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Porque é que o recurso do MP para julgar José Sócrates demorou quase dois anos a chegar à Relação de Lisboa?

Recusa de Ivo Rosa em receber o recurso do MP está na origem da demora na tramitação. Imbróglio jurídico criado por magistrado demorou mais de um ano a resolver.

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Já passaram quase 10 anos desde a abertura do inquérito e mais de cinco anos desde que José Sócrates foi acusado da alegada prática de 31 crimes, entre os quais três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político. Mas os autos da Operação Marquês continuam sem chegar a julgamento. Um dos últimos atrasos tem a ver com o recurso, que demorou um ano e 10 meses a subir à Relação de Lisboa, o que só aconteceu na última sexta-feira, 17?

Por que razão Ivo Rosa perde tantos recursos na Relação?

Eis a resposta para tal ter acontecido em sete pontos.

9 de abril de 2021

Foi nesta data que o juiz de Ivo Rosa anunciou a decisão instrutória que, grosso modo, partiu os autos da Operação Marquês em dois grandes blocos:

  • a pronúncia para julgamento de 17 crimes deu origem a quatro processos separados contra José Sócrates e Carlos Santos Silva (cujo julgamento ainda não começou devido a uma série de recursos e incidentes processuais do ex-primeiro-ministro), Armando Vara (que já foi condenado a dois anos de prisão com trânsito em julgado e está a ser agora apurado o cúmulo jurídico), Ricardo Salgado (que já foi também condenado em primeira instância a uma pena de seis anos de prisão) e João Perna (por detenção de arma proibida).
  • e a não pronúncia, e consequente arquivamento, de 172 crimes – o grosso da acusação do Ministério Público, nomeadamente de todos os crimes de corrupção imputados a José Sócrates, Armando Vara, Ricardo Salgado, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro.

É sobre esta decisão de não pronúncia que o MP apresentou recurso. Recurso que só subiu esta semana à Relação de Lisboa e em que pede que seja declarada nula a decisão de Ivo Rosa e os 28 arguidos sejam pronunciados praticamente nos mesmos termos da acusação deduzida a 11 de outubro de 2017. Há ligeiras diferenças na imputação de alguns crimes mas, no essencial, os procuradores Rosário Teixeira e Vítor Pinto mantêm as teses originais.

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As duas fragilidades da decisão-bomba de Ivo Rosa. Os rendimentos ilícitos que não pagam imposto e a prescrição dos crimes de corrupção

O procurador Rosário Teixeira anunciou logo na audiência de dia 9 de abril, imediatamente a seguir ao juiz Ivo Rosa acabar de ler a sua decisão instrutória, que o MP iria recorrer da decisão e pediu desde logo a extensão do habitual prazo de 30 dias para 120 dias para apresentar o recurso da decisão instrutória com mais de 7 mil páginas.

O juiz Ivo Rosa deu esse prazo ao MP, com as defesas a terem os mesmos 120 dias para responder ao recurso do MP, no início de maio de 2017. Só aqui, já estão oito meses.

4 de junho de 2021

Neste dia que o juiz Ivo Rosa voltou a surpreender (quase dois meses após a sua decisão-bomba) e tomou uma decisão considerada inaudita até por muitos dos advogados que o costumam defender. Deu por encerrado o seu trabalho enquanto juiz de instrução nos autos da Operação Marquês e enviou os quatro processos separados (acima referidos) para julgamento.

Ivo Rosa entendeu que não tinha de esperar pelo recurso do MP sobre a decisão de não pronúncia. Ao não agir como 99% dos seus colegas agiriam, criou um imbróglio jurídico que está na origem no arrastar da tramitação do recurso do MP sobre a decisão de não pronúncia.

Isto é, Ivo Rosa entendeu que não tinha de esperar pelo recurso do MP sobre a decisão de não pronúncia. Ora, é uma questão pacífica em termos de doutrina que cabe ao tribunal e respetivo juiz recorrido (no caso o Tribunal Central de Instrução Criminal e Ivo Rosa) aceitar o recurso sobre uma sua decisão.

Ao não agir como muitos dos seus colegas agiriam, o juiz Ivo Rosa criou um imbróglio jurídico que está na origem do arrastar da tramitação do recurso do MP sobre a decisão de não pronúncia.

13 de julho de 2021

Nesta data a juíza que tinha sido sorteada no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para ficar com os autos do julgamento de José Sócrates e Carlos Santos Silva — e que ficou como o número original dos autos da Operação Marquês — declarou-se incompetente para a parte dos autos relacionados com a não pronúncia.

A juíza Margarida Alves, assim se chama a magistrada, decidiu aceitar os autos da pronúncia, declarando-se competente para o efeito. Mas declarou-se incompetente para admitir o recurso que o MP já tinha anunciado para a parte dos autos relacionadas com a não pronúncia.

A juíza Margarida Alves declarou-se incompetente para admitir o recurso que o MP já tinha anunciado para a parte dos autos relacionadas com a não pronúncia. Porque era o seu colega Ivo Rosa quem tinha competência para admitir o recurso por ser o autor da decisão que era recorrida.

Porquê? Por entender que era o seu colega Ivo Rosa quem tinha competência para admitir o recurso por ser o autor da decisão que era recorrida.

Decidiu assim devolver à proveniência (ao Tribunal Central de Instrução Criminal) os autos relacionados com a não pronúncia. Ivo Rosa foi notificado do despacho da sua colega, mas manteve-se firme na rejeição do recurso do MP.

Entretanto, o MP cumpriu o prazo dos 120 dias e apresentou o recurso sobre a não pronúncia em setembro de 2021 — que ficou em terra de ninguém porque os dois juízes (Ivo Rosa e Margarida Alves) estavam em conflito de competências.

23 de outubro de 2021

Foi assim que a Relação de Lisboa foi chamada a resolver este conflito de competências.

O  juiz desembargador Trigo Mesquita, presidente da 9.ª Secção da Relação de Lisboa, deu razão à juíza Margarida Alves e declarou que Ivo Rosa teria de ficar com a tarefa que não queria, “no segmento da decisão de não pronúncia, para conhecer da admissão do recurso interposto e posterior tramitação”, como se lê no acórdão com a data de 23 de outubro a que o Observador teve acesso.

Relação de Lisboa obriga Ivo Rosa a admitir o recurso do MP e a ficar com os autos (da não pronúncia) da Operação Marquês

A conclusão do desembargador, que lidera a secção que irá agora apreciar o recurso do MP sobre a não pronúncia, também pode ser vista noutra perspetiva: esteve-se a perder tempo.

A decisão deveria significar que os autos relacionados iriam regressar ao Tribunal Central de Instrução Criminal para que o Juiz 2 (o nome formal do cargo que Ivo Rosa ocupava naquele tribunal) admitisse o recurso do MP e desse às defesas o mesmo prazo de 120 dias para responderem ao recurso de Vítor Pinto e Rosário Teixeira.

Contudo, não foi isso que aconteceu. Usando os seus direitos processuais enquanto arguido interessado na decisão da Relação, José Sócrates recorreu depois para o Tribunal Constitucional da decisão de Trigo Mesquita, invocando a inconstitucionalidade de uma série de artigos do Código de Processo Penal, entre outros.

20 de dezembro de 2021

O conselheiro António Ramos emitiu uma decisão sumária e recusou conhecer o recurso por “falta de pressupostos processuais” do arguido para entregar aquele recurso.

Ou seja, verificou-se uma rejeição liminar e o recurso de Sócrates nem sequer foi apreciado — como acontece em mais de 90% dos recursos que dão entrada no Constitucional — e o arguido foi condenado a pagar custas de 714 euros. Mesmo assim, o acórdão só transitou a 13 de janeiro de 2022. A conclusão foi a mesma: Ivo Rosa tinha de admitir o recurso do Ministério Público

Derrota de Sócrates no Constitucional obriga Ivo Rosa a admitir recurso do Ministério Público

1 de julho de 2022

A história, contudo, não ficou por aqui.

O destino pregou um susto de saúde a Ivo Rosa e o juiz teve de ser operado de urgência ao coração em fevereiro de 2022. Os problemas cardíacos do magistrado que estava em regime de exclusividade nos autos do processo Universo Espírito Santo e Octapharma fizeram com que, obviamente, ficasse de baixa.

Ivo Rosa só regressou ao trabalho em meados de abril. Entretanto, o Conselho Superior da Magistratura tinha decidido abrir-lhe um processo disciplinar devido a uma participação feita contra si por desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa por alegada desobediência e usurpação de funções.

O destino pregou um susto de saúde a Ivo Rosa e o juiz teve de ser operado de urgência ao coração em fevereiro de 2022. Os problemas cardíacos do magistrado que estava em regime de exclusividade nos autos do processo Universo Espírito Santo fizeram com que obviamente ficasse de baixa.

A primeira consequência da abertura do processo disciplinar foi que Ivo Rosa ficou com a promoção à Relação de Lisboa — à qual se tinha candidato no final de 2021 — suspensa.

No meio da investigação disciplinar ao juiz de instrução — que entretanto se alargou a um segundo processo disciplinar — o recurso do MP só veio a ser finalmente admitido a 1 de julho de 2022.

Ou seja, cerca de seis meses depois da decisão do Tribunal Constitucional e mais de um ano após o juiz Ivo Rosa ter insistido em não admitir o referido recurso.

17 de fevereiro de 2023

É o epílogo desta pequena novela: o recurso do MP subiu finalmente ao Tribunal da Relação de Lisboa, tendo sido distribuído à desembargadora Raquel Lima (relatora) da 9.ª secção. A magistrada contará com as suas colegas Micaela Pires (1.ª adjunta) e Madalena Parreiral Caldeira (2.ª adjunta).

Mas porque é que o recurso com mais de 1.800 páginas demorou então ainda mais sete meses a subir à Relação desde que o juiz Ivo Rosa o admitiu? Porque teve de correr o prazo de 120 dias para que as defesas respondessem às alegações do MP — que só terminou em dezembro.

Ivo Rosa. “Estou absolutamente inocente”, mas “caso tivesse tido conhecimento da acusação teria desistido” de ser desembargador

E, mesmo assim, houve ainda mais um incidente processual. José Sócrates apresentou um incidente de recusa de juiz — não contra Ivo Rosa, porque este magistrado perdeu a titularidade dos autos da Operação Marquês e do caso Universo Espírito Santo em setembro de 2022 por decisão do Conselho Superior da Magistratura e com a concordância do próprio. O incidente de recusa foi apresentado no início de fevereiro contra o juiz de instrução Pedro Correia, titular dos autos da Operação Marquês no TCIC desde setembro de 2022, por não ter sido feita a distribuição eletrónica dos autos.

O magistrado, contudo, alegou que o incidente do arguido não podia parar a tramitação dos autos por existirem “diversos crimes em risco de prescrição”, nomeadamente os ilícitos de falsificação de documento que deverão prescrever em 2024. E determinou finalmente a subida dos autos para a Relação de Lisboa.

Quando deverá agora a Relação de Lisboa decidir se José Sócrates será julgado por 31 crimes, entre os quais três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político? A pergunta não tem uma resposta concreta porque a relatora Raquel Lima não tem prazos para tomar a decisão.

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