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O antigo primeiro-ministro, José Sócrates, durante uma conferência de imprensa sobre os últimos desenvolvimentos da Operação Marquês, na Ericeira, 17 de abril de 2024. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
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ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

As sete mentiras, a resposta enganadora e um facto inconclusivo. Fact Check à entrevista de José Sócrates

Sócrates recusou que apresente manobras dilatórias, disse que apenas apresentou um recurso com efeito suspensivo e que os media não noticiaram a sua queixa contra o Estado. Mas não foi assim.

    Índice

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As principais mensagens que José Sócrates quis passar na entrevista à CNN Portugal foram claras: nunca praticou manobras dilatórias, os cerca de 40 recursos e incidentes processuais que apresentou são totalmente legítimos e nove dos dez anos da Operação Marquês são responsabilidade do Estado.

O ex-primeiro-ministro dava assim resposta ao acórdão desta quarta-feira da Relação de Lisboa que o acusou de “protelar de forma manifestamente abusiva e ostensiva” a “submissão a julgamento”, com “comportamento doloso” que os “tribunais não podem aceitar”.

Como a Relação de Lisboa usou o número mágico 670 para forçar o julgamento da Operação Marquês

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Mas será que todos os alegados factos apresentados pelo ex-primeiro-ministro são verdadeiros? O Observador fez um fact-check das principais declarações de José Sócrates.

A responsabilidade pela demora na resolução da Operação Marquês é do Estado e não das manobras dilatórias de José Sócrates?

A frase

Há uma campanha mediática e de uma parte do sistema judiciário segundo a qual sou responsável por atrasos na Operação Marquês (…) A verdade é que o processo de inquérito demorou quatro anos. (…) Depois a instrução demorou três anos e a responsabilidade é aí do tribunal. (…) Houve dois conflitos de competências que demoraram 14 meses. (…) Nove dos 10 anos são da inteira responsabilidade do Estado Judiciário. Nós nada temos a ver com isso. É absolutamente falso todo esse discurso das manobras dilatórias (…)”

A resposta de José Sócrates ignora diversos factos processuais que o Observador constatou na consulta dos autos desde 2017:

  • Em primeiro lugar, os autos da Operação Marquês não duram há “10 anos”. Foram abertos no dia 19 de julho de 2013. Ou seja, já duram há mais de 11 anos.
  • Por outro lado, a fase de instrução criminal é uma fase facultativa e da exclusiva responsabilidade dos arguidos que queiram contestar a acusação do Ministério Público. Houve 19 arguidos acusados na Operação Marquês que quiseram requerer a abertura de instrução. José Sócrates foi um deles. É relativamente comum que os arguidos não requeiram a abertura de instrução e passem diretamente para ao julgamento. Isto é, não foi o Estado que pediu a instrução, sendo certo que todas as diligências, nomeadamente a audição de testemunhas, que fizeram com que a instrução demorasse dois anos e sete meses foram requeridas única e exclusivamente pelas defesas e não pelo Ministério Público.
A fase de instrução criminal é uma fase facultativa e da exclusiva responsabilidade dos arguidos que queiram contestar a acusação do Ministério Público. Houve 19 arguidos acusados na Operação Marquês que quiseram requerer a abertura de instrução. José Sócrates foi um deles. Isto é, não foi o Estado que pediu a instrução, sendo certo que todas as diligências, nomeadamente a audição de testemunhas, foram requeridas pelas defesas.
  • José Sócrates já apresentou entre 30 a 40 recursos e incidentes processuais. Todos esses recursos e incidentes processuais têm efetivamente atrasado o processo — e segundo a Relação de Lisboa, para “protelar de forma manifestamente abusiva e ostensiva”“submissão a julgamento” com “comportamento doloso” que os “tribunais não podem aceitar”.
  • É verdade que houve dois conflitos de competência, sendo que o principal ocorreu entre o juiz Ivo Rosa, que pronunciou José Sócrates e Carlos Santos Silva, e a juíza Margarida Alves, que devia julgar aqueles dois arguidos — e que está explicado neste trabalho do Observador. Contudo, esse conflito demorou três meses a ficar resolvido — e não 14 meses. Sócrates não disse que foi ele próprio quem interpôs um recurso no Tribunal Constitucional contra a decisão da Relação de Lisboa, que deu razão a Margarida Alves.
  • Ou seja, o conflito de competências demorou cerca de três meses (entre julho e outubro de 2021) a ser resolvido. Devido ao recurso de José Sócrates para o Tribunal Constitucional com efeito suspensivo — que veio a ser indeferido —, a decisão da Relação sobre o conflito de competências demorou mais três meses a transitar em julgado (entre outubro de 2021 e janeiro de 2022).
  • Acresce a tudo isto que todos os arguidos (incluindo José Sócrates) tiveram direito a 120 dias para responderem ao recurso do Ministério Público para a Relação de Lisboa contra a decisão de não pronúncia e contra a decisão de pronúncia de Ivo Rosa. Pelo meio, o juiz de instrução esteve de baixa por vários meses devido a um problema de saúde cardíaco que obrigou a uma intervenção cirúrgica. Ou seja, os recursos sobre a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa só subiram à Relação de Lisboa em fevereiro de 2023, como o Observador noticiou aqui e explicou a demora aqui.

Conclusão

É falso que a Operação Marquês dure há 10 anos e que a responsabilidade de 9 dos 11 anos pelos quais duram os autos pertença ao Estado.

ERRADO

O acórdão da Relação de Lisboa só se referiu mesmo a um recurso de José Sócrates e não analisou a postura processual de José Sócrates? E não tem a ver com o julgamento?

A frase

O acórdão da Relação de Lisboa só refere um caso. A campanha mediática de uma parte do sistema judicial, de que eu tenho responsabilidade no atraso da Operação Marquês tem muitos meses, é muito antiga e eu venho aqui para repor a verdade dos factos (…) Ao contrário do que dizem, essa decisão nada tem a ver com o julgamento. Tem a ver com o impedimento do juiz.”

Após José Sócrates denunciar uma alegada campanha da comunicação social e do sistema judicial, que “começou há um ano”, sobre a sua responsabilidade no atraso da tramitação dos autos da Operação Marquês, o ex-primeiro-ministro foi confrontado com o facto de as suas declarações estarem relacionadas com o acórdão desta semana da Relação de Lisboa. Foi nesse contexto que Sócrates disse que o acórdão da 3.ª Secção da Relação de Lisboa nada tinha a ver com o julgamento da Operação Marquês.

Mais à frente, o principal arguido do caso Marquês  aconselhou mesmo “paciência ao senhor juiz” porque “não lhe compete estar a fazer processos de intenções relativamente às ações dos intervenientes processuais.” Ora, o acórdão foi emitido em conferência por três juízes desembargadores e não por um juiz — o ex-primeiro-ministro estaria a referir-se ao relator, Francisco Henriques.

Quanto ao acórdão, pronunciou-se apenas sobre “um caso” ou analisou as “ações” que Sócrates tem tido sistematicamente ao longo do processo?

Operação Marquês deixou de ser urgente, incidentes processuais sucedem-se e início de julgamento de Sócrates continua sem data

A resposta está no próprio acórdão da Relação de Lisboa. “O comportamento processual do reclamante/recorrente não é justificável” e “não é legalmente admissível a apresentação de sucessivas reclamações. Este tem sido o comportamento processual do reclamante/recorrente, pois apresenta sucessivas reclamações para a conferência, contra despachos do relator e acórdãos”, escreveram os desembargadores Francisco Henriques, Margarida Ramos de Almeida e Adelina Barradas de Oliveira.

Os juízes foram também claros nas consequências da decisão para colocar o processo na rota do julgamento, ao decidirem aplicar o artigo 670.º do Código do Processo Civil — com a extração para processo à parte dos próximos incidentes que venham a ser suscitados, para que não possam travar mais a tramitação — e ao indicarem que o processo será enviado para a primeira instância para se iniciar o julgamento, após serem decididas as duas questões pendentes no Supremo Tribunal de Justiça. Em causa está a pronúncia de janeiro de 2024 na Relação de Lisboa, que recuperou da acusação do Ministério Público 22 crimes imputados a Sócrates: três de corrupção, seis de fraude fiscal e 13 de branqueamento.

Conclusão

É falso que o acórdão de quarta-feira da Relação de Lisboa não tenha analisado o comportamento de José Sócrates ao longo do processo e que não tenha a ver diretamente com a submissão a julgamento.

ERRADO

É mesmo verdade que só um recurso de José Sócrates teve efeito suspensivo?

A frase

Isso não é verdade. Pode dizer-me qual foi o recurso que eu apresentei que suspendeu o processo? (…) Apresentei recursos, com certeza. Mas só um deles teve efeito suspensivo: o recurso que eu apresentei contra a pronúncia do juiz Ivo Rosa (…)”

Perante a constatação de que os recursos apresentados tinham suspendido a marcha do processo, o ex-primeiro-ministro reagiu de imediato, negando esse facto e desafiando várias vezes que lhe fossem apresentados esses recursos em que tenha sido fixado o efeito suspensivo, à exceção do único em que admite que isso aconteceu.

Não é verdade que apenas um recurso apresentado por José Sócrates — o recurso sobre a decisão instrutória de abril de 2021 do juiz Ivo Rosa — tenha tido efeito suspensivo.

Eis os grupos de recursos e incidentes processuais apresentados por Sócrates que tiveram efeito suspensivo:

  • Desde logo, os cerca de 30 incidentes de recusa de juiz (a contabilidade foi apresentada pelo desembargador Manuel Ramos Soares, anterior presidente da Associação Sindical de Juízes) que José Sócrates já apresentou desde o início do processo. Isto é, pararam a marcha do processo — o juiz alvo de recusa ficou impedido de tomar decisões que não fossem urgentes e um tribunal superior teve de decidir o incidente de recusa. Houve poucas exceções a esta regra, tendo o Observador identificado duas e pela mesma razão: o juiz Pedro Correia decidiu a 17 de fevereiro de 2023 enviar os recursos sobre a decisão instrutória de Ivo Rosa para a Relação de Lisboa e as desembargadoras Raquel Lima, Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira decidiram rejeitar as nulidades a 2 de maio de 2024; todos tinham incidentes de recusa ainda não decididos mas alegaram que existia risco de prescrição de vários crimes e tomaram as respetivas decisões.
Os cerca de 30 incidentes de recusa de juiz que José Sócrates já apresentou desde o início do processo, tiveram todos efeito suspensivo. Isto é, pararam a marcha do processo, o juiz alvo de recusa ficou impedido de tomar decisões que não fossem urgentes e um tribunal superior teve de decidir o incidente de recusa. Houve poucas exceções a esta regra, tendo o Observador identificado apenas duas.
  • Outro exemplo de recurso com efeito suspensivo: os requerimentos de nulidades de José Sócrates e de outros arguidos sobre o acórdão de 25 de janeiro de Raquel Lima, Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira suspenderam a eficácia dessa decisão e impediram que os autos baixassem à primeira instância para que o julgamento se iniciasse. E as respetivas reclamações sobre a decisão das desembargadoras apresentadas por Sócrates também tiveram efeito suspensivo. Se não fosse assim, o acórdão já teria transitado em julgado e já teria baixado para a primeira instância?
  • Num exemplo mais recente, num despacho de segunda-feira do Tribunal Constitucional (TC), a que o Observador teve acesso, é possível verificar que foi admitido em junho deste ano um recurso de constitucionalidade de José Sócrates, ao qual a Relação de Lisboa tinha conferido efeito devolutivo. No entanto, como a defesa do ex-primeiro-ministro reclamou a atribuição desse efeito, o conselheiro Rui Guerra da Fonseca acabou por dar prazo aos outros intervenientes para se pronunciarem. O que rebate a ideia de que Sócrates não contribui para travar a tramitação dos autos.
  • Há muitos outros exemplos de recurso/reclamação/nulidade, incidente de recusa e outros tipos de incidentes apresentados por José Sócrates que tiveram efeito suspensivo.

Conclusão

A declaração de José Sócrates sobre apenas um recurso apresentado ter tido efeito suspensivo no processo é falsa.

ERRADO

Não há mesmo nenhuma acusação ou pronúncia contra José Sócrates?

A frase

Neste momento que estamos a viver, não há nenhuma acusação ou pronúncia contra mim. A acusação [do Ministério Público] foi de 2017. Foi derrubada em 2021 na instrução [por Ivo Rosa]. Na instrução o juiz Ivo Rosa pronunciou-me por seis crimes. E esses seis crimes foram derrubados agora em março de 2024 num acórdão da Relação de Lisboa que me deu total razão num recurso que eu apresentei. (…) Ah, mas diz-me: ‘Mas há uma pronúncia para julgamento que vai repescar a acusação de 2017!” Nós estamos a lutar contra esse acórdão. (…)

José Sócrates procurou colar o acórdão de março da Relação de Lisboa — que determinou a reformulação da pronúncia do juiz Ivo Rosa na decisão instrutória de abril de 2021, na qual tinha sido pronunciado por seis crimes (três de falsificação e três de branqueamento) — à decisão de janeiro deste ano, que abarcou o recurso do Ministério Público sobre a não pronúncia e que veio recuperar a maioria dos crimes imputados pelo Ministério Público, pronunciando-o para julgamento por 22 crimes.

Na ótica do ex-governante, a decisão de março anulou a de janeiro, pelo que não restaria mais qualquer acusação ou pronúncia. Mas não é assim.

O âmbito do presente recurso limitar-se-á a declarar nula a decisão instrutória, na parte em que pronuncia os arguidos José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa e Carlos Manuel dos Santos Silva pela prática, em coautoria, de três crimes de branqueamento de capitais, (…) e de três crimes de falsificação de documento, (…) por consubstanciar uma alteração substancial dos factos”, lê-se no acórdão assinado pelas desembargadoras Maria José Cortes e Maria do Rosário Martins.

Na ótica do ex-governante, a decisão de março anulou a de janeiro, pelo que não restaria mais qualquer acusação ou pronúncia. Não é verdade. "O âmbito do presente recurso limitar-se-á a declarar nula a decisão instrutória, na parte em que pronuncia os arguidos José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa e Carlos Manuel dos Santos Silva pela prática, em coautoria, de três crimes de branqueamento de capitais, (…) e de três crimes de falsificação de documento, (…) por consubstanciar uma alteração substancial dos factos", lê-se no acórdão da Relação.

Ou seja, a decisão de março da Relação de Lisboa não invalidou o acórdão de janeiro que remeteu Sócrates e mais 21 arguidos para julgamento, conforme o Observador explicou neste trabalho.

Aliás, o próprio acórdão desta quarta-feira da Relação de Lisboa reconhece a manifesta existência de uma pronúncia sobre o ex-primeiro-ministro, quando acusa Sócrates de “protelar de forma manifestamente abusiva e ostensiva o trânsito do despacho de pronúncia e, consequentemente, da sua submissão a julgamento”.

Conclusão

É falso que não exista nenhuma acusação ou pronúncia sobre José Sócrates. O Tribunal da Relação de Lisboa emitiu uma decisão de pronúncia para julgamento de Sócrates e de outros arguidos pela prática de 118 crimes e essa decisão é válida. A Relação de Lisboa anunciou esta semana que vai executar essa decisão.

ERRADO

Houve mesmo três acusações na Operação Marquês?

A frase

O Estado português já fez três acusações contra mim. Não uma, mas três. Fez a acusação de 2017. Essa acusação soçobrou no tribunal de instrução. O juiz Ivo Rosa decidiu construir uma nova acusação e acusou-me… acusou-me, não. Pronunciou-me por seis crimes que estavam indiciados e devia ir a julgamento. Essa nova acusação soçobrou no Tribunal da Relação. E no mesmo ano, o mesmo Tribunal da Relação fez uma nova acusação. Quer dizer, já vamos em três acusações. Desculpem! Eu não sei se estão a perceber bem: cada vez que eu ganho. Ao fim de dez anos da Operação Marquês, cada vez que eu ganho, surge uma nova acusação!”

José Sócrates argumentou que o processo Operação Marquês já conheceu “três acusações”, enumerando como tal aquela que o Ministério Público concluiu em outubro de 2017, o que resultou da decisão instrutória do juiz Ivo Rosa em abril de 2021 e a decisão de janeiro de 2024 da Relação de Lisboa que recuperou parte substancial dos crimes imputados aos arguidos.

Explicando por partes: a acusação elaborada pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (então dirigido pelo atual procurador-geral da República, Amadeu Guerra) há sete anos imputou um total de 31 crimes ao ex-primeiro-ministro — corrupção passiva de titular de cargo político (3), branqueamento de capitais (16), falsificação de documento (9) e fraude fiscal qualificada (3).

PT, BES e Vale do Lobo. Como Sócrates terá sido corrompido desde o 1.º dia

Na decisão instrutória, em 9 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa afastou a maioria dos crimes de José Sócrates e dos restantes arguidos, pronunciando para julgamento o ex-primeiro-ministro por apenas seis crimes: três de falsificação de documentos e três de branqueamento de capitais.

Já em janeiro de 2024, a Relação de Lisboa analisou o recurso do Ministério Público sobre o despacho de não pronúncia resultante da decisão instrutória, recuperando a maioria dos crimes imputados, nomeadamente para Sócrates, que foi pronunciado por 22 crimes.

Contudo, a acusação do Ministério Público contra José Sócrates foi apenas uma e as decisões que se seguiram nos tribunais assentaram sempre sobre o mesmo texto do Ministério Público e sobre os mesmos factos indiciários. Não foi deduzida qualquer acusação a não ser aquela que tem a data de 9 de outubro de 2017 e foi assinada por uma equipa de sete procuradores liderados por Rosário Teixeira.

Conclusão

É falso que tenham existido três acusações contra José Sócrates. A acusação do Ministério Público é a mesma e os factos indiciários também.

ERRADO

A ação de José Sócrates contra o Estado nunca foi noticiada?

A frase

Tenho aqui comigo uma peça de uma ação que apresentei contra o Estado em 2017 (…). Como o Estado nunca mais arquivava ou acusava, eu coloquei uma ação contra o Estado por morosidade da Justiça. (…) Claro que nenhum jornalista algum dia deu uma notícia sobre esta ação que eu coloquei contra o Estado. Nunca foi referido… É uma coisa extraordinária! Tem oito anos. Nunca nenhum jornalista falou disto”

O ex-primeiro-ministro atacou a comunicação social por não ter noticiado a ação que intentou contra o Estado português em fevereiro de 2017 devido aos “prejuízos” causados pela demora na investigação da Operação Marquês, cujo despacho de acusação do Ministério Público viria a ser conhecido em outubro desse ano.

Porém, não só o processo de Sócrates contra o Estado foi noticiado, como tal ocorreu de forma praticamente transversal a toda a comunicação social nacional, conforme são exemplo as publicações dos seguintes meios: Observador, Público, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Renascença, SIC ou RTP.

Conclusão

É falso que a comunicação social não tenha noticiado o processo de José Sócrates contra o Estado português.

ERRADO

A fase de instrução é uma fase de pré-julgamento e Sócrates foi mesmo “ilibado”?

A frase

Eu já fui a uma fase de pré-julgamento. A instrução é uma fase de pré-julgamento. O que é que faz a fase de instrução? Verifica se as acusações que existem contra alguém se têm, ou não têm, fundamento, se têm ou não têm indícios. (…) Desculpe, eu já fui ilibado. Não há melhor forma de me ilibar do que aquela que aconteceu na instrução. (…) Em 2021, o Tribunal Central de Instrução Criminal considerou que todas as acusações contra mim como fantasiosas, especulativas e incongruentes

Quando questionado se queria “ir a julgamento para provar a sua inocência?”, José Sócrates respondeu: “Não, não”, e pede “um pouco mais de rigor”. Depois tenta defender a ideia de que já foi alvo de uma espécie de absolvição.

Mas não é verdade que tenha sido ilibado. Principal prova? A própria decisão instrutória do juiz Ivo Rosa que pronunciou Sócrates para julgamento por três crimes de branqueamento de capitais (com origem um crime de corrupção alegadamente prescrito) e três crimes de falsificação de documento.

Não é verdade que José Sócrates tenha sido ilibado. Principal prova? A própria decisão instrutória do juiz Ivo Rosa que pronunciou Sócrates para julgamento por três crimes de branqueamento de capitais (com origem um crime de corrupção alegadamente prescrito) e três crimes de falsificação de documento.

Paralelamente, a fase de instrução não foi criada com o intuito de se tornar um pré-julgamento do processo. Como refere o artigo 286.º do Código do Processo Penal, “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”, tem um caráter facultativo e pode ser desencadeada pelos arguidos ou assistentes. Nesta fase são realizados apenas os atos que o juiz de instrução entenda serem necessários, sendo apenas obrigatória a realização de debate instrutório.

E o grau de exigência da prova não tem a mesma intensidade — continua a ser prova indiciária — que o grau de exigência de prova para condenar alguém pela prática de um crime.

Conclusão

É enganadora a ideia de que a fase de julgamento corresponda a um pré-julgamento e que o Tribunal Central de Instrução Criminal tenha ilibado José Sócrates, visto que o juiz Ivo Rosa pronunciou-o para julgamento por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documento.

ENGANADOR

Os arguidos não têm de pagar taxas de justiça para se defender?

A frase

Está a referir-se ao que o juiz disse? Eu acho isso absolutamente ridículo (…) Sabe o que é que isso significa? Significa que você agora teria de pagar para se defender. Era o que faltava! Você pode defender-se no sistema penal. Se você não concorda com uma decisão do juiz, tem o direito a defender-se. (…) É absolutamente ridículo o que está a dizer [de que existem custas judiciais de 24 mil euros por pagar] Eu agora teria de pagar antes [de recorrer] Isso é tudo uma coisa de maluquice total…

Na justiça portuguesa, todos os arguidos têm de pagar taxas de justiça para recorrerem, têm de pagar multas caso os recursos sejam apresentados fora de prazo e têm ainda de pagar custas judiciais quando perdem os respetivos recursos.

A litigância de Sócrates no processo Operação Marquês, que a Relação de Lisboa considerou ter um fim dilatório e “constitui um comportamento doloso”, conheceu um travão no acórdão de quarta-feira com a aplicação do artigo 670.º do Código do Processo Civil. “Todos os requerimentos que, a partir desta data, se relacionem com questões já definitivamente decididas no âmbito do acórdão deste Tribunal, das quais se pretenda interpor recurso/aclaração/reclamação/nulidade ou incidente afim, serão processados em separado”, escreveram os desembargadores.

José Sócrates tem de pagar já mais de 24 mil euros de custas judiciais da Operação Marquês

O acórdão invocou também o n.º 4 do mesmo artigo, no qual se lê que “apenas é proferida a decisão no traslado depois de, contadas as custas a final, o requerente as ter pago, bem como todas as multas e indemnizações que hajam sido fixadas pelo tribunal“.

Juízes, advogados e outras fontes judiciais já ouvidas pelo Observador convergiram na ideia de que a decisão da Relação impõe o pagamento de custas e multas em atraso a Sócrates no processo Operação Marquês antes de a justiça portuguesa se pronunciar sobre novos eventuais incidentes processuais que venham a ser apresentados pela defesa do antigo governante.

“Tem de liquidar tudo o que está em falta”, referiu o advogado Pedro Marinho Falcão, secundado pelo presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), Nuno Matos: “Quanto às custas, tem de ser paga a totalidade das custas para o traslado (que é o que fica na Relação) poder prosseguir”.

De acordo com um levantamento feito pela SIC em fevereiro de 2023, o ex-primeiro-ministro já tinha cerca de 24 mil euros em custas e multas por pagar por força dos recursos, reclamações e incidentes processuais apresentados pela sua defesa ao longo dos anos. A mesma estação de televisão fala agora, porque já foram apresentados mais recursos por Sócrates, em cerca de 27 mil euros por pagar.

Conclusão

É falso que os arguidos não tenham de pagar taxas de justiça para se defenderem em processo penal.

ERRADO

A lei impede mesmo Amadeu Guerra de ser procurador-geral da República a partir dos 70 anos?

A frase

Sócrates acusou ainda os sistemas mediático, judicial e político de quererem “esconder” que Amadeu Guerra terá de cessar funções quando completar 70 anos. “Que é daqui a pouco tempo, porque está escrito na lei. É só fazer umas consultas no Google… A lei diz que qualquer procurador cessa funções aos 70 anos”

O procurador-geral da República Pinto Monteiro — indicado para o cargo precisamente por José Sócrates — esteve cerca de seis meses em funções depois de completar em abril de 2012 os 70 anos, quando foi sucedido no cargo por Joana Marques Vidal apenas em outubro desse ano.

Quando o primeiro-ministro Luís Montenegro indicou o nome de Amadeu Guerra, de 69 anos (completa 70 em janeiro de 2025), para liderar o Ministério Público, numa escolha confirmada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, houve algumas vozes a questionar a limitação da idade. Entre as pessoas a apontar para a eventual necessidade de rever a legislação nesta matéria estiveram o antigo PGR Cunha Rodrigues ou o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, Luís Azevedo Mendes.

O Estatuto do Ministério Público indica no artigo 193.º que “os magistrados do Ministério Público cessam funções (…) no dia em que completem 70 anos de idade”.

Contudo, o Governo veio refutar esse enquadramento da lei em relação ao exercício do cargo de procurador-geral da República ainda antes da tomada de posse de Amadeu Guerra. “O Governo considera que esta é uma falsa questão, pois não há qualquer limite legal quanto à idade do Procurador-Geral da República. Os limites previstos na lei aplicam-se às funções de magistrado (isto é, quando exerçam funções da magistratura, o que não é o caso do PGR — que até poderia não ser um magistrado) ou a funcionários públicos (que o PGR nitidamente não é)”, indicou à Lusa o Ministério da Justiça no início de outubro.

Para o Governo, “como o PGR não está no exercício de funções de magistrado, nem de funcionário público, esse problema não se põe”.

Conclusão

José Sócrates fez uma interpretação possível da lei e expressou-a como se fosse um facto — já rebatido por especialistas e pelo Governo.

INCONCLUSIVO

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