O ex-presidente executivo do BES vai esta segunda-feira entrar pela terceira vez nas instalações do Tribunal Central de Instrução Criminal. Agora, não será para ser constituído arguido nem para ouvir medidas de coação — será apenas para ser ouvido pelo juiz Ivo Rosa, titular da instrução dos autos da Operação Marquês, onde Ricardo Salgado está acusado de um crime de corrupção ativa de titular de cargo político (o ex-primeiro-ministro José Sócrates), dois crimes de corrupção ativa (dos ex-líderes da PT Henrique Granadeiro e Zeinal Bava), nove crimes de branqueamento de capitais, três crimes de abuso de confiança, três crimes de falsificação de documento e três crimes de fraude fiscal qualificada.
Salgado não pediu a abertura da instrução para contestar a acusação do Ministério Público (MP) mas Ivo Rosa quis ouvi-lo. O ex-líder do BES podia ter recusado, mas, como tem acontecido com todos os principais arguidos, aceitou falar sobre todos os temas que o magistrado entender abordar. Como arguido, Ricardo Salgado tem o direito de interromper a diligência sempre que entender e não responder a mais perguntas — como aconteceu com Vara, que, em fevereiro, recusou responder a mais perguntas quando ia ser interrogado pelo MP.
As perguntas de Ivo Rosa terão sempre como objetivo escrutinar a acusação elaborada por uma equipa de procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) liderada por Rosário Teixeira. E aqui há perguntas incontornáveis.
Deu ordens a Hélder Bataglia para fazer transferências para Carlos Santos Silva?
Se há várias perguntas centrais na Operação Marquês, esta é certamente uma delas. Hélder Batalgia, ex-presidente da Escom (uma subsidiária do Grupo Espírito Santo), foi acusado de crimes de abuso de confiança, fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e falsificação de documento, mas é também uma testemunha-chave para o MP. Porquê? Porque afirmou que Ricardo Salgado lhe tinha pedido para transferir cerca de 12 milhões de euros para Carlos Santos Silva, o alegado testa-de-ferro de José Sócrates.
Foram essas declarações, bastante precisas, que fizeram com que o MP conseguisse ter um mais forte indício sobre os circuitos financeiros com origem em fundos na sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises que terminaram nas contas bancárias na Suíça controlados por Carlos Santos Silva.
No interrogatório a que foi sujeito a 5 de janeiro de 2017, Bataglia afirmou que Ricardo Salgado o chamou em 2008 ao 15.º andar da sede do BES, na Av. da Liberdade, em Lisboa. Numa pequena sala do piso ocupado pela administração do banco, Salgado perguntou-lhe se conhecia o empresário Carlos Santos Silva. Depois, perguntou-lhe se tinha uma conta na Suíça. Bataglia respondeu afirmativamente às duas questões e recebeu uma proposta: deixar passar 12 milhões de euros pela sua conta na Suíça que teriam como destino final a conta bancária de Santos Silva. A Ricardo Espírito Santo Salgado nunca “se dizia que não”, afirmou Bataglia nos autos da Operação Marquês.
Mais tarde, Bataglia ter-se-á encontrado várias vezes no Hotel D. Pedro, em Lisboa, com Carlos Santos Silva — através de um primeiro contacto feito com José Paulo Pinto de Sousa, primo de José Sócrates e ex-cunhado de Hélder Bataglia — que lhe deu as coordenadas das contas bancárias de Carlos Santos Silva. Pode ler aqui as declarações centrais de Bataglia.
O MP entende ter provas de que Bataglia terá recebido da ES Enterprises cerca de 22 milhões de euros com o objetivo de serem transmitidos a Carlos Santos Silva, mas Bataglia apenas reconheceu ter transferido 12 milhões entre 2008 e 2009 — o remanescente eram valores que lhe eram devidos pelos seus serviços prestados ao GES, afirmou.
Interrogatório a Hélder Bataglia. “Não se dizia ‘não’ ao dr. Ricardo Salgado naquela altura”
As coordenadas bancárias que Carlos Santos Silva deu a Hélder Bataglia eram das contas na Suíça de Joaquim Barroca, vice-presidente do Grupo Lena que também foi acusado de corrupção ativa de José Sócrates. Barroca, contudo, afirmou ao MP que nada tinha a ver com isso e que deu ordens de transferência em branco a Carlos Santos Silva que este terá utilizado para transferir o dinheiro com origem em Bataglia para as suas próprias contas também na Suíça.
Interrogado treze dias depois de Bataglia, e confrontado com as declarações do então líder da Escom, Ricardo Salgado negou tudo: “Nunca procurei entregar valores a um primeiro-ministro [José Sócrates], portanto subornos, direta ou indiretamente, por qualquer outra forma.” E acusou Hélder Bataglia de o ter enganado, porque aqueles fundos transferidos pela ES Enterprises teriam como objetivo financiar a aquisição de poços petrolíferos em Angola. Mais: Manuel Vicente, então presidente da Sonangol, ter-lhe-á dito aquando da visita de Estado a Portugal do então Presidente José Eduardo dos Santos que o GES iria ter concessões de petróleo em Angola. “Não tenha dúvida alguma”, terá dito a Salgado, de acordo com o depoimento do ex-lider do BES no DCIAP.
Alguma vez falou com José Sócrates sobre a OPA da Sonae à Portugal Telecom?
Ricardo Salgado foi acusado pelo MP de alegadamente ter corrompido o ex-primeiro-ministro José Sócrates no período entre 2006 e 2011 por questões ligadas à Portugal Telecom (PT) — então a principal empresa portuguesa, onde o GES era o maior acionista privado português com uma participação que chegou a rondar os 10%, onde outros acionistas nacionais estavam na órbita do GES (como a Ongoing e até sociedades offshore que eram financiadas e controladas pelo GES sem o conhecimento do mercado) e onde o Estado detinha 500 ações especiais (as chamadas golden-shares) que lhe permitiam bloquear decisões-chave.
As duas questões que estão no centro da tese do MP são as seguintes.
- Salgado necessitava de corromper o primeiro-ministro para o Governo apoiar a oposição do GES à OPA lançada pela Sonae em fevereiro de 2006, de forma a manter a influência do GES, logo do Banco Espírito Santo (BES), na gestão da operadora;
- Em 2010 terão sido feitos novos pagamentos a José Sócrates para que fossem utilizadas as golden-shares do Estado, de forma a condicionar a venda da participação que a PT tinha na operadora brasileira Vivo ao reinvestimento de boa parte dos 7,5 mil milhões de euros que seriam pagos pelos espanhóis da Telefónica na aquisição de uma nova participação noutra operadora brasileira: a Oi/Telemar.
Se esta é a tese do MP, é natural que o juiz Ivo Rosa comece por questionar Ricardo Salgado sobre se alguma vez falou com José Sócrates sobre este tema. Note-se que, quando foi constituído arguido na Operação Marquês a 18 de janeiro de 2017, Salgado não só negou “qualquer tipo de relação, de influência, no primeiro-ministro da altura, o eng. José Sócrates, em relação a qualquer operação que fosse”, como enfatizou: “Nunca falei com José Sócrates sobre a história da PT sequer”.
Os negócios do Grupo Espírito Santo cresceram significativamente durante os dois mandatos de José Sócrates. Não só o BES consolidou a sua posição como o segundo banco privado português atrás do Banco Comercial Português (BCP), apostando forte na área da construção (via obras públicas e via imobiliário), como na área não financeira o GES saiu claramente vencedor em alguns dos principais negócios da economia nacional dessa época em que o Estado tinha uma palavra chave. Por exemplo, a Ascendi (da qual fazia parte a construtora Mota e Companhia e o BES) passou a concorrer com a Brisa pela liderança do mercado de concessões rodoviárias (devido ao lançamento pelo Governo Sócrates de novas concessões em regime de parceria público-privada). Outro exemplo: a ESCOM (uma subsidiária do GES) foi a intermediária do consórcio vencedor que vendeu dois submarinos ao Estado português por cerca de 842 milhões de euros. Dos cerca de 30 milhões de euros que a ESCOM recebeu por esse serviço, cerca de cinco milhões foram pagos aos clãs da família Espírito Santo.
E a PT passou a ter uma importância cada vez maior para a liquidez do BES. Entre 2001 e 2014, entre pagamentos por serviços prestados, recebimento de dividendos e utilização da tesouraria da PT para uma concentração de investimentos financeiros em títulos de dívida do BES e do GES, a família Espírito Santo recebeu uma receita total de 8,4 mil milhões de euros. Daí o MP escrever na acusação que “o arguido Ricardo Salgado capturou” a “estratégia e a gestão do Grupo Portugal Telecom” e submeteu-a “à sua estratégia para o Grupo Espírito Santo”.
Como era a sua relação com José Sócrates?
Apesar de todos estes indícios claros de crescimento significativo do GES durante os mandatos de José Sócrates, Ricardo Salgado tem negado nos autos da Operação Marquês que tivesse alguma proximidade com o ex-primeiro-ministro. “Julgo que terei eventualmente tido um encontro quando ele foi do [Ministério] Ambiente uma vez, por causa de uma situação na Beira Baixa, onde nós [GES] tínhamos lá propriedades. Mas, fora isso, as minhas relações com o eng. José Sócrates foram sempre institucionais. (…) Nada de intimidades. Aliás, nunca tive relações íntimas com nenhum primeiro-ministro ou Presidente [da República]”, garantiu Salgado quando foi constituído arguido na Operação Marquês.
Após ter sido confrontado com um jantar em sua casa com Sócrates, Ricardo Salgado disse que não se recordava de tal encontro mas admitiu no mesmo interrogatório que Sócrates “pode ter ido” à sua mansão localizada na Boca do Inferno, em Cascais, “quando regressou de Paris ou qualquer coisa assim”: “Escreveu um livro e foi lá a casa entregar-me o livro. Julgo que foi isso”.
Acresce que, segundo a agenda do ex-líder do BES, que consta dos autos da Operação Marquês por lhe ter sido apreendida pelas autoridades, Salgado e Sócrates reuniram-se cinco vezes entre 2008 e 2013. E não apenas uma no Ministério do Ambiente, como Salgado tinha afirmado anteriormente. As reuniões foram confirmadas por Sócrates mas este recusou qualquer tipo de intimidade com Salgado.
Uma das principais curiosidades do interrogatório de Ricardo Salgado será saber se ele vai deixar recados para o poder político. Em todos os interrogatórios a que foi sujeito, Salgado tem feito questão de contar as suas ‘histórias’ com todos os primeiro-ministros (Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso e Pedro Passos Coelho) com quem contactou. O ex-chefe de Governo mais poupado a esses recados tem sido José Sócrates.
Conhecia Carlos Santos Silva e sabia que era o alegado testa-de-ferro de José Sócrates?
Para tentar saber se a versão de Hélder Bataglia — a quem Ricardo Salgado terá pedido para transferir cerca de 12 milhões de euros entre 2008 e 2009 para Santos Silva — tem fundamento, o juiz Ivo Rosa vai ter de questionar Salgado sobre a sua relação com o alegado testa-de-ferro de José Sócrates.
Quando foi constituído arguido em janeiro de 2017, Salgado jurou que nunca o tinha visto mas automaticamente associou Santos Silva ao Grupo Lena — uma associação justificada por Santos Silva “aparecer nas fotografias com os irmãos Barroca”. Mas, com o decorrer do interrogatório, o ex-líder do BES admitiu que possa “ter cumprimentado o sr. Carlos Santos Silva” aquando de uma visita à direção regional do BES em Leiria”.
Ricardo Salgado disse ainda que “não fazia ideia” da “conjugação de relações entre o eng. Sócrates, o Lena e o Carlos Santos Silva.” Maior surpresa foi ter constatado, pelos documentos bancários enviados pelas autoridades suíças para o DCIAP, que uma parte dos 22 milhões de euros que a ES Enterprises transferiu para Hélder Bataglia foram parar às contas de Santos Silva. “Foi uma total surpresa”, jurava, acusando Bataglia de fazer “circular os recursos por trás das nossas costas.”
Quais as razões para transferir 45 milhões de euros para Henrique Granadeiro e Zeinal Bava?
O homem que ficou conhecido com o DDT (Dono Disto Tudo) foi igualmente acusado de alegada corrupção ativa de Henrique Granadeiro e de Zeinal Bava, os líderes da Portugal Telecom que lideraram o contra-ataque à Sonae aquando da OPA e que acabaram por vender a participação na operadora brasileira Vivo para reinvestirem 3,7 mil milhões dos 7,5 mil milhões de euros recebidos na compra de uma participação numa segunda operadora brasileira chamada Oi/Telemar. Um negócio desastroso que veio a estar na origem na queda da PT — com uma marca do GES bem presente.
Entre 2007 e 2012, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava receberam cerca de 45 milhões de euros da ES Enterprises em datas próximas quer da luta contra a OPA da Sonae (período 2006/2007), quer da venda da Vivo e da concretização do negócio com a Oi (período 2010/2012). O MP entende que essas transferências ordenadas por Ricardo Salgado tiveram como objetivo pagar contrapartidas aos dois gestores por terem apoiado a estratégia do GES.
Salgado sempre negou a visão do MP.
Porque razão as suas explicações não batem certo com as de Zeinal Bava?
Também Zeinal Bava rejeitou qualquer ato de corrupção. O problema é que as versões de Bava e de Salgado não batem certo — tal como o juiz Ivo Rosa fez questão de constatar quando interrogou Bava a 26 de junho, o que levou o ex-CEO a da PT a dizer que mantinha a sua versão.
O então vice-presidente da PT recebeu 6,7 milhões de euros em dezembro de 2007 numa conta propositadamente aberta na Union des Banques Suisses, em Singapura, como alegada contrapartida pela luta bem sucedida contra a OPA da Sonae. Mais tarde, em janeiro e setembro de 2011, recebeu mais 18,5 milhões de euros da ES Enterprises.
Bava disse a Ivo Rosa que tinha proposto a Ricardo Salgado, numa reunião no BES que terá ocorrido entre outubro e novembro de 2007, que o BES financiasse a sua entrada como acionista de referência da PT com uma “participação material.” “Queria ser capitalista” e ter um lugar à mesa do Conselho de Administração, afirmou Bava. Uma versão um pouco diferente daquela que tinha dado ao Observador quando foi confrontado com uma parte das transferências que recebeu da ES Enterprises, visto que sempre se referiu à aplicação fiduciária do GES para “financiar a aquisição de ações da PT por um grupo de altos quadros da empresa [PT]” quando a empresa fosse totalmente privada. Agora, perante Ivo Rosa, Bava voltou a falar da equipa que o podia acompanhar mas admitiu que, no limite, avançaria sozinho para ser acionista da PT com o financiamento do GES.
A explicação que Ricardo Salgado deu ao MP em janeiro de 2017 é significativamente diferente. Em primeiro lugar, o ex-líder do BES nunca ligou as transferências com qualquer insatisfação ou garantia para que fosse líder da PT — e muito menos falou na hipótese de Bava ser acionista de peso da PT. Na versão apresentada por Salgado em janeiro de 2017, a ida de Zeinal Bava para o Brasil em junho de 2013 para liderar a Oi/Telemar é o ponto cardinal dessas transferências — por muito que nas datas das transferências (dezembro de 2007, janeiro e setembro de 2011) tal realidade não existisse.
“Nessa altura, era fundamental enviar uma equipa-choque para o Brasil para tomar conta da Oi/Telemar e essa equipa só nos dava garantias se fossem portugueses. O Zeinal Bava aceita chefiar essa equipa, eu, entretanto, começo a perceber que o Zeinal Bava está a ser solicitado para ‘ir para outras águas’ e parece-nos que quem o terá convidado foi o Carlos Slim [milionário mexicano que chegou a ser acionista da PT] . Bom, mas Zeinal Bava não podia saltar dali e era fundamental ter uma equipa para poder dominar aquela fera da Oi”, contou Salgado. A “operação fiduciária”, diz Salgado, destinava-se a “constituir a âncora para segurar os colaboradores portugueses que fossem para o Brasil”, disse ao procurador Rosário Teixeira.
Segundo Salgado, não ficou nenhum montante estabelecido mas houve evolução “no escalonamento dos pagamentos ao Bava (…) porque também não sabia ainda qual era o número exato de pessoas que iam para o Brasil. E, então, falava-se de um montante que podia chegar a 20 ou 30 milhões de euros”, explicou.
Qual a explicação para as incongruências entre a sua versão e a de Granadeiro?
No caso de Henrique Granadeiro não estão em causa contradições mas sim incongruências. Salgado e o ex- da PT avançaram com versões que coincidem nas explicações para a ES Enterprises ter transferido cerca de 20 milhões de euros entre 2007 e 2012 para Granadeiro:
- Consultadoria a José Manuel Espírito Santo e aos seus irmãos na reversão de maus investimentos nas empresas SECLA e Aleluia (indústria cerâmica) com o dinheiro que receberam do Estado a título de indemnização pelas nacionalizações de 1975;
- Apoio ao Grupo Espírito Santo na reestruturação dos negócios agrícolas da Herdade da Comporta e da Fábrica do Arroz, propriedade do Grupo Espírito Santo;
- E aquisição por parte da ES Enterprises de uma participação numa herdade vinícola de Henrique Granadeiro.
A defesa de Granadeiro nos interrogatórios: o gestor achava “chique” ter conta na Suíça
E quais sãos as incongruências? Várias. No caso da consultadoria prestada a José Manuel Espírito Santo, uma espécie de irmão-adotivo de Granadeiro, a mesma terá ocorrido em 2001, segundo o próprio gestor. Não foi assinado qualquer contrato nem estipulado qualquer valor para a remuneração a pagar. Só em 2007, seis anos depois, é que Granadeiro foi informado por Salgado (e não pelo primo José Manuel) de que esse alegado trabalho seria pago. Assim, a ES Enterprises fez duas transferências para uma conta da Granal, uma sociedade offshore do Panamá, no Banque Pictet, na Suíça:
- Junho de 2007: 6 milhões de euros
- 7 dezembro de 2007 (no mesmo dia em que Bava recebeu 6,7 milhões de euros): cerca de 500 mil euros
Já o apoio na reestruturação dos negócios agrícolas da família Espírito Santo na Comporta são a explicação avançada para os 3,5 milhões de euros recebidos em novembro de 2010 por Granadeiro na Suíça — e não, disse o ex-chairman da PT quando foi constituído arguido na Operação Marquês, pela venda da Vivo. Granadeiro chegou a pormenorizar que esse valor também incluía conselhos que deu para melhorias nas explorações agro-pecuárias que o GES detinha no Paraguai e no Brasil.
Por último, os cerca de 10 milhões de euros recebidos através de três transferências realizadas pela ES Enterprises entre 2011 e 2012 foram explicados por Henrique Granadeiro com a compra de uma participação na Herdade do Vale do Rico Homem, no Alentejo. Neste caso, terá sido assinado um contrato com a data de 10 de janeiro de 2012 entre aquela sociedade offshore do GES que era apenas controlada por Ricardo Salgado e uma sociedade de Granadeiro.
Operação Marquês. Há mais 15 investigações e uma delas envolve Sérgio Monteiro
Salgado não conseguiu especificar no seu interrogatório qual a participação que tinha ordenado comprar nem como se chamava nem onde ficava a quinta de Granadeiro que tem um nome conhecido de um vinho que é vendido nos supermercados Pingo Doce. E porque razão uma sociedade secreta, desconhecida inclusive dos líderes de quatro dos cinco clãs da família Espírito Santo, entendeu investir numa empresa vinícola.
Já Henrique Granadeiro, por seu lado, diz que a ES Enterprises adquiriu 30% do capital da sociedade Margar – Sociedade Agro-Pecuária, SA — sociedade agrícola que detém, entre outros terrenos, a Herdade do Vale do Rico Homem .
O MP acredita que o contrato entre a ES Enterprises e a Margar foi alegadamente forjado e ordenou a extração de certidão para investigar Henrique Granadeiro e Ricardo Salgado num novo inquérito por suspeitas de falsificação de documento e branqueamento de capitais. Existe ainda outra suspeita que será investigada no mesmo processo: a de que Granadeiro terá comprado um apartamento na zona das Amoreiras, no valor de 1,7 milhões de euros, com uma parte do dinheiro que lhe terá sido pago pela ES Enterprises por ordens de Ricardo Salgado.
Não vê qualquer problema em transferir milhões em pagamentos secretos sem que os restantes acionistas e o mercado saibam?
Independentemente da questão da corrupção, e das explicações que Henrique Granadeiro e Zeinal Bava dão para as transferências do saco azul do GES, certo é que os dois gestores receberam aqueles valores quando eram gestores da PT. Ou seja, um acionista da Portugal Telecom pagou cerca de 45 milhões de euros a Bava e a Granadeiro através de transferências realizadas através da Suíça e de Singapura (dois territórios que têm regras apertadas de sigilo bancário) e de sociedades offshore (que escondem os seus verdadeiros proprietário) sem que os restantes acionistas e o resto do mercado tivesse conhecimento de tais transferências.
Por que razão foi necessário utilizar meios tão obscuros (uma sociedade offshore secreta do GES que nem na família Espírito Santo era conhecida e duas sociedades offshore de Granadeiro e Bava que também eram desconhecidas) para fazer pagamentos que alegadamente, e segundo os arguidos, têm razões legais e plausíveis?
Ricardo Salgado e a sua mulher tinham negócios pessoais com Henrique Granadeiro?
Há ainda um pormenor relevante nas transferências que foram feiras entre a ES Enterprises e Henrique Granadeiro que carecem de explicações de Ricardo Salgado. Depois de ter recebido cerca de 9,8 milhões de francos suíços a 7 de outubro de 2011, Granadeiro devolveu a 22 de novembro de 2011 cerca de 4,9 milhões de francos suíços a Ricardo Salgado através de uma conta no banco suíço Lombard Ogier aberta em nome de uma sociedade offshore (a Begolino) que pertencerá a Maria João Bastos, mulher do ex-líder do BES.
Quais as razões para ter ordenado transferências de 6,7 milhões para si próprio?
O MP imputa ainda a Ricardo Salgado um crime de abuso de confiança devido a transferências que ele próprio ordenou para contas na Suíça abertas em nome de uma sociedade offshore chamada Savoices. Ou seja, Salgado é suspeito de ter alegadamente desviado fundos do GES para proveito próprio.
O total ascende a cerca de 6,7 milhões de euros divididos da seguinte forma:
- Duas transferências em 2010 que totalizarão 2 milhões e 750 mil euros para a conta no Credit Suisse aberta em nome da sociedade offshore Savoices (que tem Ricardo Salgado como beneficiário);
- Uma transferência de 4 milhões de euros em 2011 igualmente para a mesma conta Savoices na UBS, na Suíça.
No caso das transferências realizadas em 2010, terão sido feitas através da sociedade offshore Green Emerald, de Hélder Bataglia — o homem que Salgado agora diz que o traiu.
Quando foi constituído arguido, Salgado defendeu-se dizem que se tratavam de empréstimos intercalares para acorrer aos aumentos de capital social que o BES fez em 2011, 2012 e 2014 e que já tinha reembolsado uma parte desses créditos. Em 2017, ainda devia cerca de dois milhões de euros, segundo garantiu. O juiz Ivo Rosa tentará perceber se os créditos já foram pagos.
Independentemente de como correr o interrogatório esta segunda-feira, uma coisa é certa: mesmo não tendo contestado formalmente a acusação do MP, Ricardo Salgado poderá ser beneficiado com uma decisão instrutória se Ivo Rosa, por exemplo, não pronunciar um dos três responsáveis políticos e empresariais (José Sócrates, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava) que foram acusados pelo MP de corrupção passiva. Tudo porque Salgado foi acusado de ser o corruptor ativo desses arguidos, logo, se o juiz entender que os indícios de alegada corrupção contra Sócrates, Granadeiro e Bava não são suficientemente fortes para sustentar uma condenação em julgamento, automaticamente a imputação de corrupção ativa contra Salgado também cairá. A concretizar-se este cenário, o procurador Rosário Teixeira poderá sempre recorrer para a Relação de Lisboa.