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Teresa Moreno, neuropediatra que acompanhou as menores e co-autora da carta dirigida ao então diretor clínico do Centro Hospital de Santa Maria a contestar o tratamento, fala durante a sua audição perante os deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito - Gémeas Tratadas com o Medicamento Zolgensma, na Assembleia da República, em Lisboa, 11 de outubro de 2024. Em causa o processo, que tem como arguidos o ex-secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, e Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República, está o tratamento hospitalar das duas crianças luso-brasileiras que receberam o medicamento Zolgensma. ANTÓNIO COTRIM/LUSA
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A neuropediatra Teresa Moreno foi ouvida esta sexta-feira durante três horas e meia

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

A neuropediatra Teresa Moreno foi ouvida esta sexta-feira durante três horas e meia

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

"As meninas do Presidente" tratadas por "ordem de alguém superior" a Lacerda Sales. A audição da médica (que recentra as atenções em Belém)

Neuropediatra que tratou as gémeas fala em "interferência do poder político" e revela a forma como as crianças eram conhecidas em Santa Maria. Teresa Moreno critica também pressão de Daniela Martins.

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A audição da médica neuropediatra Teresa Moreno, que tratou as gémeas luso-brasileiras que receberam o medicamento Zolgensma, foi das mais longas da Comissão Parlamentar de Inquérito. Durante as mais de três horas e meia em que foi ouvida, a especialista acabou por recentrar as atenções do caso no Palácio de Belém, ao revelar que foi dada uma ordem por “alguém superior ao secretário de Estado da Saúde” para a marcação da consulta para as crianças e ao confidenciar aos deputados que as gémeas Maîte e Lorena eram conhecidas nos corredores do hospital como “as meninas do Presidente”, numa referência a Marcelo Rebelo de Sousa. No entanto, a especialista garantiu que a decisão de prescrever o fármaco às crianças foi da sua responsabilidade e assentou somente em critérios clínicos.

Estão são as cinco frases-chave que marcaram a audição e que — apesar de não terem acrescentado nenhum elemento totalmente novo ao que já se sabia sobre a intervenção de Nuno Rebelo de Sousa e da Presidência da República — acabaram por recentrar, de novo, as atenções no Palácio de Belém.

“No dia seguinte, telefona a diretora de departamento a dizer ‘temos mesmo de marcar [a consulta], porque a ordem vem de alguém superior ao secretário de Estado’”

Teresa Moreno revelou aos deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso das gémeas que a diretora do Departamento de Pediatria do Hospital de Santa Maria, e sua superior hierárquica, lhe ligou três vezes solicitando a marcação da consulta para as gémeas. Ao terceiro contacto, Ana Isabel Lopes terá dito a Teresa Moreno, segundo a versão da especialista, que a ordem vinha “de alguém superior ao secretário de Estado”. A neuropediatra Teresa Moreno fez uma descrição dos vários contactos que antecederam a marcação da consulta, que assume ter seguido um procedimento “atípico” em relação que era habitual no seu serviço no Hospital de Santa Maria.

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Para isso foi ativado o plano de contingência do Hospital Santa Maria

Gémeas tiveram a primeira consulta em Santa Maria em janeiro de 2020 e receberam o tratamento com Zolgensma em junho do mesmo ano

SOPA Images/LightRocket via Gett

Numa primeira fase, Ana Isabel Lopes explicou a Teresa Moreno que a ordem vinha do secretário de Estado da Saúde à data, António Lacerda Sales, e que lhe tinha sido transmitida pelo diretor clínico do hospital, Luís Pinheiro — que recebera, por sua vez, indicação daquele governante. “Ela telefona-me e diz: ‘O doutor Luís Pinheiro [diretor clínico] diz que tens de marcar, ele diz que foi por ordem do senhor secretário de Estado’”.

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“No dia seguinte, telefona a diretora de departamento a dizer ‘temos mesmo de marcar [a consulta], porque a ordem vem de alguém superior ao secretário de Estado’.” E, então, Teresa Moreno deu uma data para a primeira consulta: 5 de dezembro. “Hoje diria que quereria uma coisa por escrito”, assume a neuropediatra, depois de revelar as indicações que recebeu, sempre por telefone e sem provas escritas.

Em resposta ao deputado do Chega, André Ventura, Teresa Moreno reconheceu que considerou “irregular” a natureza do pedido, mas que não lhe ocorreu fazer qualquer denúncia e que apenas estava a “cumprir ordens”.

“Dizia-se ‘Vêm aí as meninas do Presidente'”

Já na parte final da audição, a médica que tratou as gémeas luso-brasileiras disse que as crianças eram designadas nos corredores do Hospital de Santa Maria “como as meninas do Presidente”, numa referência ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. “Vêm aí as meninas do Presidente”, dizia-se, revelou Teresa Moreno, garantindo que não sabe quem lançou “o rumor” dentro da unidade hospitalar.

Ainda assim, a médica explicou, em resposta ao deputado socialista João Paulo Correia, que não sabe a quem se referia a diretora de departamento quando falava de alguém “acima da secretaria de Estado”, mas que em conversas informais entre profissionais do hospital se afirmava, embora sem qualquer informação concreta e apenas no “plano da confabulação”, que “acima da secretaria de Estado estão a ministra e o Presidente”.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, fala aos jornalistas no final de uma reunião com o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros e primeiro-ministro em exercício, Paulo Rangel (ausente da fotografia), logo após da reunião do ministro com a proteção civil, na sequência do sismo de magnitude 5,3 na escala de Richter com epicentro a 58 quilómetros a oeste de Sines, no Palácio de Belém, em Lisboa, 26 de agosto de 2024. O sismo de magnitude 5,3 na escala de Richter foi registado às 05:11 e teve epicentro a 58 quilómetros a oeste de Sines, no distrito de Setúbal, e não causou danos pessoais ou materiais até ao momento, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). TIAGO PETINGA/LUSA

Marcelo Rebelo de Sousa só decide no final da Comissão de Inquérito se responde a perguntas dos deputados

TIAGO PETINGA/LUSA

“Houve interferência do poder político na parte médica”

Teresa Moreno obedeceu à ordem de marcação da consulta para as gémeas, mas admitiu, perante os deputados, que sentiu “desconforto” e “irritação” em relação a toda a situação, que considerou “irregular” e uma “interferência do poder político na parte médica”, que disse não compreender. Em resposta ao deputado do PSD António Rodrigues, a médica neuropediatra revelou que já tinha havido uma interferência deste género “em agosto” de 2019 quando foi tratada a bebé Matilde e uma outra criança — embora não tenha dado mais pormenores sobre esses dois outros casos.

No entanto, a neuropediatria diz não ter ponderado reportar o pedido irregular de consulta. “Nem sequer ponderei. Obedeci a uma ordem hierárquica, irritou-me essa ordem hierárquica“, acrescentou, admitindo que não era a primeira vez que algo do género acontecia no serviço de Neuropediatria.

A médica negou ter tido qualquer contacto com Nuno Rebelo de Sousa, com o Presidente da República, com algum elemento da Presidência, com Lacerda Sales ou com a secretária pessoal do secretário de Estado — que conhecera quando esta trabalhara no Hospital de Santa Maria.

“A mãe [das gémeas] não era fácil de gerir” e fez pressão “constante”

Teresa Moreno deixou ainda críticas à forma como, numa fase inicial, a mãe das crianças, Daniela Martins, a pressionava, por vezes de forma “arrogante”, para acelerar os procedimentos para as gémeas poderem aceder ao fármaco milionário.

“A mãe não era fácil de gerir. No início do acompanhamento médico, vinha com o objetivo de as crianças serem tratadas o mais rapidamente possível com Zolgensma e depara-se com a decisão de serem só quando a EMA [Agência Europeia do Medicamento] aprovasse. Naqueles meses, tive uma pressão constante ‘quando é que é? Quanto falta? E algumas afirmações como ‘Se fosse para isto tinha ficado no Brasil, vou para os EUA’”, sublinhou a médica neuropediatra, acrescentando ter reportado esses contactos aos superiores hierárquicos.

Teresa Moreno, neuropediatra que acompanhou as menores e co-autora da carta dirigida ao então diretor clínico do Centro Hospital de Santa Maria a contestar o tratamento, fala durante a sua audição perante os deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito - Gémeas Tratadas com o Medicamento Zolgensma, na Assembleia da República, em Lisboa, 11 de outubro de 2024. Em causa o processo, que tem como arguidos o ex-secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, e Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República, está o tratamento hospitalar das duas crianças luso-brasileiras que receberam o medicamento Zolgensma. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Teresa Moreno criticou pressão de Daniela Martins que chegou a ameaçar levar as crianças para os EUA

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

A médica lembrou que a mãe das gémeas lhe enviou um email dizendo que “tinha todas as autorizações necessárias até à ministra da Saúde”, mas garantiu não saber se essa informação correspondia à realidade. Teresa Moreno referiu que Daniela Martins chegou a adotar “uma postura arrogante”.

Ainda assim, a neuropediatra garantiu que a decisão de tratar as crianças foi meramente clínica.  “Os meus superiores não interferiram nunca na decisão de tratamento”, disse Teresa Moreno, garantindo ter aplicado os critérios clínicos. “Com as gémeas, usei os critérios que usei nas duas primeiras meninas” e noutros doentes, os critérios que se aplicaram “aos 36 doentes” tratados em todo o país até agora, referiu. “Não me foi posta nenhuma coação”, sublinhou a médica.

A médica revelou que recebeu pelo menos quatro contactos, sendo que dois deles foram feitos pela família das gémeas, no sentido de tratar as crianças luso-brasileiras. Teresa Moreno sublinhou que foi contactada, em 2019, por vários lusodescendentes que queriam tratar os filhos em Portugal com Zolgensma e que, “entre esses contactos, havia alguns dirigidos às meninas”.

“Nomeadamente, um colega que me abordou no hospital, um telefonema de outra colega, um telefonema de uma familiar [das crianças], pedindo a medicação”, e ainda um contacto da mãe das gémeas, Daniela Martins, a 14 de novembro de 2019, feito por email, e ao qual não respondeu — tendo reencaminho o email para a direção clínica.

“O primeiro contacto que tenho com a mãe das gémeas é no dia 14 de novembro [de 2019]. Manda-me um email a dizer: Sou a senhora Daniela Martins, sou a mãe das gémeas, penso que já deve ter ouvido falar do meu caso. É aí o primeiro contacto, ao qual eu não respondi”, indicou a médica, em resposta ao deputado do PCP Alfredo Maia.

Um dos visados na audição foi Luís Pinheiro, o ex-diretor clínico do Santa Maria, que ainda vai ser ouvido na CPI

“Residir no país é um fator incontornável para fazer esta medicação”

Outro dos temas a marcar a audição, e introduzido pelo Chega, foi o local de residência das crianças. Teresa Moreno defendeu que a administração do Zolgensma implica uma vigilância clínica “apertada” e sublinhou que é indispensável que os doentes residam no país onde estão a ser tratados (o que não aconteceu sempre no caso das gémeas luso-brasileiras).

“Residir no país é um fator incontornável para fazer esta medicação. Fazer Zolgensma implica ir semanalmente ao hospital durante três meses, fazer análises e medicação. E implica um follow up [acompanhamento] de quatro anos, o que é muito difícil se residirem fora do país”, sublinhou a médica neuropediatra, acrescentando que “os efeitos secundários [da medicação] não surgem logo após a administração e, portanto, implica uma vigilância muito apertada”.

Para Teresa Moreno, a residência em Portugal “é um facto incontornável” para se fazer a medicação, como obrigam as boas práticas. “Esse é um daqueles problemas que eu acho que a nossa classe política tem mesmo de decidir, não são os médicos”, observou, referindo ao commumente designado turismo de saúde. Ora, segundo a médica, Daniela Martins e as crianças ausentavam-se do país “por períodos de dois ou três meses, entre consultas”, ainda que, segundo a especialista, só tenham começado a viajar para o Brasil cerca de “um ano e meio” depois de lhes ter sido administrado o Zolgensma.

Teresa Moreno sublinhou que as viagens eram justificadas pela mãe das gémeas com” questões familiares ou [as crianças] realizarem fisioterapia intensiva”. “Vinham com alguma facilidade”, disse a médica, em resposta a André Ventura, que relembrou que Daniela Martins assinou um “termo de comprometimento” em que garantia que ficaria a residir em Portugal com as filhas. “Houve algumas ausências prolongadas”, confirmou a médica, que ainda hoje acompanha as duas crianças, Maîte e Lorena.

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