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As armas, os dois alegados reféns e as horas: frame a frame, as dúvidas do vídeo do hospital al-Shifa divulgado por Israel

Israel expôs o que diz ser vídeo de dois reféns levados para o hospital al-Shifa, provando que o Hamas usa a instalação de saúde como uma "infraestrutura terrorista". Hamas não confirma nem desmente.

“Revelado.” Perante a avalanche de críticas e dúvidas expressas pela comunidade internacional relativamente aos ataques a hospitais na Faixa de Gaza — com a maioria das atenções a recaírem sobre os acontecimentos no hospital Al-Shifa —, as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) decidiram publicar, durante este fim de semana, dois vídeos, que, segundo Telavive, justificam a necessidade de realizar ações militares nas redondezas de instituições de saúde, locais que devem ser protegidos em qualquer conflito armado, ao abrigo do direito internacional humanitário.

Um desses vídeos é alegadamente do dia 7 de outubro de 2023, dia em que combatentes do Hamas desencadearam um ataque em território israelita que provocou centenas de mortes e mais de 200 reféns, fazendo escalar o conflito militar entre Israel e o grupo terrorista. As imagens divulgadas pelas IDF terão sido gravadas por câmaras de segurança do hospital al-Shifa entre as 10h42 e as 11h01 daquele dia. As Forças de Defesa de Israel divulgaram-no nas redes sociais, procurando com isso sustentar o argumento de que o Hamas esconde reféns nas unidades de saúde da Faixa de Gaza — e que a operação militar serve, em parte, para os libertar.

Na descrição que apresentaram das imagens, as Forças de Defesa de Israel sublinham que os combatentes do Hamas levaram à força “um civil nepalês e um civil tailandês”, fazendo-os reféns: “Um ficou ferido e estava a ser levado para o hospital, enquanto o outro caminhava.” Este vídeo ajuda Telavive a concluir que “a organização terrorista Hamas usou o complexo do hospital Shifa no dia do massacre de 7 de outubro como uma infraestrutura terrorista”.

Divulgado pelas Forças de Defesa de Israel, o vídeo não foi verificado por fontes independentes. Por sua vez, o Hamas não nega que o vídeo seja verdadeiro, mas desvaloriza-o e disse não ser possível comprovar a sua veracidade. Num comunicado citado pela NBC News, o grupo islâmico argumenta que os médicos palestinianos garantem “serviços médicos a quem deles precisa, independentemente do seu género e raça“.

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Em declarações citadas pela Agence France-Presse, um dirigente do gabinete político do Hamas, Izzat al-Rishq, diz que alguns reféns foram levados para o hospital al-Shifa, não para ficarem em cativeiro na unidade de saúde, mas antes porque tinham ficado “feridos” na sequência de “ataques aéreos” israelitas. “Nós divulgámos imagens de tudo isso e as forças armadas [israelitas] estão a agir como se tivessem descoberto alguma coisa incrível”, atira.

"Nós divulgámos imagens de tudo isso e as forças armadas [israelitas] estão a agir como se tivessem descoberto alguma coisa incrível"
A reação do Hamas ao vídeo

O Observador analisou o vídeo de 37 segundos frame a frame para tentar verificar as versões e os argumentos quer de Israel, quer do Hamas.

O vídeo tem duas partes: os primeiros momentos mostram um alegado refém a caminhar até local incerto, enquanto o segundo bloco de imagens mostra um alegado civil a chegar ensanguentado e com uma ferida na zona da barriga. Em nenhum dos casos é possível conformar a identidade das duas pessoas.

Frame 1: o refém ameaçado com uma espingarda e um machado

Nos primeiros segundos do vídeo, veem-se quatro homens, que Israel diz serem militantes do Hamas, a chegar ao hospital, no dia 7 de outubro de 2023, às 10h53, segundo as supostas imagens com data e horas das câmeras do hospital. Agarram pelos braços o que parece ser um dos reféns, o que apanha desprevenidas três pessoas que estavam na entrada da unidade de saúde.

Um desses elementos do grupo transporta na mão um objeto que aparenta ser um cutelo, ou um pequeno machado, elemento que parece servir de ameaça ao alegado refém.

Há um quinto alegado membro do grupo islâmico, vestido com uma t-shirt vermelha, que transporta uma arma automática e que vai filmando o que se passa à sua frente, enquanto persegue o grupo descrito anteriormente.

Frame 2: as horas

Um dos pormenores que mais suscita dúvidas no vídeo prende-se com as horas. Depois do primeiro conjunto de imagens, em que se vê o suposto refém a ser levado para paradeiro desconhecido, o vídeo mostra um novo plano, já não na entrada do hospital, mas num corredor interno da unidade de saúde.

Para comprovar que o vídeo foi realmente gravado durante a manhã de dia 7 de outubro de 2023, os 37 segundos do vídeo têm sempre essa indicação com base nas supostas câmaras do hospital. Mas há um pormenor que se altera quando passamos o plano mais aberto: os ponteiros do relógio de parede do hospital al-Shifa apontam para as 04h08 (ou 16h08). Ainda assim, durante o vídeo, percebe-se que o relógio está avariado ou sem pilhas, uma vez que os ponteiros se mantêm imóveis durante todo o vídeo.

Esta segunda parte do vídeo foi gravada entre as 10h55 e as 10h56, um minuto e 16 segundos após a primeira parte, de acordo com o registo cronológico que o próprio vídeo apresenta no canto superior esquerdo das imagens. Caso os tempos estejam corretos, a operação durou pouco — aproximadamente 120 segundos.

Frame 3: a equipa médica e outro refém

Após uns segundos, no corredor do hospital entra outro alegado refém deitado numa maca, trazido por sete homens, alguns dos quais já identificados nas imagens anteriores, à porta do hospital, quando arrastavam o suposto primeiro refém. Nesses instantes, surgem dois profissionais de saúde, que encaminham o doente para outra divisão, cujo interior não é visível na gravação divulgada.

Ao longo do vídeo, não é clara a ligação entre os profissionais de saúde e os alegados militantes do Hamas, não sendo possível apurar se existiria algum acordo, diálogo ou aviso prévio no sentido de que aquele paciente fosse recebido naquelas instalações ou por aquela equipa.

Por outro lado, ao revelar publicamente as imagens, as Forças de Defesa de Israel pretendem demonstrar que os profissionais de saúde do hospital estariam conscientes da presença de alegados reféns do Hamas naquele local, desde logo porque foram chamados a prestar-lhes cuidados de saúde.

Frame 4:  a roupa e a identidade dos alegados reféns

Não é possível estabelecer, em rigor, uma análise comparativa da compleição física entre o refém arrastado para o interior do hospital al-Shifa e aquele que surge transportado de maca. De acordo com as informações apontadas por Israel em relação a estas imagens, estarão em causa um cidadão nepalês e outro tailandês. Mas não é possível confirmar, em nenhum dos momentos, esta informação.

O alegado primeiro refém entra no edifício arrastado pelos combatentes do Hamas e não há sinais evidentes de ferimentos, mas as imagens apenas o mostram de costas; no caso do alegado segundo refém, deitado de maca, são visíveis, por um lado, marcas de sangue e o que aparenta ser uma ferida na zona do abdómen, além de outras manchas de sangue na zona dos joelhos, em particular no direito. E há quase dois minutos a separar ambos os vídeos.

Há outro detalhe que salta à vista neste excerto: dois supostos militantes do Hamas que entram na zona mais interior do edifício transportam nas mãos uma camisola azul e uns calções azuis-escuros — precisamente a roupa do primeiro alegado refém, cujo paradeiro é desconhecido nesta parte do vídeo. O refém da maca parece usar apenas uns calções e de cor diferente.

Frame 5: as armas

Outra das provas que sugere ter-se tratado de um rapto consiste nas armas que os alegados militantes do Hamas transportavam. Para além do homem de vermelho que filmava a primeira parte do vídeo, outros supostos membros do grupo islâmico tinham à sua disposição armas automáticas.

No final do vídeo, o doente na maca entra numa das divisões, sendo puxado por dois supostos militantes do Hamas. Outro homem entra naquela divisão — e também leva consigo uma arma automática.

O segundo vídeo nos túneis

A par deste vídeo, foi divulgado outro conjunto de imagens este fim de semana nas redes sociais, por parte das Forças de Defesa de Israel. Nessas imagens, as tropas israelitas desvendam um alegado “túnel de 55 metros” construído “dez metros abaixo do hospital” al-Shifa. “Há semanas que temos revelado ao mundo sobre o uso cínico que o Hamas faz dos residentes de Gaza e dos pacientes do hospital como escudo humano. Aqui estão mais provas.”

As Forças de Defesa de Israel mostram, durante um vídeo de dois minutos, a entrada e o interior do túnel. Para entrar no espaço, é necessário descer uma escadas, ainda que o lado israelita tenha dito que havia “mecanismos de defesa”, como portas à prova de bala, para impedir que as tropas de Telavive entrassem. Depois, mostra-se o interior do alegado túnel, que termina numa porta branca que, frisa Israel, ainda não teria sido aberta até àquele momento.

Contrariamente ao vídeo dos reféns, que o Hamas apenas desvalorizou, neste caso, a reação foi diferente. Citado pela Reuters, o diretor do Ministério de Saúde de Gaza, Mounir El Barsh, considera o vídeo e as alegações de Israel uma “pura mentira”. “Eles estão no hospital há dias… E ainda não encontraram nada”, alega.

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