Discurso de Luís Montenegro,

no encerramento do 42.º Congresso do PSD

O PSD, como organização política de referência, promoveu uma jornada de discussão livre e profunda sobre o nosso país. Fizemos um debate pela positiva. Não insultámos ninguém, nem diminuímos ninguém. Fazemos política de forma civilizada e edificante. A prioridade é falar dos portugueses e para os portugueses”

O cuidado para não hostilizar Pedro Nuno Santos foi uma evidência ao longo dos dois de Congresso — o nome do secretário-geral do PS nunca foi sequer mencionado. E como as coisas mudam: ainda há um ano, no 41.º Congresso do PSD, o mesmo Montenegro referia-se ao mesmo Pedro Nuno como “fanático e radical” e comparava-o ao “gonçalvismo”. Quanto a André Ventura, e depois da troca de mimos sobre mentiras e meias-verdades, foi francamente ignorado. Despachado o drama orçamental, Luís Montenegro quer agora colocar-se acima do combate partidário — e, com isso, reforçar a ideia de que é um estadista, acima das tricas e da baixa política. É a vantagem inevitável de quem está no poder.

[Precisamos] de foco no essencial. Foco nos problemas que afetam as pessoas e foco na procura de soluções. Foco nas questões que são de todos, a pensar em cada um. E não num estéril jogo de passa-culpas”

Mais uma vez, Montenegro tenta colocar-se acima dos demais adversários. Não deixa de ser igualmente revelador da adaptação da estratégia de Montenegro aos dois anos de poder que tem pela frente. Quando chegou ao Governo, abriu-se um debate sobre a real saúde das contas públicas de Fernando Medina, com vários elementos do Executivo a sugerirem que a situação não era famosa. Depois foi o período das ‘coligações negativas’, com PS e Chega a imporem derrotas a Montenegro e com o primeiro-ministro a dramatizar e a apostar na vitimização. Com o ‘sim’ de Pedro Nuno ao Orçamento, os sociais-democratas viram também a página e apostam noutro discurso.

[E precisamos de esperança]. Esperança nas nossas capacidades enquanto nação inovadora. Esperança de que somos nós que temos de construir o futuro, não é o futuro que deve estar à nossa espera. Olharmos pouco para o lado ou para trás; gastarmos o essencial da nossa energia a olhar para frente”

Na mesma linha, e tal como António Costa fizera antes dele, Luís Montenegro sabe que agora precisar de apostar numa mensagem e numa ideia positiva de e para o país, esforço que terá de ser acompanhado, naturalmente, por respostas concretas e efetivas. Ao longo dos dois dias de reunião magna, foram vários os congressistas a lamentarem e a denunciarem aquilo que dizem ter sido o “ciclo de oito anos de estagnação socialista”. Ora, Montenegro sabe que esse discurso deixa de ser suficiente a partir de agora e que usar a herança recebida como desculpa há-de esgotar-se enquanto argumento político. O tempo da sua avaliação  política começa verdadeiramente agora.

Assinaremos um acordo histórico com Espanha”

Montenegro entra agora na parte mais programática do seu discurso, onde anuncia sete medidas para o país. À cabeça, o primeiro-ministro anuncia um acordo histórico com Espanha para gestão da água, com caudais mínimos no rio Tejo, caudais ecológicos no rio Guadiana, pagamento do Alqueva por parte de agricultores espanhóis e um grande programa de infra-estruturas da água para responder aos desafios do futuro.

Vamos reforçar a proximidade e a visibilidade das polícias na rua. Incrementar com maior abrangência os sistemas de videovigilância. Vamos criar equipa multiforças — PJ, PSP, GNR, ASAE, ACT e a AT — sob a articulação do Sistema de Segurança Interna para irem para o terreno combater sem tréguas a criminalidade violenta, o tráfico de drogas e a imigração ilegal”

A segunda medida de Luís Montenegro é um claro piscar de olho ao eleitorado mais à direita — não seria o único, de resto. O primeiro-ministro acredita que a perceção do aumento da insegurança e o aumento da criminalidade violenta (comprovado pelos dados mais recentes) têm de merecer uma reposta efetiva, sob pena de partidos como o Chega capturarem ainda mais esses temas. O eventual sucesso desta nova abordagem permitirá, em teoria, roubar o discurso a André Ventura.

Vamos duplicar o valor do apoio para a autonomização das vítimas do crime de violência doméstica: vamos investir mais 25 milhões de euros nos instrumentos de teleassistência e transporte das vítimas e vamos garantir que as mulheres que são acolhidas em casas de abrigo fora da sua área de residência terão acesso imediato aos cuidados de saúde nas localidades de acolhimento”

Já no Congresso de novembro de 2023, Luís Montenegro já tinha dedicado uma parte do seu discurso às mulheres que são vítimas de violência doméstica. Ainda em julho, o Governo tinha anunciado a criação de um grupo de trabalho transversal dedicado, precisamente, à violência doméstica. Agora, o primeiro-ministro apareceu a concretizar essa preocupação.

É preciso não esquecer os territórios de alta densidade. Vamos lançar de Braga a olhar para Lisboa um grande projeto de reabilitação da Área Metropolitana de Lisboa

Nesta passagem do seu discurso, Montenegro anunciou a criação de uma Sociedade de Gestão Reabilitação e Promoção Urbana, a que dará o nome de Parque Humberto Delgado e que “será o instrumento para pensar, projetar e ordenar o Arco Ribeirinho Sul nos municípios de Almada, Barreiro e Seixal”; um “segundo polo, o Ocean Campus, entre o vale do Jamor e Algés, nos municípios de Lisboa e Oeiras”; e, finalmente, um terceiro polo a aproveitar os terrenos que serão libertados com o fim do atual aeroporto Humberto Delgado, nos municípios de Lisboa e Loures. O primeiro-ministro não se comprometeu com datas — olhando apenas para o aeroporto de Lisboa, é coisa para demorar uns aninhos largos –, mas a ideia de arrancar com um mega-projeto para requalificação e Habitação em ano de autárquicas pode ser muito popular — e chegará a muitos eleitores.

Em quinto lugar, na área da Educação, vamos aumentar a comparticipação pública por sala para garantir a universalidade do acesso ao ensino pré-escolar, testando novos contratos de associação, olhando para o interesse das crianças e não para qualquer bloqueio ideológico que frustra o acesso de todos a uma oportunidade a começar no primeiro ciclo de ensino, que deve ser dos zero aos seis anos, na creche e no pré-escolar”

É o regresso a uma causa muito própria da área política onde estão PSD e CDS e que motivou um dos primeiros combates políticos contra o governo de António Costa: o fim dos contratos de associação, decididos pelo então ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, e defendidos pela secretário de Estado Alexandra Leitão, hoje líder parlamentar do PS. Montenegro não explicou exatamente em que termos vão ser testados os novos contratos de associação, mas não deixa de ser um ajuste de contas político com os oito anos de governação socialista.

Vamos rever os programas do ensino básico e do ensino secundário e reforçar o cultivo dos valores constitucionais e libertar a disciplina de cidadania das amarras a projetos ideológicos”

Foi ‘o’ momento mais aplaudido do discurso de Luís Montenegro, o que demonstra que o partido, apesar de ter passado dois dias a propor-se a ocupar o centro político e do regime, está claramente inclinado para a direita. Luís Montenegro comprou uma causa que vai ganhando algum lastro junto do seu eleitorado e prometeu acabar com os “projetos de fação” que, no entender do social-democrata, tomaram conta dos programas educativos para esta disciplina. Mais uma ofensiva contra o eleitorado do Chega.

Em sexto lugar, na saúde, vamos dar a cerca de 150 mil doentes a possibilidade de receberem os seus medicamentos na sua farmácia de proximidade”

O objetivo do Governo, como explicaria o primeiro-ministro, é dar uma alternativa aos doentes, em particular os mais velhos, para não terem de “fazer 100, 200 ou 300 quilómetros para os ir” levantar os medicamentos no hospital. Depois de o Executivo ter aprovado medicamentos gratuitos para os 140 mil beneficiários do Complemento Solidário para Idosos, e do próprio aumento do complemento tal como das pensões, esta é mais uma medida pensada no mesmo sentido.

[Vamos construir] dois centros de instalação temporária para acolher casos de imigração ilegal ou irregular. Lançaremos um programa de atração de talento no estrangeiro para empresas e instituições financeiras. Queremos atrair capital humano qualificado”

Mais uma parte da imigração ilegal ou irregular, desafio que o Governo tem assumido como prioritário, desde logo com o fim da manifestação de interesse, o que, segundo dados avançados pelo próprio Executivo, permitiu reduzir em 80% os pedidos de residência em Portugal. Montenegro procura assim concretizar a sua política de imigração regulada (“Não queremos nem portas fechadas, nem portas escancarada”, como vai repetindo), ao mesmo tempo que procura alterar o perfil de imigrantes que procuram Portugal.

Não poderemos falhar ao nosso tempo e a quem vier a seguir a nós”

Quase a terminar, Luís Montenegro soltou uma frase que é todo um programa político. A direita estava afastada do poder há oito anos. Com Pedro Passos Coelho, governou durante quatro anos num período de grande exigência e altamente impopular. Antes disso, Durão Barroso herdou um “país de tanga”. O que significa que esta é a primeira vez desde Aníbal Cavaco Silva que o PSD está em condições de governar o país sem os os habituais constrangimentos financeiros ou sem uma crise financeira à porta. Se falhar, Montenegro deixará o partido numa situação delicada para futuro.