Reportagem em Saadnayel e em Beirute, no Líbano
Enquanto Josa corta uma cebola sentada no chão de terra, uma rajada de vento irrompe pelo campo de refugiados, trazendo consigo um odor inconfundível de esgoto e lixo. Estamos em Saadnayel, no Líbano, uma pequena aldeia a uns meros dez quilómetros em linha reta da Síria — o país de onde Josa fugiu à guerra.
São 18h00 e, embora alto, o sol já começa a dar sinal de descida. “Estou a preparar o iftar”, explica, referindo-se à refeição que se segue a cada dia de jejum durante o Ramadão, que este ano começou a 6 de junho e termina a 5 de julho. Di-lo enquanto corta cebola com uma pequena faca, de cabo de madeira, em cima de uma tábua de plástico branco que o pó constante tornou acastanhada. Um grupo de moscas insiste em pousar nela.
Dos mais de 40 anos que a pele enrugada e o ar agastado lhe parecem dar, Josa tem apenas 28. Entre estes, quatro foram vividos no Líbano. Foi em 2012 que, juntamente com o marido e outros familiares diretos, decidiu fugir da Síria. Está longe de ser a única. É neste pequeno país, enclausurado entre a Síria, Israel e o Mediterrâneo, que se concentra o maior número de refugiados per capita de todo o mundo. Entre os 4,5 milhões de população do Líbano, estima-se que 1,5 milhões sejam refugiados sírios. A estes, juntam-se ainda os 270 mil palestinianos que ali vivem, também sob o mesmo estatuto. Tudo somado, dá mais do que um terço da população.
Josa vivia numa aldeia das montanhas de Aleppo, no Norte da Síria, de onde partiu com grande parte da sua família, quando já não era possível continuar lá. Há meses que os confrontos entre o exército leal a Bashar Al Assad, presidente da Síria, e vários grupos rebeldes se aproximavam perigosamente do sítio onde vivia. Até que, um dia, a casa de uns familiares ficou completamente destruída depois de ter sido atingida, de forma aleatória, por um míssil. Tinha chegado a altura de virar costas à Síria. “Toda a gente fugiu para o Líbano”, resume Josa.
Enquanto fala, o filho mais novo salta-lhe para o colo e pede-lhe atenção. Mohammed tem dois anos e, por isso, não conhece outra realidade para além do campo de refugiados de Saadnayel.
Antes da guerra na Síria, esta parcela de terreno não passava de um campo baldio às portas da aldeia, deixado ao abandono pelo seu proprietário, um libanês que se apresenta como Jamin. Aos poucos, e à medida que as hostilidades na Síria davam prova de serem já parte de um conflito sem fim à vista, foi-se fixando ali um campo de refugiados clandestino. Hoje, é um aglomerado com mais de cem tendas de estrutura de madeira e zinco. A maior parte são tapadas com oleados — uns, coloridos, serviram outrora de anúncio para promoções em supermercados; outros, brancos, têm o logótipo azul do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Entretanto, o proprietário do terreno faz uma pequena fortuna com as rendas que cobra aos refugiados — e também já abriu uma mercearia à entrada do povoamento.
No inverno, a chuva e a neve misturam-se com a terra, enlameando tudo em redor. No verão, os cheiros tornam-se nauseabundos e o ar enche-se de poeiras. Invariavelmente, todas as manhãs, a maior parte dos homens saem para trabalhar clandestinamente na agricultura, recebendo abaixo do salário mínimo e trabalhando dois turnos diários. Restam as mulheres e as muitas crianças deste campo. Correm de um lado para o outro, jogam sem bola, brincam sem brinquedos. Não há nenhuma que tenha as roupas limpas ou a cara lavada.
“Não há nada aqui, nada”, queixa-se Josa. “Tudo está sujo, as crianças não têm oportunidades, são deixadas à solta no meio da sujidade. Nós não temos trabalho, não temos dinheiro, não temos nada para podermos avançar com as nossas vidas.” Para esta refugiada, o maior sonho seria voltar para a sua casa nas montanhas de Aleppo. “Claro que gostava de poder voltar. Olhem como isto é… Mas como é que eu posso voltar para a Síria, da maneira como as coisas estão lá?”
E é assim, a falar da Síria, que Josa acaba por relativizar tudo aquilo que encontra no Líbano. “Ao menos aqui estamos seguros”, concede. E dos libaneses, garante, só tem coisas boas a dizer. “Eles são bons para nós. Noutro dia tive de levar o meu filho ao médico, porque ele está com um problema nos ouvidos. Em situações normais, teria de pagar 50 mil liras [quase 30 euros], mas o doutor disse-me para pagar o que eu pudesse dar”, conta. “Os libaneses são bons.”
Uma montanha de lixo
“Nós temos pena dos sírios, a sério que temos, mas não podemos fazer nada por eles. E chega um ponto em que aquilo que é de mais é mesmo de mais.” Quem o diz é Abdulghani Araji, arquiteto, que está ainda mais perto da Síria do que Josa. Basta percorrer sete quilómetros em direção às montanhas, subi-las e, pouco depois, avançar para o lado de lá para chegar aos territórios controlados pelos libaneses do Hezbollah, o grupo extremista xiita que dá apoio militar a Bashar Al Assad.
Mas, antes disto tudo, existe um obstáculo. Ao longe, parece apenas um monte mais pequeno e independente da cordilheira que separa os dois países, mas de perto o cheiro não deixa enganar: é uma enorme montanha de lixo.
Saadnayel, onde Josa vive, é uma de várias aldeias que compõem a vila de Bar Elias. “Nós sempre tivemos um problema com lixo”, admite Mawas Araji, primo de Abdulghani e presidente da câmara de Bar Elias. “Mas desde que os refugiados vieram, isto tornou-se um pesadelo.”
Segundo o autarca, desde que a guerra civil na Síria começou, até aos dias de hoje, a população de Bar Elias subiu de 40 mil para 140 mil. Ou seja, mais do que triplicou com a chegada de 100 mil refugiados sírios, que vivem em 74 campos clandestinos um pouco por toda a vila.
Antes de os sírios terem chegado a Bar Elias, aquele que foi um dos primeiros sítios do Líbano a recolher esta vaga de refugiados, a população local produzia 27 toneladas diárias de lixo. Agora, a cada dia que passa surgem mais 65 toneladas de resíduos sólidos naquela vila do vale de Bekah.
As consequências são previsíveis. Dependendo da direção do vento, as populações são invadidas pelo tal cheiro a esgotos e a lixo que irrompia pelo campo de refugiados de Saadnayel. Também há a nuvem de fumo que paira um pouco por toda a vila, graças à autocombustão provocada pelos gases criados pelo lixo. O lixo e os esgotos contaminam a pouca água que resta a Bar Elias. É assim com o pequeno rio que se estende ao longo da estrada que vai dar à montanha de lixo da vila: muito mais do que transparente, a água é verde e espumosa.
“Isto é assim há anos e anos. E agora está visivelmente pior por causa dos refugiados”, garante Mawas Araji. “O resultado é que, aqui, três em cada cinco pessoas morrem de cancro.”
Para dar resposta a parte deste problema, a União Europeia doou ao Líbano o total de 3.6 milhões de euros para financiar a construção de uma estação de tratamento de resíduos urbanos. Abdulghani Araji, o arquiteto, é o responsável pela construção do projeto, que já vai na sua fase inicial e que deverá estar concluído em 2018.
“Se não fosse este projeto, sinceramente, acho que os libaneses que estão aqui à volta iam morrer todos à fome”, garante Abdulghani Araji, que se queixa das tensões que a crise de refugiados tem criado entre a população local e os sírios que ali se fixaram depois de fugirem à guerra. “A princípio os refugiados eram bem-vindos, mas neste momento são demasiados. Nós temos mesmo pena deles, mas não temos solução para os seus problemas”, repete-se.
E torna a queixar-se, alegando que a chegada dos 100 mil sírios encareceu o custo de vida em Bar Elias, sobretudo para aqueles que já lá estavam. É, por exemplo, o caso da habitação: “As rendas das casas dispararam, já ninguém consegue alugar uma casa com dois quartos por menos de 500 dólares por mês. Antes era 100 dólares!”. E também é assim com o valor do trabalho: “Se os sírios se sujeitam a trabalho clandestino, é óbvio que os salários baixam”.
Para o arquiteto, a construção da central de resíduos é “bem-vinda”, mas não é “suficiente” para resolver a atual situação. Para isso, defende, existe apenas uma solução: “Os sírios vão ter de começar a sair”. Para onde? “Não sei, mas vão ter de começar a sair. Algumas destas pessoas podem ficar anos e anos e anos. E nós não queremos isso. Nós não queremos que eles fiquem aqui para sempre.”
“Por favor, senhor, deixe-me limpar-lhe os sapatos”
Ahmed diz que tem 18 anos, mas a cara imberbe e a figura franzina são fortes indícios de que talvez esteja a fazer a conta por cima. Embora viva nos subúrbios de Beirute, é no bairro de Hamra, bem no centro da cidade, que exerce a sua profissão: engraxador de sapatos. É ali que, de manhã à noite, pergunta a quem passa se lhes pode dar um jeito ao calçado, enquanto carrega uma caixa de madeira onde guarda os produtos e onde os clientes devem colocar o pé durante o serviço.
Na verdade, mais do que perguntar, Ahmed implora aos clientes para que aceitem os seus serviços. “Por favor, senhor, deixe-me limpar-lhe os sapatos”, diz-nos ao primeiro contacto, para depois acrescentar: “Eu sou de Dara’a, sou da Síria”. Assim que respondemos afirmativamente, Ahmed senta-se no chão, pede para pormos o pé em cima da caixa de madeira, e dá início ao serviço.
Dara’a, a cidade onde Ahmed nasceu, é considerada o “berço” daquilo que começou por ser a revolução síria e que pouco tempo levou a descambar na atual guerra civil. Foi lá que surgiram os primeiros protestos contra o regime de Assad, depois de um grupo de 15 jovens entre os 10 e os 15 anos ter sido detido e torturado por ter usado sprays para escrever a frase “O povo quer o derrube do regime” nas paredes daquela cidade no Sul da Síria, na fronteira com a Jordânia.
Ahmed tinha a idade desses mesmos jovens quando a guerra começou, em 2011. No ano seguinte, em 2012, fugiu da Síria juntamente com o irmão, um ano mais novo. “O meu pai queria que nós saíssemos e, como não tinha dinheiro para a família fugir toda, juntou o que tinha e mandou-nos aos dois para o Líbano”, conta.
Desde que chegou só encontrou dificuldades. De forma tímida, até esquiva, diz-nos que desde que veio para o Líbano nunca foi à escola — entre as 600 mil crianças sírias que estão registadas como refugiadas no Líbano, apenas 250 mil têm acesso à educação. Ahmed conta que começou logo a trabalhar como engraxador nas ruas, sem querer entrar em detalhes sobre se tem alguém que o controla ou a quem entrega parte dos rendimentos.
“Oiça, senhor, eu preciso disto, ir à escola era um desperdício de tempo porque eu preciso de comer”, explica. “Aqui no Líbano tem de ser assim, porque ninguém nos vai ajudar. Se o sírio tiver dinheiro, o libanês gosta dele. Se o sírio não tiver dinheiro, o libanês não gosta dele. É assim”, diz, mal termina o serviço. Chegada a altura, sai tão depressa quanto chegou, em busca de novos clientes.
O inferno no bordel de Chez Maurice
Desde janeiro de 2015 que o governo libanês reverteu a sua política de portas abertas para os refugiados sírios, passando a adotar um conjunto de medidas que resultam em maiores dificuldades para os que continuam a chegar e para aqueles que já lá estão. A partir dessa altura, o mercado de trabalho ficou fechado aos sírios — cada um tem de assinar uma declaração onde se compromete a não exercer nenhuma profissão em território libanês —, com a exceção dos muito poucos que conseguem obter uma declaração de um empregador que confirme a sua contratação. Aqueles que são apanhados a trabalhar correm o risco de serem deportados ou presos.
Esta situação, escreve a Human Rights Watch num relatório de janeiro deste ano, leva a que “crianças e mulheres sejam especialmente vulneráveis a [situações de] exploração laboral”.
Uma das facetas mais negras da crise de refugiados no Líbano é o tráfico de mulheres e a prostituição, chegando por vezes a casos de escravatura. O caso mais recente — e também o mais chocante — de que se tomou conhecimento foi o de 75 mulheres, refugiadas sírias, que até finais de abril deste ano viveram enclausuradas num edifício de dois andares conhecido como Chez Maurice, nos arredores de Beirute. Ali, eram obrigadas a ter relações sexuais com clientes, por vezes mais de dez num único dia, a troco de quantias que iam dos $30 aos $70. Destes, não viam nem um cêntimo. Além de contraírem um sem número de doenças sexualmente transmissíveis, eram submetidas frequentemente a abortos forçados.
“No caso destas mulheres, muitas vieram diretamente da Síria para aquela casa”, conta ao Observador Maëva Bréau, coordenadora da secção de combate ao tráfico humano e exploração sexual da KAFA. Das 75 mulheres em causa, pelo menos três estão a ser apoiadas por esta ONG de defesa dos direitos das mulheres.
“Muitas delas foram aliciadas na Síria por pessoas que lhes disseram que lhes iam dar emprego aqui no Líbano. Diziam-lhes que iam trabalhar num bar ou num restaurante, por exemplo”, explica. “Elas aceitaram isto porque, mesmo que a promessa de trabalho não fosse nada clara ou até dúbia, sempre era melhor do que ficar num país que estava em guerra.”
Muitas eram enganadas por homens que se fingiam apaixonados por elas, para depois serem esses mesmos indivíduos — com os quais chegavam a celebrar um casamento sem registo oficial — quem as enclausurava na Chez Maurice. Outras, só mais tarde, quando já tinham passado pelo inferno que era aquele bordel, é que se aperceberam que tinham sido vendidas pelos próprios maridos, na Síria, a redes de traficantes de mulheres.
A exploração sexual de algumas destas mulheres não terá sequer começado no Líbano, como explica Maëva Bréau. “Muitas delas foram vítimas de casamento precoce na Síria, quando ainda eram crianças”, avança. “Nesses casos, estas mulheres acabam por estar, infelizmente, mais habituadas a serem violadas, porque quem casa numa situação dessas nunca tem uma iniciação sexual saudável. Portanto, desde uma idade muito tenra, estas mulheres já são vulneráveis. Muitas vêm desse contexto e isso facilita muito a sua exploração.”
O caso da Chez Maurice chocou pelas proporções, mas esta realidade não é nova no Líbano. Em Maameltein, um bairro de Beirute conhecido pela sua vida noturna, abundam as superdiscotecas. Nestas, tradicionalmente, os clientes eram recebidos por mulheres altas e louras, geralmente vindas de países da antiga União Soviética com vistos de artista.
Quando entravam pelas portas das superdiscotecas, o procedimento entre clientes e prostitutas era feito através de códigos. Primeiro, escolhe a artista. Depois, podiam escolher entre duas opções. A mais barata consistia em comprar o proverbial copo, com o qual viria tempo, atenção e companhia da artista. Na mais cara, os clientes pediam uma garrafa de champanhe. Na verdade, não é um Moët & Chandon ou um Dom Pérignon que recebem. A garrafa de champanhe é antes uma metáfora para os clientes poderem marcar uma visita privada com a prostituta da sua escolha.
Isto era dantes. Na verdade, hoje o sistema é praticamente o mesmo. Só que, em vez de artistas da Moldávia ou da Ucrânia, os clientes encontram-se com refugiadas sírias. Segundo Maëva Bréau diz ao Observador, o número de vistos artísticos tem caído à medida que o número de refugiados que chegam ao Líbano sobe. E, com isso, as situações de exploração sexual e tráfico humano. “Mesmo que não tenhamos os números concretos, porque são praticamente impossíveis de obter neste momento, toda a gente que estuda o fenómeno tem a certeza de que a crise de refugiados ajudou a uma subida louca deste problema”, garante.
Aqui, entra a complacência das autoridades libanesas, desde as autoridades fronteiriças ao polícia de giro ou até aos juízes, que fecham os olhos a uma indústria que vai bem para lá das superdiscotecas. “Há muita gente a lucrar com isto”, garante a representante da KAFA. “Além das superdiscotecas, há os proxenetas, os restaurantes onde os clientes levam as mulheres, os taxistas que os levam de um lado para o outro, os hotéis onde eles dormem, as empresas de segurança que tomam conta disto tudo…”, enumera Maëva Bréau, como se a lista fosse bem para lá disto. “Nada disto é afetado. O combate ao tráfico humano não é uma prioridade aqui.”
“O Líbano não precisa de sermões, precisa de ajuda”
Desde que a guerra civil da Síria começou, em 2011, a União Europeia já canalizou um total de 769 milhões de euros para o Líbano para ajudar o país a dar uma resposta direta, quer em criação de condições, como na construção de infraestruturas, à crise que fez deste o país com mais refugiados per capita de todo o mundo.
Ainda assim, quem está no terreno acha que a ajuda pode e deve ser maior. “A comunidade internacional está a ajudar, mas na minha opinião ainda não é o suficiente”, disse Yassine Jaber, deputado no parlamento libanês e diretor do Comité de Relações com a Europa daquele órgão, numa reunião com jornalistas onde o Observador esteve presente.
“Para ser sincero, eu nem sei bem como é que nós temos conseguido aguentar isto tudo”, desabafa aquele político, para quem o Líbano vive uma batalha em três frentes: a crise de refugiados, a luta contra o terrorismo e a recessão económica. “Como é que pretendem, no meio disto tudo, que o Líbano consiga dar resposta por si só ou com quase ajuda nenhuma?”
A pergunta de Yassine Jaber é retórica, mas mesmo assim o político do movimento Amal — que junta vários partidos xiitas, entre eles o Hezbollah — arrisca alguns números para explicar a dimensão da questão. Mais propriamente, referiu-se ao rácio de cidadãos por refugiados sírios de alguns dos países da região. Mais tarde, confirmámos as contas do deputado libanês que, apesar de próximas, não refletiam corretamente os números verdadeiros, que se seguem. Estes dizem que na Turquia, o país com o maior número absoluto de refugiados no mundo, existem 36 sírios por cada mil turcos. Quanto à Jordânia, o número sobe para 46 refugiados sírios a cada mil habitantes. Os números são altos, mas bem aquém dos que se verificam no Líbano, onde há aproximadamente 335 refugiados sírios por cada milhar de habitantes.
Quando termina as contas, Yassine Jaber parece, ele próprio, surpreendido. Mas cedo a cara de surpresa é tomada pela ironia, quando diz: “Eu nem vou fazer as contas para alguns países da Europa”. Mas mesmo assim insiste nas críticas ao velho continente, mesmo que seja ele o responsável pelas relações entre o seu país e Bruxelas. “A Europa está sempre pronta para dar sermões aos outros países, fala de Direitos Humanos, fala de tudo, mas quando se trata de Direitos Humanos dentro das suas casas esquecem-se das suas próprias lições”, atira. “O Líbano não precisa de sermões, precisa de ajuda.”
E, claro, a guerra civil da Síria precisa de acabar. Para Yassine Jaber, que demonstra reticência em criticar o regime de Bashar Al Assad, “a solução terá de ser política, porque a via militar já ficou provado que não funciona”. “É com isto que sonhamos há já mais de cinco anos. Oxalá venha depressa, mas não estou certo quanto a isso.”
“A minha prioridade são os meus filhos”
No campo de Saadnayel, Josa também guarda poucas certezas quanto ao seu futuro. Há um ano que decidiu iniciar um processo de divórcio contra o marido, com o qual já se tinha casado na Síria. O passo foi dado quando, sem esperar por isso, o marido chegou a casa com outra mulher e lhe disse: “Casei-me com ela”. Ou seja, passaria a ter duas mulheres.
Josa não aceitou, saiu para o campo de Saadnayel, onde vivia o irmão e a mãe, e deu início ao pedido de divórcio em tribunal. Levou consigo o filho mais novo, hoje com dois anos, enquanto o pai ficou com um rapaz de cinco e outro de sete anos. Desde então, já passou um ano e pouco mudou. O marido recusa-se a ir a tribunal, tendo faltado às duas sessões para as quais foi chamado. Assim, o processo não avança. Enquanto isso, é o patriarca que recolhe os 90 dólares do ACNUR (30 por cada filho do casal), uma vez que é ele quem tem os documentos da família. Já há três meses que Josa não vê os dois filhos mais velhos, por impedimento do pai, mesmo que vivam a menos de um quilómetro de distância uns dos outros.
Sem um advogado que a ajude, Josa e o pequeno Mohammad estão numa situação delicada. O irmão, que os tem sustentado, já lhe fez saber que não está disposto a continuar esta situação por muito mais tempo e pediu-lhe para sair quanto antes.
Ainda assim, esta refugiada síria de 28 anos, a quem a sorte parece ser um elemento estranho, apresenta-se otimista. E di-lo: “De uma maneira ou de outra a nossa situação vai melhorar. O mais importante neste momento é saber como será a vida dos meus filhos daqui para a frente. É verdade que precisamos de ajuda. Mas quando ela chegar isto vai melhorar”.
Debaixo desta nuvem de fumo com cheiro a esgoto e a lixo, dá a impressão de que é a única a pensar assim.