Os cinco clãs da família Espírito Santo que tinham representação no Conselho Superior do Grupo Espírito Santo (GES) receberam, em 2004, cinco dos cerca de 30 milhões de euros que foram pagos à Escom por serviços de consultoria na venda de dois submarinos a Portugal — precisamente pelo consórcio alemão que ganhou a adjudicação nesse ano.

De acordo com o jornal i, foi a 7 de novembro de 2013, durante a reunião do Conselho Superior onde José Maria Ricciardi contestou abertamente a liderança de Ricardo Salgado. Foi nessa reunião que Salgado fez uma confissão relacionada com o negócio da compra dos submarinos. “Deram-nos cinco a nós e eles [os administradores da Escom] guardaram 15”, respondeu, quando questionado por um dos membros sobre como tinha sido “esse assunto do recebimento da comissão da Escom”. Nenhum dos membros do antigo Conselho Superior contactados pelo i quis prestar declarações.

A reconstituição da reunião feita pelo i mostra que a questão dos pagamentos só veio à tona porque Ricardo Salgado terá exigido a Manuel Fernando Espírito Santo, representante do ramo Moniz Galvão, a assinatura numa carta que, por sua vez, tivesse as assinaturas dos representantes da família que tinham direito de voto no Conselho Superior do GES. Para Ricardo Salgado era “fundamental” a existência de uma carta com a “assinatura dos cinco”, porque quando o processo judicial fosse arquivado, ele seria “tornado público”.

“Se não assinas a carta, assumes a responsabilidade de te estares a afastar da coesão dos fundadores”, terá dito Salgado, explicando que a carta pretendia ser “um ato de gestão que institucionalizasse a decisão” tomada na altura da compra dos submarinos. Perante a insistência de Salgado, Manuel Fernando acabou por assinar a carta. “Eu assumo a responsabilidade”.

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A transferência dos cinco milhões de euros foi feita, em parcelas iguais, através da Escom, empresa do grupo GES, para as contas pessoais de cada um dos representantes da família na Suíça e noutros países estrangeiros. O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) detetou essas transferências para a Suíça e solicitou a quebra do sigilo bancário de modo a aceder à identidade das pessoas que receberam a transferência. Ricardo Salgado e os restantes membros da família já tinham essa informação, daí a importância da existência de uma carta que tornasse legítimos os valores pagos pela Escom.

O i explica que, de acordo com um acórdão do Supremo Tribunal da Suíça ao qual o Expresso teve acesso, existiam três contas bancárias na Suíça sob suspeita no inquérito à compra dos submarinos, que pertenciam a três membros do Conselho Superior do GES. Para essas contas, teriam sido transferidos três milhões de euros a partir da sociedade Afrexport, detido pela Escom BVI, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas.

Durante a reunião de 7 de novembro de 2013 — onde estavam presentes os nove membros com assento no Conselho, bem como José Castella, controlador financeiro do GES — os membros do Conselho Superior receberam uma pasta com documentação a descrever todo o negócio e falaram da Afrexport. “O erro foi ter sido pela Afrexport. Devia ter ido para a International (ESI) e a International devia ter distribuído pelos membros do Conselho Superior”, afirmou um dos membros da família ao jornal.

Segundo o acórdão suíço citado pelo Expresso, o advogado de defesa dos titulares das contas argumentou que as transferências não estavam relacionadas com as comissões da compra dos submarinos mas sim com a “remuneração de três recorrentes por tarefas realizadas no âmbito do Conselho Superior do GES”. Mas de acordo com a investigação do i, o que Ricardo Salgado terá afirmado na reunião não bate certo com o que o advogado argumentou. Os montantes alegadamente recebidos pelos membros do Conselho Superior foram sempre associados aos submarinos e Salgado terá, inclusive, insistido que sabia pouco do negócio. “A Escom é que tratou de tudo, de A a Z”.

Porém, a revelação dos montantes do negócio não agradou a Ricardo Abecassis Espírito Santo, o membro luso-brasileiro da família. Segundo o que o i apurou, Ricardo terá perguntado a Salgado se achava legítimo serem os administradores da empresa “a decidir quanto é que eles vão ganhar, e não os acionistas”. Salgado utilizou o contexto como desculpa: como terá começado “uma campanha horrível nos jornais”, os acionistas preferiram ficar de fora e optaram por, logo em 2004, parar qualquer operação relacionada com a aquisição de equipamento militar.

Mas Abecassis insistiu que era preciso controlar as empresas e quanto ganham os gestores. Ricardo Salgado aconselhou-o a não remexer mais no assunto — “Vamos acabar por saber quem recebeu parte disto e quem é que deixou de receber” — e, para tentar tranquilizar os presentes, terá dito que tinha a impressão de que “poderia vir a ser arquivado” o processo de investigação sobre suspeitas de corrupção no negócio da compra dos submarinos alemães.

Na altura da compra dos submarinos, o acionista maioritário da Escom era o Grupo Espírito Santo, com 67%. Os restantes 33% estavam nas mãos do presidente da empresa, Helder Bataglia. O Conselho Superior era composto por Ricardo Salgado, António Ricciardi, Manuel Fernando Espírito Santo (filho de Maria do Carmo Moniz Galvão), José Manuel Espírito Santo Silva e Mário Mosqueira do Amaral, as mesmas pessoas que no final de 2013 tinham direito de voto no órgão.