea Party e à corte que acompanha Trump, tal como Le Pen, Wilders, e tantos outros”, diz, ao Observador. Para o bloquista, tornou-se claro que o PSD está a usar Loures como um laboratório político. “Está a ser testada no PSD, com o apoio do seu presidente, nas eleições autárquicas de Loures, uma nova forma de fazer política da extrema-direita europeia e americana”, refere. “Tal como eles, André Ventura recorre à crítica fácil e à culpabilização das minorias como o bode expiatório de problemas que são de ordem económica e social.”

André Ventura nega as acusações e diz que está nos antípodas do Presidente dos EUA. “Tenho uma péssima ideia de Donald Trump”, garante. “Várias vezes critiquei-lhe um discurso que não era para mudar, mas simplesmente para provocar oscilações eleitorais, várias vezes critiquei o estilo pouco educado com as mulheres, várias vezes critiquei o estilo pouco educado sobre o ambiente e sobre o clima. Essas associações são tão estúpidas que nem vou responder.”

“Vá estudar, que é o que lhe faz falta!”

Fabian Figueiredo e André Ventura estiveram frente a frente no programa SOS 24, da TVI24, para discutir o tema da segurança em Loures. O programa foi moderado pelo jornalista Miguel Fernandes, amigo de André Ventura, com quem é co-autor do livro “Justiça, corrupção e jornalismo – Os desafios do nosso tempo” (Vida Económica, 2015). Não só por isso, André Ventura estava a jogar em casa. Habituado ao debate televisivo e aos seus ritmos, protagonizou com Fabian Figueiredo momentos de grande tensão.

Por um lado, o social democrata insistiu em colar ao Bloco de Esquerda o estigma de um partido fraco em matérias de segurança. Por outro, Fabian Figueiredo procurou sublinhar que a pasta da segurança esteve, nos últimos quatro anos, sob a alçada do vereador social-democrata Nuno Botelho, que este ano faz novamente parte das listas do PSD. Ao Observador, Fernando Costa, o líder do PSD na coligação com a CDU e que nestas eleições escolheu sair de Loures para se candidatar em Leiria, é parco em palavras quando lhe pedimos um comentário. “Respeito o André Ventura, é uma pessoa de valor, com convicções próprias”, referiu. Sobre as declarações polémicas, diz: “Pela minha matriz social-democrata de há muitos anos e pelo meu humanismo, teria mais cuidado e não teria generalizado”.

“Respeito o André Ventura, é uma pessoa de valor, com convicções próprias (...) Pela minha matriz social-democrata de há muitos anos e pelo meu humanismo, teria mais cuidado e não teria generalizado”.
Fernando Costa, o líder do PSD na atual coligação com a CDU

No debate entre o candidato do PSD e do BE na TVI24, um dos momentos mais tensos foi protagonizado por André Ventura. Usando a mesma técnica que usa semanalmente quando discute futebol na CMTV, o professor de direito falou por cima do seu adversário, superando-o em volume e agressividade. “Vá estudar, que é o que lhe faz falta!”, atirou-lhe três vezes de rajada. Logo de seguida, pegando numa cópia do programa eleitoral do Bloco de Esquerda, perguntou ao adversário: “Você participou neste programa?”. Ao todo, a pergunta foi feita seis vezes. Depois, percebendo que o seu adversário o acusava de não dar à violência doméstica o tipo de atenção que dá à delinquência, disse: “Já você nunca lhe ouvi nada”. A frase foi dita quatro vezes. Depois repetiu três vezes: “Você é uma brincadeira!”. E, por fim, pergunta-lhe: “Você vem de Marte? Você vem de Marte? Você vem de Marte? Você vem de Marte? Você vem de Marte? Você vem de Marte?”. Meia dúzia de vezes.

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Depois deste debate, a assessora de imprensa de André Ventura, que trabalha com ele desde que assumiu a candidatura a Loures, disse-lhe que tinha de ser mais moderado. “Admito por vezes que a emoção possa levar a coisas mais acesas que não o serviço público”, concede. “Mas se as pessoas virem ali um André Ventura diferente, eles iam dizer que ‘isto não é ele’’.

Essa parece ser a sua maior preocupação: que as pessoas reconheçam na política o homem que fez nome a falar sem complexos, e muitas vezes sem amarras, de futebol. “Até podia ter 40 assessores de comunicação, que vou continuar a dizer aquilo que penso e aquilo que acho que é o melhor para Loures e, muitas vezes, para Portugal”, garante. “O que acontece em Portugal é que tocar em assuntos em que o politicamente correto não quer tocar catapulta uma pessoa imediatamente para o extremismo, racismo o xenofobia. E se nós depois dizemos ‘mantenho aquilo que disse’, cai o Carmo e a Trindade.”

À saída da entrevista com o Observador, quando já se prepara para fazer pose para as fotografias que acompanham este especial, um desconhecido aborda-o. “Eu sou do CDS, sempre fui e sempre serei, mas tenho pena que o meu partido o tenha abandonado, porque você disse as verdades.” André Ventura escuta-o com atenção, sorridente e satisfeito. Era mesmo aquilo que queria ouvir. “Isto é que me dá gozo.”

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