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António Saraiva, numa foto de arquivo na antiga sede do Observador.
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António Saraiva, numa foto de arquivo na antiga sede do Observador.

António Saraiva, numa foto de arquivo na antiga sede do Observador.

António Saraiva. Proposta de aumentos no privado é "uma guilhotina" sobre as empresas

Em entrevista à Rádio Observador, o "Patrão dos Patrões" afirma que o Orçamento para 2020 desilude, porque é "poucochinho". E diz que o Governo não é honesto quando pede aumentos que não pratica.

Prestes a enfrentar mais três anos à frente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva diz-se um “corredor de fundo”, um “maratonista”. A entrevista à Rádio Observador, ao programa “Sob Escuta”, nem foi da mais longas, “apenas” 40 minutos, mas foi suficiente para repassar os principais temas de um homem que tem a responsabilidade de falar pelos patrões da indústria na concertação social. Diz que o PSD está “um saco de gatos”, que Rui Rio “tem feito o que é humanamente possível” e que só o centro-direita representa alguma esperança para as empresas.

Já o primeiro Orçamento do Estado da segunda legislatura de António Costa é praticamente uma desilusão, porque só traz “migalhas” para quem faz crescer a economia. Siza Vieira ainda precisa de se impôr ao Ronaldo das Finanças, Mário Centeno, e Ana Mendes Godinho merece o benefício da dúvida no Trabalho. Precisa é de “calçar os sapatos” de Vieira da Silva.

[Poscast. Ouça aqui a entrevista completa a António Saraiva.]

António Saraiva. Orçamento “não é uma completa desilusão para as empresas, mas enfim…”

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Já sabemos que, para a CIP, o Orçamento do Estado para o próximo ano só traz ‘migalhas’ para as empresas. Até quando é que vai esperar para saber se Siza Vieira, ministro da Economia, tem mesmo a capacidade de influenciar a política económica em Portugal?
Vou esperar algum tempo, porque Pedro Siza Vieira é um conhecedor da economia portuguesa e das empresas. Dá-nos alguma esperança de que, com o seu conhecimento e o peso que tem no Governo, finalmente possamos ter a Economia a sobrepor-se às Finanças. E se assim for, a minha expectativa é que, ao longo da legislatura, como neste Orçamento — embora de uma forma tímida — começou a acontecer, as empresas sejam olhadas de outra forma e a competitividade da economia portuguesa, através delas, seja aumentada, melhorada e, assim, o crescimento económico que todos desejamos possa ser alcançado. Deposito em Pedro Siza Vieira essa esperança de que, ao longo da legislatura, nos vá atendendo.

Mas é uma desilusão para si este Orçamento? Depois de tudo o que se disse sobre a perda de influência das Finanças?
Não é completamente uma desilusão, enfim…

Não o vejo assim muito confiante. Não é completamente uma desilusão… Em parte é…
Em parte, é, já que poderia ter ido mais longe. O Governo poderia ter sido mais ambicioso e conceder às empresas aquilo que durante os últimos quatros anos não lhes concedeu, que foi a melhoria dos seus fatores de competitividade. Agora, como estamos em sede de concertação social, a tentar estabelecer um acordo de legislatura, admito que, fatiadamente, ao longo de cada Orçamento, possamos obter aquilo que agora foi tímido na resposta que nos deu. Por isso, temos a exigir do Governo que seja mais ambicioso nas medidas e não dê tão poucochinho como deu neste Orçamento.

Ministro da Economia tem presidido às reuniões da concertação social com a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Mas na sua opinião, que margem é que o Governo tinha para ir mais além? No fundo, onde é que podia ter tirado para dar às empresas?
Sendo o Orçamento de Estado uma opção, sendo uma questão de escolhas políticas, o Governo ao fazer as suas escolhas poderia, ao invés de ter gerado, como ainda bem que gerou — não estou com isto a dizer que não deveríamos ter excedente e deveriam continuar com défice –, mas um excedente de 0,2, sinalizaríamos da mesma forma os mercados se tivéssemos eventualmente 0,1 [% do PIB]. Dávamos um sinal de redução, dávamos um sinal de equilíbrio das contas públicas — que é isso que os agentes económicos e os mercados valorizam — e, eventualmente, teríamos aí condições para afetar verbas para a melhoria dos fatores de competitividade. Por outro lado, recordo que um simples aumento do salário mínimo para os 635 [euros] representa uma arrecadação para o Estado em receitas de qualquer coisa como 150 milhões de euros. Enfim, há aqui questões de opções, de escolhas. O Governo fez as suas, mas se tivesse feito outras escolhas diferentes teria margem para atender um pouco mais àquilo que agora, de uma maneira tímida, atendeu.

Onde é que deveria ter atuado naquilo que diz respeito às empresas?
Nós temos hoje um nível de fiscalidade na ordem dos 34,9% quando em 2006 tínhamos apenas 31,4%. O Partido Socialista, quando esteve na oposição e quando Vítor Gaspar em 2013 fez aquele brutal aumento da carga fiscal, vociferou, dizendo que se fosse Governo teria feito diferente. O que é verdade é que de 2013 para 2019, o nível da fiscalidade tem vindo a aumentar e ao invés de retirar alguns impostos, veio a aumentar esses mesmo impostos, nomeadamente os indiretos. Por isso, quando me pergunta onde… É aí, na eliminação de alguns impostos indiretos que este Governo, quer na anterior legislatura, quer agora, nos impôs. E depois que aprofundasse o regime de deduções de lucros retidos e reinvestidos, que agora faz de uma maneira tímida, passando de 10 milhões para 12 milhões de euros [o limite máximo].

O Governo poderia ter feito mais?
Podia ter sido, na nossa opinião, mais ambicioso. A taxa reduzida de IRC de 17%… nós tínhamos exigido que passasse de 15 mil para 50 mil [o limite de matéria coletável para efeitos de aplicação às pequenas e médias empresas da taxa reduzida de 17%, em sede de IRC]. O Governo timidamente passa para 25 mil. O desagravamento das tributações autónomas, mais além daquilo que foi feito, porque reduzir em determinada tipologia de viaturas é insuficiente. A arrecadação fiscal deste imposto, como tenho dito, atingiu níveis obscenos. Depois a eliminação gradual das derramas, se não temos margem orçamental para reduzir a taxa marginal de IRC dos atuais 21% para 19%, 17%, que era o nosso objetivo…

"Temos a exigir do Governo que seja mais ambicioso nas medidas e não dê tão poucochinho como deu neste Orçamento."
António Saraiva

Era uma das coisas que lhe ia perguntar, sim…
E continuaremos a exigir obviamente, embora reconhecendo que devido às contas públicas e ao seu equilíbrio, deveremos fazê-lo com moderação e fatiadamente. Mas se não há possibilidade, como o Governo nos informou que não havia, de reduzir a taxa marginal de IRC, que pelo menos se pudesse reduzir gradualmente e dar já um sinal neste Orçamento da redução progressiva das derramas, o que não aconteceu. E, por isso, quando me pergunta o quê… Desde logo nestas áreas, além do reforço — e isso continuaremos a lutar em sede de concertação para obter efeito — das verbas para a formação profissional. Porque é um dos grande desafios que temos pela frente, daqueles que o primeiro-ministro, na sua tomada de posse, reconheceu que existem. Um deles é a transição para a sociedade digital. Isso exige uma qualificação e requalificação dos nossos recursos humanos, que não se compadecem com a insuficiência de verbas dos centros de formação profissional espalhados pelo país.

Ainda estou a tentar perceber onde é que não é uma desilusão [face ao OE]. Diga-me o que encontra aqui que seja positivo, com que se possa trabalhar.
Não está tudo mal, porque estaria tudo mal se o Governo, à semelhança do que fez em Orçamentos anteriores, eventualmente condicionado que estava mais nessa legislatura anterior do que está hoje…

Se não tivesse conversado convosco…
Primeiro, que tivesse aceite mais as nossas sugestões e não estivesse tão condicionado pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP, e não tivesse concedido à Economia e às empresas fatores diferentes daquelas que concedeu. Não cedeu nada nos Orçamentos anteriores, neste cede qualquer coisa e, por isso, eu adjetivei de poucochinho. Porque apesar de mexer nas tributações autónomas, apesar de reforçar os lucros retidos e reinvestidos, apesar de mexer na taxa reduzida, poderia não ter feito nada disto, como não fez nos Orçamentos anteriores. Exceção no último Orçamento de 2019, em que há o aprofundamento do regime dos lucros retidos e reinvestidos, que já aí deu um pequenino sinal, agora vem dar outro pequenino sinal. Mas é poucochinho.

Mas tem mais ou menos liberdade o Partido Socialista neste momento? Esta solução de Governo, que agora vai ter de negociar ano a ano, vai ter ou não capacidade até ao final da legislatura para mexer no IRC? Isto depois de corrigir a trajetória da dívida pública.
Depois de corrigir a trajetória da dívida pública, em meu entender, tem possibilidade de reduzir a taxa marginal de IRC, tornando o país mais atrativo por esse indicador…

O ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, tem sido um dos defensores de uma descida dos impostos sobre as empresas.

ANDRÉ KOSTERS/LUSA

Sente essa vontade?
Sinto, muito honestamente nas conversas que temos tido com os membros do Governo, não só com Pedro Siza Vieira, mas o próprio primeiro-ministro, apesar de nos terem dito que não há possibilidade de o fazer. Mas não deixam de reconhecer que seria de facto um bom sinal fazê-lo, porque quando comparamos o IRC que Portugal pratica com outros países mesmo no espaço europeu, comparamos mal. E se queremos atrair investimento, quer estrangeiro, quer promover o nacional, temos que dar atratividade, temos que ser amigos do investimento. E, além de outros fatores, a taxa marginal do IRC é um desses fatores que deveria ser mexido. Há vontade, não tem — o que nos dizem — é havido possibilidade. Esperemos que haja.

Mas tem mais possibilidade de o fazer hoje?
Em relação à sua pergunta, se hoje o Governo tem mais possibilidade… Reconheço que sim, porque estava amarrado a dois, a três — em boa verdade a três acordos, com o Bloco, com o PCP e com os Verdes. Hoje, não tendo essa formatação, não estando parametrizado em regras que estão ou que estavam escritas em acordo, tem o Partido Socialista mais margem para negociar quer à esquerda, quer à direita. Porque não nos podemos esquecer que o PSD é sempre também um parceiro credível e realista para apoiar algumas medidas.

Por falar em PSD, disse que apoiava Miguel Pinto Luz para a liderança do PSD. Acha que Rui Rio não é capaz de fazer uma boa oposição a António Costa?
Permita-me corrigir… Eu não disse que apoiava Miguel Pinto Luz. Sou amigo pessoal de Miguel Pinto Luz, tal como sou amigo pessoal de Luís Montenegro, e tal como tenho relação de estima e de amizade com Rui Rio. Por isso, não apoio nenhum dos candidatos. Eu não sou militante do PSD, sou presidente da CIP e é nessa condição que devo estar aqui, distante de questões partidárias, amigo que sou de todos eles. Limitei-me, quando recebi Miguel Pinto Luz na CIP a seu pedido, a tecer considerações acerca do seu caráter — conheço-o pessoalmente — como teria reconhecido a Luís Montenegro ou mesmo a Rui Rio. Limitei-me a falar de carácter e não a apoiar esta ou aquela candidatura, porque, como lhe digo, estou equidistante, não sou militante do PSD, não vou votar.

Mas acha que Rui Rio tem sido capaz de fazer uma oposição a António Costa?
Acho que Rui Rio, dentro do quadro de dificuldades que teve no grupo parlamentar, que de alguma maneira não lhe era favorável, numa oposição interna que parece um saco de gatos — uma expressão popular —, Rui Rio tem feito, independentemente das suas características pessoais, aquilo que lhe tem sido humanamente possível. O PSD vai seguramente encontrar o seu caminho, vai seguramente encontrar o seu líder. Aquilo que eu gostaria enquanto cidadão e responsável que sou por uma confederação patronal é que tenhamos no PSD um partido responsável, assertivo, crítico, construtivo, que em sede parlamentar dê o apoio ao Governo nas transformações e nas reformas que o país tem de ter, independentemente de guerras partidárias ou de lutas políticas que mais não levam do que a resultados eleitorais, condenando gerações em detrimento de eleições.

"[O Governo] estava amarrado a três acordos, com o Bloco, com o PCP e com os Verdes. Hoje, não tendo essa formatação, não estando parametrizado em regras que estão ou que estavam escritas em acordo, tem o Partido Socialista mais margem para negociar quer à esquerda, quer à direita."
António Saraiva

Mas acha que um Governo do PSD apoiado pelo CDS teria um orçamento mais favorável às empresas, ou pelo contrário?
Admito que haveria outra leitura sobre o papel das empresas na economia, porque o Governo do PS, sendo minoritário já na legislatura anterior, concentrou-se, na minha perspetiva, excessivamente, embora bem, na reposição de rendimentos. De facto, passámos por um período de austeridade e essa reposição de rendimentos tinha que acontecer, poderia era ser doseada de forma a que não se esquecesse completamente as empresas e se olhasse também para a economia através das mesmas. Porque o país precisa de crescimento, temos que crescer não só acima da média europeia, mas comparar-nos com aqueles que, na União Europeia e no espaço Europeu, estão a crescer significativamente, a 3%, 4%. É com esses que temos de nos comparar. E para lá chegarmos são as empresas o grande suporte do crescimento económico. E, por isso, temos que olhar para as empresas, temos que lhes dar melhores condições. Eu não estou a pedir subsídios desta ou daquela natureza. Estou a pedir que removam os obstáculos de competitividade. Ainda hoje, a falta de reformas estruturais limita as empresas.

Ainda bem que fala nisso, eu ia-lhe pedir para apontar uma reforma forma estrutural, “a” reforma estrutural dos últimos anos que tenha tornado a vida mais fácil às empresas.
Desde logo a reforma da administração pública. Porque nós temos que definir de uma vez por todas…

Eu estava-lhe a perguntar pelas feitas, mas está-me a começar por uma que ainda está por fazer.
As feitas tenho alguma dificuldade em elencar-lhas, porque quando olhamos para a realidade de Portugal, temos uma reforma da administração pública por fazer, temos uma reforma da justiça que tem sido incipiente, temos uma reforma da Segurança Social que tarda a ser feita, na minha perspetiva, por falta de coragem política para as fazer e pela necessidade de maiorias de dois terços, que o Parlamento não tem, por “N” razões de geometria variável, sabido encontrar. Por isso, é mais fácil falar-lhe das reformas que estão por fazer do que das que estão feitas, porque reformas estruturais nos últimos anos tenho enorme dificuldade em encontrar quais.

"Rui Rio, dentro do quadro de dificuldades que teve no grupo parlamentar, que de alguma maneira não lhe era favorável, numa oposição interna que parece um saco de gatos, tem feito, independentemente das suas características pessoais, aquilo que lhe tem sido humanamente possível."
António Saraiva

Viu-se neste orçamento a criação de mais contribuições extraordinárias sobre os vários setores. Há na banca, na farmácia, nos dispositivos médicos, há na energia… Ou seja, quando há pouco falava na administração pública, é isto que está a pagar esta máquina?
É, porque – independentemente de estarmos a reduzir, e bem, o défice – estamos a aumentar a despesa. E porque temos um Estado que, na minha avaliação, independentemente do número de funcionários públicos que saíram neste últimos anos, o que é facto é que hoje temos um Estado que tem serviços públicos deficientes. Temos hoje perda de qualidade dos serviços públicos, temos serviços públicos onde há gente a mais, outros onde há gente a menos e dever-se-ia desde logo fazer uma avaliação, como fazemos nas empresas, de onde é que os recursos humanos deve estar afetos. Mas uma avaliação global acerca de que Estado podemos ser.

E o objetivo final seria?
Ver quais as funções do Estado, aquelas que o Estado tem que cumprir. Temos a Segurança, a Defesa, a Educação, a Saúde. Mas que Estado devemos ter e que Estado podemos suportar? E depois devemos privatizar ou concessionar aquilo que não deve estar apenas e só na mão do Estado. Enquanto isso, corajosamente, não for assumido no Parlamento, enquanto não se fizer essa reforma, estamos com gorduras excessivas que todos temos que pagar através dos nossos impostos. Por isso temos este nível de fiscalidade de 34,9% quando em 2006 era de 31,4%. Este é o caminho: reduzirmos este esforço fiscal quer das empresas, quer das famílias. E isso passa por uma reforma do Estado.

Qual é hoje o partido das empresas?
Os partidos das empresas são as associações patronais, no conjunto das defesas que vão fazendo das mesmas. Não temos assento em Parlamento, mas vamos tendo alguma concertação social.

Mas há algum programa de um dos partidos que seja mais atrativo em relação ao caminho a fazer para as empresas?
Diria que os três partidos… o PS, desde logo com algumas das suas medidas, o PSD e o CDS. E depois algumas outras da Iniciativa Liberal, do próprio Chega. Enfim, partidos do centro direita parlamentar, porque, lamentavelmente, os partidos de Esquerda continuam a olhar para o país como há 50 anos.

Partido mais amigo das empresas? "Diria que os três partidos… o PS, desde logo com algumas das suas medidas, o PSD e o CDS. E depois algumas outras da Iniciativa Liberal, do próprio Chega. Enfim, partidos do centro direita parlamentar, porque, lamentavelmente, os partidos de Esquerda continuam a olhar para o país como há 50 anos".

Há pouco falou da necessidade de uma reforma na Segurança Social, que não há coragem política para fazê-la. Que reforma seria essa?
Desde logo garantir a sustentabilidade da Segurança Social, porque o enorme problema que temos debaixo dos pés é a bomba relógio “Demografia”, o envelhecimento da população. Todos esses problemas aconselham a que olhemos para a sustentabilidade da Segurança Social e lhe demos tranquilidade. É essa reforma, para não estarmos a gerir um horizonte de poucos anos, mas para lhe estarmos a dar condições, para que aqueles que estão hoje no ativo tenham garantias de que quando chegarem à sua idade de reforma a tenham garantida.

Como é que tem visto o trabalho da nova ministra da Segurança Social?
A nova ministra, em boa verdade, ainda não teve tempo para demonstrar, ou pôr em prática, um conjunto de políticas, que o ministério nesta legislatura terá seguramente para desenvolver. É um ministério que tem uma carga enorme de responsabilidade, a ministra está consciente dela. Vamos ver se tem condições a nível do governo e dos vários equilíbrios ministeriais, que vai ter de combater desde logo com as finanças, pode levar a cabo essas políticas.  Mais importante que a ministra, são as políticas desse ministério.

É preciso sangue novo face a Vieira da Silva?
Não diria que é preciso sangue novo porque, como lhe disse, o mais importante são as políticas e, estando o Partido Socialista de novo no Governo, ou mantendo o Governo, agora numa outra encarnação, as políticas daquele ministério seguramente não irão sofrer grandes alterações. As pessoas são sempre importantes, estejam à frente de que organização estiverem, e obviamente mudando o ministro mudarão algumas características de liderança. Mas mantenho: aquilo que é fundamental são as políticas mais do que os seus intérpretes. Vamos dar a Ana Mendes Godinho o benefício da dúvida porque como lhe disse, e repito, está no exercício do cargo há muito pouco tempo, traz experiência governativa de outra pasta, do Turismo, como secretária de Estado. Esperemos que tenha condições e – da nossa parte, em sede de concertação – tudo faremos para dar o apoio necessário para que as políticas daquele ministério sejam levadas a cabo, com as correções que, na nossa perspetiva, tentaremos introduzir, chamando, como disse, às empresas algum papel maior.

Ana Mendes Godinho sucedeu a José Vieira da Silva no ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Daquilo que já conhece a ministra na concertação social parece-lhe que Ana Mendes Godinho tem a mesma capacidade de intervenção de José António Vieira da Silva?
Não é fácil substituir José António Vieira da Silva pelo seu conhecimento, pela sua larga experiência e, por isso, Ana Mendes Godinho não tem, não nos iludamos, a experiência, o conhecimento, que o anterior ministro tinha. Mas a vida é assim. Somos mortais, felizmente Vieira da Silva não faleceu. Mas o tempo inexoravelmente se vai encarregando de nos pôr na expectativa, depois na liderança e no pós liderança, porque as novas gerações vão aparecendo. Ana Mendes Godinho faz parte dessa nova geração, temos de ir dando lugar aos novos. Temos é de ter a garantia de que os pilares do ministério, os seus princípios, as suas políticas, não são desvirtuadas pelo peso que o ministério tem e, por isso, vamos dar a Ana Mendes Godinho, como disse, o benefício da dúvida e alguma esperança de que consiga calçar os sapatos, como se costuma dizer, numa expressão mais popular, de Vieira da Silva.

Relativamente ao acordo de rendimentos e competitividade que está a ser discutido na concertação social, a CIP e a CCP há muito que pedem uma “racionalidade económica” para a fixação do salário mínimo. Mas relativamente aos restantes salários, o Governo agora vem propor um referencial de aumentos salariais no privado com base na inflação e na produtividade, que pode variar consoante o setor. Não são estas variáveis que pressupõem a tal  “racionalidade” que a CIP sempre pediu? Por que razão está a CIP contra?
Não estamos contra os princípios, estamos contra a forma. Com isto quero dizer o quê? Em sede de concertação social estão a ser discutidos um conjunto de temas de sustentabilidade da segurança social, a conciliação entre trabalho e família, a demografia, os fatores de competitividade da economia. Enfim, tudo isso estamos agora a tentar uma vez mais colocar num acordo de legislatura, de concertação social para a legislatura. Mas a contratação coletiva tem espaço próprios e a contratação coletiva desenvolve-se às mesas negociais, com as associações setoriais desses setores de atividade e com os sindicatos que os representam. E, por isso, não podemos adulterar, não podemos trocar regras de jogo e não podemos levar à concertação social o papel que ela não tem. E quando o Governo tenta, provavelmente legitimado por razões do seu raciocínio, que a concertação social sinalize referenciais para a contratação coletiva…

A vossa resposta é?
É “não”. É contra isso que nós estamos. A contratação coletiva tem espaços próprios. Já em relação à matéria, à substância do indicador assentar, como nós sempre defendemos que a evolução do salário mínimo, como qualquer política salarial deveria assentar, a saber: ganhos de competitividade, crescimento económico e inflação são, de facto, três indicadores que devem presidir a qualquer suporte de evolução de política salarial, inclusive do salário mínimo. E continuaremos a defender querer que a concertação social dê referenciais para a contratação coletiva, isso é que nós não concordamos porque cada setor de atividade tem realidades concretas.

Por falar em inflação, para os aumentos salariais de 2020 no Estado o Governo está a usar como referência a taxa de inflação deste ano. Para o privado pede aumentos com base na inflação prevista de 2020. Qual dos dois caminhos é que é o correto?
O caminho correto é que os salários devem ser aumentados com base na inflação esperada, porque é aí que se repõe ou se mantém o poder de compra, os ganhos de produtividade e o crescimento económico. São estes os fatores que nós continuaremos a defender para evoluções salariais, sejam no privado, sejam no público. O Governo, ao defender uma prática na privada e depois não a segue enquanto empregador, enfim, dois pesos e duas medidas, o Governo terá razões para o defender, o que não pode é exigir do privada fatores diferentes de evolução salarial que ele próprio não pratica. Não é, diria, honesto, fazê-lo. O Governo saberá, em bom português, com que linhas se cose, que bases, que margens tem para aumentar os seus funcionários.

"O Governo, ao defender uma prática no privado que depois não segue enquanto empregador, enfim, mostra dois pesos e duas medidas. O Governo terá razões para o defender, o que não pode é exigir do privado fatores diferentes de evolução salarial que ele próprio não pratica. Não é, diria, honesto, fazê-lo".

E quanto às empresas?
Deveria deixá-las aplicar a mesma prática. E não o faz. Os setores – aqui não empresa a empresa, mas os setores – deveriam a ter a liberdade, à mesa negocial e em diálogo construtivo com os sindicatos, de encontrar essas dimensões e essas alterações. A concertação social, no acordo que estamos a tentar obter, deveria ser também o local onde se fixaria o salário mínimo, porque é o governo que o determina, ouvindo os parceiros sociais. E ouvir não é informar. Ouvir é negociar com os parceiros sociais.

E não foi isso que o Governo fez?
Aquilo que o Governo fez nos últimos quatro anos, e fez de novo para o próximo ano de 2020, foi ouvir, mas decretar, impor um valor sem que tenha absorvido a lógica, os fatores de competitividade que referi, que os parceiros sociais desejariam incluir. Adulterou essa regra de jogo de negociar em concertação. Porque ir informar a concertação de um valor que já leva pré-definido… a concertação social dispensa essa informação, porque pode lê-la nos jornais ou ouvi-la nas televisões.

A CIP não se pôs numa situação delicada com este acordo global para os rendimentos ao permitir que o governo apresentasse esse referencial. Não é um fator de pressão com que cada um dos patrões vai ter de lidar dentro das suas próprias empresas?
Nós não concordámos, não sinalizámos, não aceitámos que a concertação social desse um sinal para a contratação coletiva. Foi contra isso, precisamente, que nós nos opusemos. Não, não sinalizámos, não subscrevemos, e mais uma vez reafirmo: é à mesa negocial de cada setor de atividade nos seus contratos coletivos, que essa matéria deve ser negociados. E se em alguns casos pode ser 2,7%, noutros poderá ser apenas 1,5% ou noutros até poderá ser 3% e 3 e pouco por cento. Enfim, cabe a cada setor e à realidade concreta do seu desenvolvimento, das suas inovações, dos ganhos de produtividade que obtiveram, negociar em sede própria de contratação coletiva.

Portanto, não vão assinar um acordo que tenha este referencial?
Esse fator não está contido no acordo de concertação social que estamos a discutir com o Governo.

É uma proposta do Governo…
Bem sei que o Governo trouxe essa proposta, mas o que nós estamos a discutir… o Governo traz um conjunto de propostas e cada um dos parceiros sociais traz as suas propostas. O acordo será resultante do que cada entidade conseguir fazer valer as propostas iniciais com que chegou a esse acordo. O acordo será o somatório dessas propostas. Nós não temos. Nenhum parceiro social, patronal, tem esse indicador. Temos sim, outros fatores e outras matérias que queremos ver incluídas no acordo. O referencial da política salarial, repito, deve ser levado à contratação coletiva e estar expurgado, estar retirado da discussão em concertação social.

"Governo adulterou essa regra de jogo de negociar em concertação. Porque ir informar a concertação de um valor que já leva pré-definido... a concertação social dispensa essa informação, porque pode lê-la nos jornais ou ouvi-la nas televisões".

Mas os salários no setor privado, por via da contratação coletiva, têm subido acima do referencial (pelo menos em 2018) proposto pelo Governo. Subiram 3,3% em média. Por que razão a CIP não aceita, uma vez que os salários já estão a subir acima deste valor?
Porque aqueles que podem subir, como acaba de referir, fizeram-no e aqueles que não podem subir, nós não podemos colocar-lhes uma guilhotina em que, pelo menos aquele mínimo, têm de conceder. Não creio que algum setor esteja numa situação muito muito preocupante, mas sei que há setores e empresas dentro desses setores que começam a ter graves problemas de concorrência desleal, desde logo porque combatemos fatores que não conseguimos combater, como as realidades sociais de alguns países. E não estou a falar da Ásia, e sim de alguns países com os quais concorremos. A Turquia está a “roubar-nos” – captando obviamente – muitas encomendas no têxtil, no calçado. E sem dizer que são estes os setores que nos preocupam, admito que existem setores ou empresas em setores que não conseguem estes mínimos. Nós não podemos pôr na guilhotina estes setores ou essas empresas. Têm que ter a liberdade de negociar às mesas.

Mas se esse referencial, como o Governo já disse, tiver em conta as especificidades de cada setor e de cada empresa. Nesse caso?
Nesse caso, cabe mais uma vez a cada setor, à sua mesa negocial, introduzir-lhe essa especificidade. Queremos antecipar, adivinhar o que é que os setores – e são muitos – em sede de contratação coletiva podem vir a fazer. Não temos o dom da adivinhação e, por isso, repito, deve ser dada a liberdade – a autoridade, como hoje já existe – para que as mesas negociais de setor a setor negoceiem o seu contrato coletivo e as revisões que aí couberem.

Que interpretação faz da proposta do Governo acerca deste referencial? Como lhe disse, os salários na negociação coletiva já estão a subir acima deste referencial. Parece-lhe que o Governo está a querer mostrar trabalho? A tentar dizer que está a valorizar os trabalhadores e a influenciar as empresas?
Acho que sim, está a querer mostrar trabalho, está a querer condicionar – no bom sentido – algumas práticas, mas está a antecipar-se. Está a querer sinalizar aquilo que a realidade concreta de cada setor virá a ditar. É uma sinalização política, mas a concretização prática será a realidade que cada setor vier a definir.

António Saraiva tem alinhado algumas posições com o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes.

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Que sinal dá o Governo quanto à produtividade das empresas no privado quando lhes pede aumentos acima daqueles que vai dar aos funcionários públicos e depois repõe os feriados suprimidos ou as 35 horas?
Obviamente que são sinais, na nossa perspetiva, negativos. Se há problemas com os quais Portugal se defronta são o crescimento económico, a qualificação e requalificação dos recursos humanos e a inovação. E depois isto cabe num conjunto de matérias. Mas se nós queremos melhorar a competitividade da economia, se queremos aumentar a produtividade temos que interagir nos fatores que as limitam ou que as desenvolvem. Estar a fazer o contrário do que é obter ganhos de produtividade é, na minha perspetiva, ir no caminho incorreto. Sem querer comparar com países ou com regiões onde há práticas desumanas, porque não é esse o nosso modelo de desenvolvimento, não é com esses que me quero comparar, quero é comparar-me com o espaço comunitário em que estamos inseridos e dentro desse espaço termos condições de competitividade iguais. E se não as temos na política fiscal, só a queremos ter em determinados fatores sociais – como são as horas trabalhadas ou o número de dias feriados – então Portugal tem um enorme problema de competitividade e devemos tentar melhorar e não prejudicar. Todas essas questões estão, segundo a minha avaliação, a prejudicar a competitividade e não a melhorá-la.

Tem dado conta das dificuldades das empresas em aceder a crédito, que a banca faz mais análise de folha de Excel do que análise às pessoas e aos projetos. Face aos casos que temos vindo a conhecer da banca, não é mesmo melhor que seja assim?
Não, porque nem oito nem oitenta. E a banca passou de 80 para oito. Obviamente que enquanto teve uma política de 80 cometeram-se erros, houve falta de regulação, houve falta de supervisão, houve algum laxismo, para não falar de casos conhecidos de amiguismos como hoje se conhecem. Nem 80 nem oito. A atividade empresarial é uma atividade de risco. O empresário, por natureza, corre riscos. A banca deixou de ser um parceiro de risco e o empresário está, com as honrosas exceções daqueles que até nem precisam de dinheiro, mas a realidade portuguesa é composta de micro e pequenas empresas, até 10 trabalhadores. São 97% das nossas empresas. Essas precisam de apoio, precisam que alguém corra com eles algum risco e, hoje, os novos modelos de supervisão e regulação e os excessivos cuidados, a malha apertada que a banca tem hoje na concessão de crédito passou de 80 para 8. Fez-se uma enorme desalavancagem num curtíssimo espaço de tempo. Como sabe, retirou-se da economia, das empresas, qualquer coisa como 42 mil milhões de euros num curtíssimo espaço de tempo e as empresas ficaram deixadas à sua sorte. E hoje estão a pagar todos por erros de alguns.

Qual é, então, a solução que propõem?
A banca deveria correr alguns riscos, deveria existir mecanismos de financiamento e eles hoje são escassos. Por isso temos defendido novas formas de financiamento. Reconheço que o capital próprio das empresas, da estrutura empresarial portuguesa também é deficitário e, por isso, os empresários têm um caminho aqui a percorrer na capitalização das suas empresas, no reforço dos capitais próprios para darem outra solidez aos parceiros de risco que é a banca. Por isso temos insistido muito nesta questão de aprofundar o regime de dedução dos lucros retidos e reinvestidos porque é uma forma de as empresas se recapitalizarem elas próprias. Há um caminho a percorrer, há novas forma de capitalização e elas têm de ser encontradas. Há falhas de mercado e o Banco de Fomento deveria ter vindo colmatar esta falha de mercado. Lamentavelmente não o fez.

António Saraiva é recandidato à liderança da CIP em 2020 por mais três anos

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

E as linhas Capitalizar?
Apesar do seu aproveitamento… diria que não houve condições para capitalizar as empresas e lhe dar outras estruturas. É isso que falta e é isso que estamos a ajudar o tecido empresarial a procurar, novas formas de financiamento.

Vai assumir mais um mandato de três anos na CIP, uma decisão até surpreendente. Ainda não se cansou da correria?
Ainda não me cansei da correria, porque sou um corredor de maratonas.

Literalmente? Olhe que temos aqui entrevistados que, de vez em quando, se saem com uma dessas…
Não, não. Faço caminhadas, gosto muito de caminhadas, mas não faço essas loucuras, porque a idade já não me permite. Mas, nessa simbologia, sou um corredor de fundo, sou um corredor de maratonas. E, por isso, não me importarei de fazer mais esta última milha que vou fazer. Quando não a queria fazer, confesso, por causa deesta minha inquietude cívica e porque não encontrámos dentro da organização pessoas com disponibilidade – porque as características, felizmente, temos. Apesar de não ter vontade e de querer outra forma de vida – a partir desta idade a que cheguei, dos 66 anos – farei, por inquietude cívica, esta última milha.

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