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O socialista Fernando Medina fez-se de forte e garantiu não ter “nenhum cansaço”, esquivou-se a falar do seu clube de futebol (mesmo que a chamada tenha sido minutos após visitar o clube que formou Renato Sanches) e não quis apostar quem será primeiro-ministro em 2026. Já Carlos Moedas, do PSD, contou que sentiu Medina nervoso, como o apoio da filha lhe deu força para os últimos dias de campanha e alimentou o tabu sobre a sucessão no PSD. João Ferreira falou dos seu maiores dois afazeres domésticos (os filhos) que o desviam da campanha por momentos logo que chega a casa. Beatriz Gomes Dias atendeu rouca porque se esqueceu de tomar gengibre, o truque usa para a voz não falhar. E Bruno Horta Soares assumiu querer destruir o estereótipo de que os eleitores da IL são “betos ricos” e antecipou como seria a corrida entre uma trotinete e um autocarro da Carris que realizou na manhã seguinte a uma das chamadas.
Estas são apenas algumas das confissões dos candidatos à câmara municipal de Lisboa nas últimas chamadas do dia. Os candidatos foram desafiados a atender um telefonema tardio a fechar o dia para o jornalista do Observador que está no terreno. Cinco dos seis que o Observador acompanhou ao longo das últimas semanas atenderam o telefone (a exceção foi Nuno Graciano, candidato do Chega).
Medina. A adrenalina, as águias de quarta-feira e quem vai mandar quando chegarem os comboios
[Ouça aqui a última chamada durante dois dias consecutivos a Fernando Medina:]
21 de setembro, terça-feira. Em plena última semana de campanha oficial, o recandidato do PS em Lisboa teve quatro ações de campanha, todas feitas de contactos com a população. O porta a porta entra para ficar na campanha de Fernando Medina que aproveita este dia, em que fez a tradicional descida da Morais Soares, ao final da tarde. Visitou estabelecimento, tentado fazer render a intervenção municipal durante a pandemia, junto dos comerciantes.
O Governo está, nesta altura, a dois dias de anunciar que a libertação chegará na semana seguinte e Medina tenta aproveitar uma eventual onda de positividade. Nesta conversa com o Observador, lembra até o que chegou a pensar sobre esta campanha durante os isolamentos.
— Está a fazer a campanha que esperava nesta altura? Depois da pandemia?
— Está a ser diferente para melhor, não sabia como é que ia correr e qual seria a situação da pandemia neste momento. mas a campanha coincidiu com um período em que já somos o país mais avançado na vacinação e em que há um alívio destas medidas restritivas. E nota-se uma recuperação e reabertura da cidade. Há dois meses não sabia se estaríamos assim durante esta altura.
— Teve receio quando estava a preparar esta campanha? De poder ter o país sob pressão nesta altura, por causa da pandemia?
— Mais do que receio, porque iríamos sempre adaptar a campanha. Perde-se muito se não conseguimos ter o contacto mais direto com as pessoas, mais humano. Mas hoje teve algo de muito emotivo porque ao descer a Morais Soares reencontrei as mesmas pessoas que quando lançámos o “Lisboa Protege”, de apoio ao comércio e à restauração, fomos ali mesmo distribuir folhetos e informar comerciantes quando a cidade estava fechada.
Depois seguiu para uma visita a uma vila operária do Beato, a Vila Dias, onde a CML teve uma vitória durante o seu mandato e que Medina também quer pôr a dar votos, nesta fase. Mas de alguns dos moradores ouviu sobretudo impaciência de verem obra a arrancar. Pediu calma e, quando depois entrou no carro e fechou o dia de campanha, contou ao Observador que aquele “receio é perfeitamente justificado. É a coisa mais humana do mundo. Estas pessoas viveram décadas na expectativa de poderem, ter aqui uma vida melhor que foi sucessivamente prometida pelos anteriores proprietário, nunca feita nem concretizada”. Agora a senhoria é a Câmara de Lisboa.
Promessa feita e segue caminho para casa, para descansar e voltar ao terreno no dia seguinte de manhã. Garante que, nesta altura, está a ser movido a adrenalina e também no apelo ao voto, com receio grande para domingo.
E como esta em termos de cansaço? Já há muito acumulado?
Muito pouco, nenhum. Esta é ainda aquela fase de grande adrenalina, de vontade muito grande de correr as ruas todas, de falar com as pessoas todas e contactar o mais possível. Cansaço nenhum, veremos depois nas semanas seguintes à campanha…
A questão do apelo ao voto nesta reta final é medo das sondagens, é isso?
É uma preocupação sempre desde o início as sondagens podem induzir as pessoas. a determinado tipo e situação. Ou por aparentarem ser muito definitivos. A verdade é que todos sabemos que as sondagens, muitas vezes, estão muito longe de ser o que é o resultado eleitoral. O que interessa é o voto expresso nas urnas.
Obrigada, Fernando Medina.
Obrigada.
22 de setembro, quarta-feira. Faltam dois dias para o fim da campanha, Fernando Medina acaba de sair do Águias da Musgueira e é sempre no carro, a caminho de casa, que prefere fazer esta conversa de final de dia, por telefone, com o Observador. “Quando entro em casa, já não dá. Tenho de dar atenção aos meus filhos”. Lembra como no dia passou pelo Calvário — sem conotações, é só mesmo o Largo –, teve duas altas figuras do Governo (a mais alta e a mais… desafiante), um contacto com a população do Benfica e uma visita ao Centro Desportivo do Alto do Lumiar.
— Olá, tudo bem?
— Tudo bem!
— Então já acabou um dia de campanha, que já está nas últimas…
— Acabou a última ação, que foi uma visita ao Águias da Musgueira, num dia que começou cedo em Alcântara, começámos no Largo do Calvário, percorremos as ruas de Alcântara…
– Ah, então acabou no clube que formou o Renato Sanches, do seu clube…
–Exatamente! Muito bem! Bem lembrado.
— E começou o dia com outra águia do seu partido… não é?
— Não, não, comecei em Alcântara… aliás começou num sítio emblemático chamado Largo do Calvário [risos].
— Calvário… tem alguma conotação com alguma coisa?
— Não, não, é só o nome do Largo que, aliás, está muito bem reabilitado. Depois dirigi-me ao Cais do Sodré, onde pudemos estar com o secretário-geral do PS e o ministro das Infraestruturas, o Duarte Cordeiro e apresentar uma linha fundamental do programa de mobilidade na cidade de Lisboa que é precisamente o trabalho conjunto com a área metropolitana com os municípios vizinhos.
— Bom, obrigada por esta conversa. Até amanhã…
— Obrigado, bom trabalho, até amanhã.
De manhã tinha tido ao seu lado, numa apresentação do seu plano de transportes para a cidade, António Costa e Pedro Nuno Santos. Não era inocente a referência do Observador à “àguia” do partido… logo se veria qual dos dois apoiantes o candidato a Lisboa identificaria de imediato como tal. Mas o socialista esquivou-se e preferiu desviar a conversa para o Calvário. O resto, o resto deixa para jornalistas e, quanto ao futuro, aquele futuro em que chegarão, finalmente, os 117 comboios já adquiridos pelo Governo, não faz apostas. Mas enfia a carapuça, ao responder que ele pode ter outros planos. Nunca se sabe.
— Teve consigo o ministro Pedro Nuno, é incontornável fazer a leitura para o futuro…
— Mas isso é um trabalho para vocês, para jornalistas. Só sou candidato a presidente da Câmara de Lisboa.
— O que conversa mais com ele nesta altura, sobre comboios ou habitação?
— Comboios. Na área da habitação acabamos por trabalhar muito com a secretária de Estado da Habitação e com o ministro é mais a ferrovia.
— Portanto, com Pedro Nuno, o negócio nesta altura é só comboios.
— Comboios, comboios. Para já, comboios! E foi muito importante a decisão do Governo de adquirir novos comboios para a área metropolitana. Vão chegar daqui a vários anos, mas tem de se tomar a decisão hoje.
— Vão chegar em 2026, quem é que aposta que vai estar no Governo nessa altura?
— Eerhhhh… Eu não aposto nada, não aposto nada… em 2026 não aposto nada. Não consigo apostar…
— É que é para lá de mais um mandato na Câmara e deste mandato de António Costa…
— É verdade, mas ainda fica em aberto a possibilidade de eu poder concorrer a outro mandato na CML. Não está excluído. Não posso dizer já o que farei.
— Já eu, a partir deste momento já posso dizer que não exclui um novo mandato na CML.
— A mais isso não é novidade! Mas pronto, foi uma apresentação importante. Depois segui para São Domingos de Benfica, para uma ação muito participada
A medição de forças é uma parte das campanhas partidárias que ganha especial peso à medida que a data das eleições se aproxima. Medina anda alerta com as sondagens que lhe dão vitória. No momento em que fala com o Observador acaba de conhecer os resultados da publicada pelo Público/RTP. “Há elementos mais ou menos constantes nas sondagens, vamos ver como se materializam”. E aí terá de esperar até domingo, bastante tarde. “As autárquicas são as eleições em que a contagem acaba mais tarde. São três boletins e, por isso, é expectável que se prolongue um pouco mais”. E a maioria absoluta está fora do horizonte, mas convém esperar até ao fim.
— Já pensou o que vai fazer no sábado? Imagino que já não tenha de refletir…
— Ainda não pensei, com certeza estar com os meus filhos e a minha mulher, estar com a família. Matar essas saudades deste tempo em que não temos estado juntos. Talvez ver um filme, correr, andar de bicicleta. E tentar descansar um pouco. É difícil não pensar no dia seguinte…
— Será outra noitada…
— Sim, será.
— E depois no dia a seguir às eleições, se calhar também…
— Pois, isso vamos ver [Risos]…
— Haverá muitas negociações para fazer, não?
— Não consigo antecipar, mas quaisquer que sejam os cenários, nunca se materializam no dia a seguir. Já nos conhecemos todos, todos tornaram as suas posições claras sobre o que pensam. Este é o momento dos lisboetas falarem. Depois dirão que força querem que tenha e depois haverá tempo para fazer esse diálogo.
— Aguardemos, então, até lá. Adeus até amanhã.
— Até amanhã e obrigado.
Carlos Moedas. Os quilos perdidos, a esperança e o tabu sobre o futuro
[Ouça aqui a última chamada durante três dias consecutivos a Carlos Moedas:]
Segunda-feira, 20 de setembro. Passam das 11 da noite e Carlos Moedas teve um dia particularmente intenso. Começou cedo no Centro Social e Paroquial S. Jorge de Arroios, esteve num almoço-debate da Câmara de Comércio e Indústria, às 15h30 esteve com representantes da Associação Salvador na Avenida da Liberdade e às 21h30 ainda se encontrou com os trabalhadores da higiene urbana da câmara municipal de Lisboa. Acabara de chegar a casa quando atendeu o telefonema do Observador.
— Boa noite!
— Como está, tudo bem?
— Tudo ótimo, aqui a chegar de um dia muito longo…
— É verdade, acabou a campanha mais tarde. Imagino que esteja cansado
— Na verdade, eu acabo sempre tarde e começo sempre muito cedo. Um dia de campanha tem de ser preparado. Começo às 8 da manhã a rever com a equipa o que serão os momentos do dia…
— Todos os dias?
— Sim, começo sempre com uma reunião com a equipa para rever. Nesta última semana é tudo muito acelerado, tentamos parar um bocadinho para pensar.
Carlos Moedas arranca todos os dias de campanha com um telefonema conjunto com o diretor de campanha, Ricardo Mexia, o assessor, António Valle, e os membros da equipa de vídeo e para as redes sociais.
Com uma agenda muito preenchida quase todos os dias, o candidato tenta reservar a noite para conversar com a mulher e tentar desligar do ritmo frenético da campanha. Anda a ver um — e o documentário sobre o 11 de Setembro e a série “The Chair”, um drama sobre as tensões e conspirações do meio universitário — e que poderia perfeitamente ser um retrato fiel da vida interna do seu partido. Mas é uma sorte terminar qualquer episódio. “Às vezes já estou tão cansado que acabo por me deixar dormir”, desabafa.
Horas antes do telefonema com o Observador, Fernando Medina tinha enchido a Aula Magna na companhia da ministra da Saúde, Marta Temido, e foi zurzir a bom zurzir em Carlos Moedas. O social-democrata ainda não tinha ligado a televisão, nem consultado as notícias.
— Já ouviu os ataques de Fernando Medina e de Marta Temido?
— Hoje?
— Sim.
— Conheço o tipo de ataques, mas ainda não ouvi. Olhe, cheguei agora e não ouvi nada.
— Fernando Medina teve um comício na Aula Magna onde disse basicamente que a direita representada por si estava a procurar uma revanche do que aconteceu em 2015.
— Ah… Isso é uma coisa rebuscadíssima. É um ataque um bocadinho de desespero. Aquilo que queremos é mudar Lisboa e ganhar a um poder que está instalado há 14 anos. Não tem nada a ver com eleições em 2015. São os ataques típicos desta última semana.
O almoço, de resto, tinha sido passado na Câmara do Comércio e Indústria, maioritariamente composta por figuras da direita e do centro-direita, que estavam ali para apoiar e ouvir as propostas de Carlos Moedas, mais do que exatamente para fazer suar o candidato.
Ainda assim, e mesmo a jogar em casa, houve quem não resistisse à provocação de perguntar ao candidato o que seria o seu futuro político se perdesse aquelas eleições. Uma pergunta recorrente desde o minuto zero em que decidiu recandidatar-se: a corrida a Lisboa é ou não um teste decisivo para ambicionar novos voos no PSD e no país.
— Fizeram-lhe uma maldade e perguntaram o que é que faria caso não fosse eleito presidente da câmara. Não lhe pergunto se tem ambições nacionais, porque sei que não me vai responder, pergunto-lhe ao contrário: as expectativas que existem sobre si, em relação ao seu futuro do PSD, não estarão a prejudicar um bocadinho a campanha?
— Não, é tão transparente… Tinha uma posição tão confortável e era tão difícil aceitar este desafio que não tem sido tema para mim na campanha. É muito mais o tema do Fernando Medina ser o número dois do Costa e estar sempre a olhar para o poder central do que para mim, que não sou o número dois de ninguém. O cenário para mim é de ganhar.
A verdade é que no arranque da segunda metade da campanha oficial de campanha, a diferença teórica para Fernando Medina continua a existir e as perspetivas de recuperação são cada vez mais diminutas.
Também por isso, Carlos Moedas, que aceitou ser o ticket de Rui Rio em Lisboa deixando para trás um lugar confortável na Fundação Calouste Gulbenkian, arrisca nestas eleições a carreira e o seu percurso político fora e dentro do PSD. À noite, ao telefone com o Observador, jura não ter perder o sono com o que o futuro lhe reserva.
— Alguma vez se arrependeu de ter tomado esta decisão?
— Nunca.
— Tem de ir para o combate com Fernando Medina, tem de aturar as estruturas, tem de lidar com críticas…
— Nunca, nunca. Acho que nunca me vou arrepender. Vejo a esperança que estou a transmitir às pessoas que querem esta mudança que vale a pena, vale a pena. As pessoas precisam desta esperança.
A conversa já vai com quase nove minutos e o dia de terça-feira é preenchido: Carlos Moedas tem organizada uma grande arruada da Praça Paiva Couceiro até aos Jardins da Alameda e depois uma festa da juventude, com alguns dos seus apoiantes. É o momento de desligar a chamada.
— Não o maço mais, já vi que está cansado. Vai ver alguma coisa agora ou vai apenas descansar?
— Não, não. Hoje fisicamente foi duro. Vou-me deitar.
Terça-feira, 21 de setembro. Ao oitavo dia oficial de campanha, o candidato social-democrata teve a primeira grande demonstração de força na rua com cerca de 200 as pessoas que fizeram questão de acompanhar o candidato social-democrata entre a Paiva Couceiro e os Jardins da Alameda.
— Boa noite, Carlos Moedas. Como está?
— Tudo em forma.
— Já regressou a casa depois da grande festa?
— Já, já. Foi uma grande festa. Aliás, foi um dia extraordinário.
— Tive de sair mais cedo, mas não vi: conseguiu provar o porco no espeto?
— Consegui, consegui! Já estava cheio de fome, o dia todo… Uma pessoa às tantas esquece-se de comer, é tanta coisa.
— Emagreceu nesta campanha?
— Infelizmente, sim. Nada de especial. Agora tenho de voltar a comer a seguir à campanha. As campanhas têm uma parte intelectual, mas têm também esta parte física.
Há 15 anos que uma candidatura de direita não fazia aquele percurso e, apesar do adiantado da hora, Carlos Moedas continua exultante. “Foi um dia extraordinário, uma grande arruada. Foi mesmo um dia em cheio”. Um balão de oxigénio para uma campanha que continuava com dificuldades em arrancar.
— Estava ao seu lado quando um senhor, já de certa idade, lhe disse que ia conseguir uma grande surpresa no próximo domingo. É a isso que se agarra? À possibilidade de conseguir uma surpresa?
— Agarro-me ao sentimento que vejo nas pessoas que é o sentimento das pessoas de quererem mudar. Isso é muito forte. Temos as sondagens, os comentadores, temos a realidade da bolha política… E depois temos a realidade das pessoas. Nunca estive num bairro em que as pessoas não dissessem que querem mudança. Hoje fomos um bairro ali atrás do aeroporto, o São João de Brito, e as pessoas vinham ter comigo dizer: “Temos de mudar, precisamos de mudar. Isto não muda há anos”. E ouço isso no São João de Brito, como ouço em Campo de Ourique, em Santa Clara… O sentimento é muito forte.
Por coincidência, Fernando Medina e a caravana socialista tinham varrido exatamente as mesmas ruas um par de horas antes de Moedas arrancar. Os dois, de resto, têm travado um duelo particular nesta campanha, com boca lá, boca cá, rua sim, rua não. Moedas tem uma suspeita.
— Curiosamente, horas antes, Fernando Medina tinha feito mesmo percurso, da Paiva Couceiro à Morais Soares. Medina tem feito uma campanha muito enérgica, muito ativo, com muitas críticas dirigidas a si. Acha que Fernando Medina está nervoso?
— Eu penso que isso é óbvio. Há nervosismo do outro lado, seja pelo comportamento, seja pela capacidade que tem tido de pôr pessoas a atacarem-me, seja pela agenda… No outro dia nas Galinheiros, hoje em Arroios…
— Acha que Fernando Medina está a fazer marcação cerrada?
— É aquilo que eu sinto. E tem todo o direito, a democracia é assim, mas temos tido uma série de encontros em que quando eu vou a um sítio, ele vai uma hora antes. Faz parte. Mas o nervosismo é claríssimo. Nele, nos que estão à volta dele e no PS.
— Ouvi muita gente a perguntar-lhe que candidatura era sua, porque não identificavam muito bem, se era do PSD, se era do CDS… Não ter a marca PSD/CDS fragiliza a sua candidatura ou acha que os dois partidos podem ser uma ativo tóxico?
— Não, de todo. “Novos Tempos/Carlos Moedas” é como se fossem duas marcas que estão a nascer e é difícil para as pessoas tão espaço curto de tempo. É isso que temos tentado explicar às pessoas. É mais fácil ter uma candidatura que seja PS com um pequeno partido… Ainda por cima nas eleições de 2017 havia mais confusão porque havia uma candidatura do PSD e outra do CDS. Temos de estar atentos a isso.
Nem de propósito, Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos juntam-se amanhã e pela primeira vez a Carlos Moedas no período oficial de campanha para dar uma última força ao social-democrata antes de arrancarem para outras paragens.
Será um dos momentos de maior cobertura mediática da campanha de Moedas e a candidatura de precisa desses momentos: em duas semanas de campanha, contam-se pelos dedos das mãos as vezes em que as câmaras de televisão se juntaram ao candidato. A presença dos dois líderes é o garante de que os jornalistas não faltarão à chamada.
— Quarta-feira terá a companhia de Rui Rio e de Francisco Rodrigues dos Santos. É importante que eles apareçam quando já estamos a chegar à reta final de campanha?
— É muito importante. Vamos estar num almoço para marcar a presença deles, até porque depois cada um deles irá à sua vida para outras partes do país. É importante que estejamos todos unidos.
Quarta-feira, 22 de setembro. Hoje o telefonema começa mais tarde, bem para lá das 23 horas. A poucos dias das eleições, Carlos Moedas foi recrutar um apoio de peso e de última hora. Apesar da voz mais arrastada do que o habitual, o candidato não esconde a animação.
— Boa noite, Carlos Moedas.
— Está bom? Como é que vai?
— Chegou agora do aeroporto?
— Cheguei, cheguei. Fui buscar a minha filha ao aeroporto.
— De onde é que veio?
— Está a estudar em Inglaterra mas agora está a fazer um estágio em França, então fui buscá-la.
— Para o acompanhar nos últimos dias de campanha?
— Exatamente, exatamente.
— É um apoio importante.
— Sem dúvida. E temos aqui dois grandes dias pela frente, dois grandes dias pela frente.
— Não lhe vai é poder dar muita atenção.
— Não, mas vai ser ela que me vai dar atenção. Agora os papéis estão invertidos. Vamos ter dois grandes dias a dar tudo.
O dia teve como momento alto o almoço com Francisco Rodrigues dos Santos e Rui Rio, no restaurante “A Gina”, no coração do Parque Mayer. Os dois cumpriram os papéis que lhe estavam reservados: o primeiro fez o derradeiro apelo ao voto útil à direita, o segundo atacou a “vigarice” das empresas de sondagens, ambos marcaram o ponto e arrastaram as televisões com eles.
Ainda assim, e se é verdade que conseguiu em embalo especial dos líderes dos dois maiores partidos da oposição, ficou também a conhecer uma sondagem que o dá a uns longínquos 9 novos de distância de Fernando Medina. Moedas relativizaria.
— O que é que achou das intervenções de Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos?
— Acho que vieram trazer energia à campanha. Quando uma pessoa tem oportunidade de ter líderes partidários há mais interesse mediático. Isso é ótimo. Foram excelentes discurso.
— Teve também uma notícia menos positiva: uma sondagem que aponta ainda alguma distância para Fernando Medina. Retira-lhe ânimo?
— Não. Essa sondagem não traz nada de novo e temos de olhar para o passado: as sondagens da Católica têm falhado no pré-eleitoral. Tivemos o caso de Rui Moreira, mas também de Passos em 2011… A da Católica é muito boa à boca de urna, mas no período pré-eleição não tem sido uma referência.
Com ou sem sondagens, a campanha de Moedas foi feita de altos e baixos. Apareceu na corrida antes de todos, com um grande hype mediático e com muita expectativa política, teve uma primeira sondagem desanimadora, um debate duro com Fernando Medina, um arranque de campanha morno e só depois nova trajetória ascendente.
Moedas reconhece que nem tudo correu bem, mas não se dá a grandes estados de espírito: fez aquilo que achava ser o mais certo a fazer, sem hipotecar aquilo em que acredita.
— É a última vez que falamos ao telefone. A campanha teve aspetos positivos e negativos, mas se pudesse escolher, e pedia-lhe toda a sinceridade, qual foi o aspeto mais negativo da sua campanha?
— É difícil dizer. Ao princípio havia pouca cobertura mediática, pensei que teríamos mais. Não tive a cobertura que estava à espera e eu precisava dessa cobertura mediática porque tinha menor notoriedade do meu concorrente. E depois acho que o comentário político estava visto num ângulo que era se eu era ou não um político como os outros. As análises que se faziam era: ‘Se ele não fez isto, ou não teve esta atitude, não é bom’.
— Refere-se ao debate com Fernando Medina?
— Ao debate e a outros comentários que foram saindo… Não sei, veremos se vai ser um problema ou não no domingo.
— Se fosse hoje, no caso do debate, teria feito de forma diferente?
— Acho que não. Somos o que somos. Tentar ser uma coisa que não se é dá sempre mau resultado. As pessoas são inteligentes. Não ser genuíno, não estar no meu elemento, era o pior que eu poderia fazer. Tenho a qualidade de ser muito transparente no que digo e isso também pode ser um defeito, porque as pessoas estão a ver as minhas fraquezas e as minhas fortalezas. E tenho outra qualidade que pode ser um defeito: gosto de gerir por consensos, não gosto de estar constantemente em fricção. No debate político, muitas vezes não é bem assim, as pessoas acham que deve ser de uma maneira diferente. Eu apostei em ser aquilo que sou.
Cumprido o seu papel, Moedas sabe agora que o PSD em particular vai entrar agora em convulsão interna e que o resultado que tiver em Lisboa pode ser fator determinante para pesar os argumentos de uns e de outros.
Nem de propósito, neste mesmo dia, Paulo Rangel e Miguel Pinto Luz estiveram em Odivelas num jantar de apoio ao candidato Marco Pina. E, apesar de todos os esforços para demonstrarem o contrário, a grande mensagem que queriam passar era de que estão juntos na corrida para suceder a Rui Rio.
Moedas sabe isso, mas não dá margem para grandes cálculos políticos: ainda só consegue ver o futuro até dia 26 de setembro.
— Já sabe se vai querer intrometer-se nessa luta ou não?
— Com toda a sinceridade, sou incapaz de lhe responder no momento em que estou. Tenho convicção de que vou ganhar, mas, se quiser, para a semana respondo com sinceridade. Oiça: estou tão cansado e com tanta coisa na cabeça que é uma coisa que para mim está longe. Qualquer resposta que desse, não era uma boa resposta. Está tão fora do meu radar que nem lhe consigo responder.
João Ferreira. Os afazeres domésticos, a falta de sentido crítico do Bloco e a sintonia com Jerónimo
[Ouça aqui a última chamada a João Ferreira:]
Quarta-feira, 22 de setembro. O dia de João Ferreira (que é, neste caso, o dia europeu sem carros) foi agitado e variado: o candidato andou de barco (para falar da relação entre a cidade e o rio), primeiro; de táxi (para abordar os problemas do setor), depois; e por fim a pé (para andar pelas ruas a distribuir panfletos e tentar convencer os indecisos). É no final de todo esse périplo, já quieto e em casa, que fala com o Observador ao telefone.
– Estou?
– ‘Tou sim, boa noite. Como está?
– Ah, viva, Mariana, boa noite.
– Costuma ter muitas chamadas assim ao fim do dia ou consegue descansar?
– Algumas… sobretudo as que, nestes dias atribulados, não dão para fazer durante o dia e têm de ficar para o fim do dia. Agora, o que me atrapalhou foram uns afazeres domésticos que acabaram por me atrasar em relação à hora que tínhamos combinado (22h), peço-lhe desculpa.
– Sem problema. Quando chega a casa costuma conseguir pôr-se a par do que aconteceu durante o dia, das peças, das outras campanhas?
– Nem sempre… Nos últimos dias tem sido particularmente difícil, com a agenda mais intensa, e quando chego a casa, normalmente tarde, há sempre um conjunto de afazeres que não me permitem ficar agarrado…
– Os tais afazeres domésticos.
– Entre outras coisas, também esses, é verdade. Dois em particular que me dão água pela barba (risos).
– Pelo menos já será um bocadinho melhor do que quando se dividia pelo Parlamento Europeu também, não?
– Sim, desse ponto de vista já estou integralmente focado em Lisboa e nas tarefas que agora tenho aqui.
É uma pergunta clássica: João Ferreira é descrito como uma espécie de homem dos sete ofícios do PCP, uma vez que já se candidatou a praticamente tudo aquilo a que se podia candidatar com as cores do partido — as eleições europeias três vezes, estas são as terceiras autárquicas também, foi o candidato presidencial apoiado pelo partido em janeiro. A constante preferência dos camaradas por Ferreira — afinal, o coletivo é que atribui estas “tarefas”, como se diz em PCPês — é aliás a razão pela qual é frequentemente apontado como o provável sucessor de Jerónimo de Sousa na liderança do partido. Também por isso, e depois do resultado baixo nas presidenciais, será importante a percentagem a que conseguir chegar nesta corrida autárquica. Até porque Ferreira deixou, em julho, o cargo de eurodeputado para se dedicar exclusivamente a Lisboa… e estar mais focado na política nacional?
– Como é que compara esse apoio que sente na rua… ainda há meses estava na rua, para as presidenciais. Sente diferenças entre as duas campanhas? Sendo certo que a última aconteceu quando estávamos no pico da pandemia…
– É verdade. A Mariana também esteve numa e noutra, não sei qual é a ideia que tem, mas eu acho-as muito diferentes. Há uma distensão e uma disponibilidade para o contacto, para a conversa, que em janeiro não se verificava. As coisas estavam muito mais limitadas. Felizmente agora conseguimos não só fazer muito mais iniciativas de campanha, que eram difíceis de fazer naquela altura, mas sobretudo o contacto informal na rua, com as pessoas, a conversa, o tirar dúvidas…
– Gosta dessa parte? Raramente desiste, mesmo que seja um debate na rua.
– Sim, acho que devo isso às pessoas… Quando alguém me coloca questões, ou se alguém me confronta com questões, acho que também espera uma resposta da minha parte, mais do que o estender de um papel e um virar de costas.
– Ou de uma caneta.
– Canetas não temos.
– Volta e meia pedem-lhe canetas na rua.
– (Risos) É verdade. Volta e meia pedem-lhe canetas na rua, é um pedido a que não posso corresponder, só temos mesmo folhetos.
É um pedido habitual: quem vê a comitiva a aproximar-se, de bandeiras e panfletos na mão, não resiste a perguntar se já agora trazem também uma caneta de brinde. Com João Ferreira, não têm hipótese: o candidato não gosta de se desviar da sua mensagem e recusa rapidamente oferecer presentes às pessoas que aborda na rua; como explica nesta conversa, prefere… conversar. E não é pouco. Se há coisa que carateriza Ferreira é que não desiste de um debate, mesmo que seja no meio da rua — debita alíneas do seu programa e percentagens concretas, recorda promessas ou votações alheias, e demora-se até estar certo de que provou o seu ponto. Não é, claramente, fã de conversas de circunstância.
– Tem-se queixado do perigo da bipolarização.
– O meu olhar sobre as outras candidaturas não é tanto do ponto de vista do que poderão ser as suas estratégias e táticas de campanha, é mais do que cada uma delas significa. De um lado, temos uma candidatura de direita que já mostrou uma enorme ausência de ideias, uma fragilidade imensa quer na caracterização que faz da situação da cidade quer nas soluções que apresenta para responder aos seus problemas. A maior parte do que apresenta de proposta constatamos que são coisas que não contribuiriam para resolver problemas da cidade e, pelo contrário, a fariam andar para trás. Quando olho para as outras candidaturas, nomeadamente para a de Fernando Medina, mas também para a candidatura que esteve com Medina ao longo dos últimos quatro anos, o que vejo é de certa forma um ignorar do que foram estes quatro anos do ponto de vista de objetivos falhados. Há uma avaliação muito pouca crítica do que significaram estes quatro anos. E eu procuro fazer essa apreciação crítica. Acho que precisamos, na câmara, de uma governação progressista, de esquerda, democrática, mas que seja muito mais exigente do que o que tivemos nos últimos quatro anos.
– Acha que o BE diz que conseguiu influenciar a governação com o acordo com o PS mas que, na execução, isso não se nota.
– Eu tenho feito uma apreciação política, de cariz mais subjetivo: acho que sob vários pontos de vista não se sentiu nos últimos anos que o PS tivesse perdido a maioria absoluta. Houve um comodismo na governação, uma insistência em algumas políticas erradas que vinham de trás, que o PS pôde continuar a levar à prática com um conforto que lhe foi assegurado por um acordo que no início do mandato lhe garantiu a aprovação de todos os grandes instrumentos de gestão. Isso comprometeu o potencial que se abriu com a perda de maioria absoluta do PS. Era possível ter aproveitado mais esse potencial. Depois há uma apreciação muito mais objetiva: se pegarmos no acordo de governo entre esses dois partidos e passarmos a pente fino os compromissos assumidos e o que foi concretizado, constatamos um muito elevado grau de incumprimento (…).
É uma parte central do discurso dos comunistas nesta campanha: se Fernando Medina evita lembrar que governou a câmara nestes quatro anos em parceria com o Bloco de Esquerda, João Ferreira faz todos os possíveis para não o permitir, lembrando ponto por ponto as áreas em que o acordo entre os dois partidos falhou.
A razão é simples de perceber: ao dizer que nos últimos anos não se percebeu que o PS tivesse perdido a maioria absoluta, porque o BE lhe deu esse conforto e não teve “sentido crítico”, está a dizer que o PCP pode ser o parceiro verdadeiramente exigente em que os eleitores de esquerda podem confiar. Aqui, a rivalidade entre PCP e a outra “candidatura” que nem sequer nomeia é clara e direta.
– No início da campanha ouvimo-lo dizer muitas vezes que queria assumir responsabilidades diretas no governo da cidade, mas depois ouvimos Jerónimo de Sousa dizer que não queria coligações ou acordos formais pós-eleitorais. Há aqui ou não um desacerto na mensagem? Acha que isto esclarece os eleitores de esquerda?
– Vamos ver: não há desacerto nenhum. A CDU quer ter responsabilidades no governo da cidade e tem capacidades para isso. Quanto mais força tivermos, quanto mais eleitos tivermos, mais próximos estaremos de poder ter essas responsabilidades diretas. Em qualquer circunstância, os vereadores que a CDU eleger contarão sempre e pesarão sempre, tenham pelouros atribuídos ou não.
– Mas quando fala em responsabilidades diretas está a falar de pelouros, ou não?
– Responsabilidades maiores do que temos hoje. O que lhe digo é que em qualquer circunstância faremos trabalho no próximo executivo municipal. Foi assim nos últimos quatro anos, mesmo sem pelouros, em avanços chave. Agora, eu sempre disse: a decisão de atribuir pelouros depende da força política mais votada. Não sendo nós a força mais votada, o que nos cabe é se essa possibilidade (de assumir pelouros) se colocar, fazer a avaliação que fazemos sempre nessas circunstâncias: não assumimos pelouros a troco de caucionar políticas que consideramos negativos.
– Depende da forma como correr essa negociação.
– Depende do resultado das eleições, a relação de forças que existir no executivo municipal e o que essa relação de forças possibilitar de uma gestão alternativa da cidade.
– Vou deixá-lo descansar, pelo que sei amanhã começa logo com contacto com a população de amanhã…
– Em Alvalade, é isso.
– Isso. Obrigada.
– Bom trabalho e bom descanso.
Foi o momento que causou maior ruído na campanha comunista: quando a ideia de um acordo PS/PCP neste mandato parecia bem encaminhada, pelo menos tendo em conta as disponibilidades dos dois partidos, Jerónimo veio colocar travão ao namoro e dizer que não haverá margem para acordos formais. Mas, segundo a explicação de Ferreira, isto não é nenhum sinal de desacerto: uma coisa são coligações, outra a assunção de pelouros no executivo — e nisso o PCP continua a estar interessado. Quando fala da relevância da “relação de forças” que existirá na câmara, pode querer dizer que o PCP preferia que, ao contrário do que aconteceu no mandato anterior, o PS precisasse dos seus vereadores para governar — em 2017, Fernando Medina só precisou de negociar com o BE, que tinha apenas um representante no executivo, para chegar à maioria.
Beatriz Gomes Dias. A reação à sondagem que ainda não conhecia, as críticas à cobertura da imprensa e o truque caseiro para combater a rouquidão
[Ouça aqui a última chamada a Beatriz Gomes Dias:]
Quarta-feira, 22 de setembro. No momento em que telefonamos a Beatriz Gomes Dias, que já está em casa, a partir dos estúdios de rádio do Observador, são precisamente 20h e passam no telejornal os números da última grande sondagem pré-eleições, divulgada pela RTP e pelo Público. A candidata diz que ainda nem ligou a televisão: vem de um dia agitado, que começou por uma volta de metro — foi da Ameixoeira ao Campo Grande para tentar provar as desvantagens da nova linha circular — e acabou numa arruada pelas ruas da Ajuda, ao lado de Marisa Matias. Mas aproveitamos para lhe contar o que dizem as projeções.
– Estou sim?
– Alô. É a Mariana, do Observador.
– Olá, Mariana, como está?
– Bem, obrigada. Já está em casa?
– Já estou em casa, sim, Mariana.
– Já agora, acabei de ver aqui na televisão a sondagem da RTP… Não sei se a viu já em casa também.
– Não, não estava a ver televisão…
– Ah, ok. Mas já deve saber o que prevê para si.
– Hm… Não necessariamente…
– Assim posso contar-lhe eu: é um resultado semelhante ao de 2017, com uns 7%. Não sei se é um resultado que veja com bons olhos. Aproveito para lhe perguntar, já que acabou de ser conhecida essa previsão, mesmo neste minuto.
– É um bom resultado, quer dizer que o nosso trabalho é reconhecido e que as pessoas revêem-se no que o BE fez ao longo destes quatro anos. Contudo, é preciso que esses resultados sejam depois confirmados na votação, no domingo. Estou convicta de que serão confirmados e que iremos ter ainda um melhor resultado.
A candidata assume imediatamente que os 7% que a sondagem lhe atribui a deixariam satisfeita: afinal, entre as hostes do Bloco de Esquerda a expectativa assumida para estas eleições não passa por crescer — isso seria ouro sobre azul –, mas apenas por manter a vereação que tem neste momento na câmara, cenário que, segundo a mesma projeção, se confirmaria.
Mesmo assim, o balanço só será positivo se isto se conjugar com um segundo objetivo: para que esta lógica se mantenha, é necessário que o partido consiga voltar a chegar a acordo com o PS de Fernando Medina, uma vez que é essencial conservar a influência nos destinos da cidade — até para contrariar a ideia de irrelevância autárquica que o Bloco mantém.
– Quando chega a casa consegue espreitar os telejornais, o que as outras campanhas têm feito…?
– Quando chego a casa vejo sempre os noticiários e volto para trás para perceber como foi percecionada a nossa campanha, as peças que passaram, e vejo também o que foram as iniciativas dos outros candidatos. Também assisto a alguns programas de análise política sobre a campanha, dos debates…
– E acha que tem conseguido passar bem a sua mensagem, tendo em conta essa análise?
– Eu acho que sim… Tem melhorado. No princípio, acho que havia… algumas das peças não traduziam, na minha opinião, o que estava a acontecer na campanha… principalmente nos debates. Acho que no primeiro debate, que aconteceu na SIC, houve um tratamento que foi muito descoincidente do que aconteceu realmente no debate.
– Acha que não teve um destaque proporcional, ou justo?
– Sim, considero que houve uma leitura que na minha opinião não coincidiu com os pontos que eu trouxe ao debate. Mas isto foi em pré-campanha, ainda. À medida que a campanha foi avançando, e com os jornalistas a acompanharem a nossa campanha, perceberam o envolvimento da população, a forma como me tratam na rua. E acho que isso tem-se traduzido mais agora quer seja nas peças televisivas quer na imprensa escrita.
A crítica não aparece por acaso: no rescaldo do primeiro debate que juntou os candidatos a Lisboa, na SIC, foram muitos os comentadores que notaram uma Beatriz Gomes Dias mais apagada, comparada com os outros candidatos de esquerda. Para mais, a notícia que saiu desse debate teve a ver com esta área política, mas não com o Bloco: logo no início do debate, a aparente disponibilidade de João Ferreira para chegar a algum tipo de acordo com Fernando Medina, assim como a recetividade do atual presidente da câmara — que até fez questão de lembrar que em 2017 só não houve acordo porque os comunistas não quiseram — chamou as atenções e ajudou a eclipsar a participação de Gomes Dias.
O Bloco tem, por outro lado e desde essa altura, puxado para si a imagem de partido que quer influenciar a governação de Fernando Medina, assumindo de forma cristalina a intenção de assinar um acordo “escrito” e com “objetivos”, que englobe toda a governação e não apenas a entrega de pelouros específicos. Mesmo assim, tem um em mente: esta semana, numa visita a um novo centro de acolhimento de pessoas sem abrigo, Gomes Dias assumiu que gostaria de voltar a conquistar para o Bloco o pelouro dos Direitos Sociais, que o partigo geriu durante os últimos quatro anos.
– Quando vê essas peças não sei se nota isso, mas Fernando Medina praticamente não fala dos partidos à sua esquerda, aliás, nem do Bloco, com quem teve um acordo nestes quatro anos. Acha que é uma estratégia para anular a esquerda e pedir voto útil?
– Acho que cada candidato tem-se empenhado em divulgar as suas medidas. Nós também temos feito isso e também temos destacado a importância do voto no Bloco de Esquerda e o facto de o PS não ter tido maioria absoluta em 2017 ter sido fundamental para o acordo que foi estabelecido, um acordo fundamental para a transformação na cidade.
– E o facto de quererem continuar esse trabalho nos próximos quatro anos.
– Precisamente. O trabalho que nos propomos fazer alicerça-se na experiência que adquirimos nos últimos quatro e em termos estado no executivo com o PS. É inequívoco para as pessoas em Lisboa que a gestão destes quatro anos resultou também da imposição de um conjunto de medidas que o BE trouxe e impôs no acordo. Ou seja, que o PS não governou sozinho.
É o mantra do Bloco em Lisboa, embora a simples necessidade de o dizer alto e bom som — “o PS não governou sozinho” — seja um sinal de que os bloquistas tiveram mesmo de se pôr em campo para contrariar o ‘apagão’ de Medina sobre o envolvimento do partido no executivo da cidade. Beatriz repete as duas lições essenciais onde quer que vá: 1) o Bloco pôde fazer o acordo para ajudar a governar a cidade porque o PS não teve maioria absoluta; 2) é preciso voltar a impedir essa maioria absoluta para poder continuar esse trabalho por mais quatro anos.
– Já sei que tem um dia cheio amanhã, com a Catarina Martins para dar o empurrão final. Tem conseguido dormir? Está cansada ou em forma para a reta final?
– Eu estou bastante entusiasmada. Estou a gostar imenso de fazer a campanha, estas duas semanas foram bastante intensas mas também muito mobilizadoras. Há uma equipa enorme de pessoas a fazer campanha, de todas as freguesias, e temos feito uma campanha articulada. Tenho-me alimentado dessa energia das pessoas…
– E também do gengibre que nos dizia noutro dia que toma à noite, para não ficar rouca.
– Tenho, tenho. Ontem à noite não bebi, como tenho feito nos outros dias, e hoje já tive alguma dificuldade, fiquei um bocado rouca. Mas sim, gengibre e energia das pessoas.
– É o combustível, muito bem. Obrigada, vou deixá-la descansar.
– Muito obrigada, um beijo grande e um resto de bom dia para si.
São dois “alimentos”: a “energia” das pessoas e… o gengibre, para não ficar rouca. É natural que o cansaço já pese — afinal, a conversa acontece já a dois dias do fim da campanha — mas é também uma altura em que o entusiasmo conta, até porque importa mostrar uma onda crescente em volta da campanha. Por esses dias, Catarina Martins, Pedro Filipe Soares, Marisa Matias ou Mariana Mortágua vão aparecendo nas ações de rua para dar uma ajuda.
Bruno Horta Soares. A trotineta, o anti-Marcelo e o alvo Moedas
[Ouça aqui a última chamada em três dias consecutivos a Bruno Horta Soares:]
Segunda-feira, 20 de setembro. Bruno Horta Soares é um estreante nestas andanças. Aliás, a Iniciativa Liberal é uma estreante nestas andanças — é a primeira vez que o partido concorre numas eleições autárquicas. Tudo é um bocadinho novo e tudo é ainda um bocadinho diferente — até na abordagem de campanha.
— Viva, boa noite, Bruno Horta Soares. Tudo bem?
— Boa noite. Conta.
— Já acabou a campanha por hoje?
— Foi há cinco minutos.
— Esteve no ClubHouse, verdade?
— Sim, sim.
— Não está já um bocadinho fora de moda?
— Já estamos naquele contexto de nicho. Teve bastante gente, 40 pessoas, parece que está mexido.
— E todos os votos contam, até 40.
— A sensação que dá é que os que estavam já estavam mais convencidos.
Passam das onze da noite mas Horta Soares parece fresquíssimo. Revelaria mais tarde que está habituado a trabalhar sozinho, com prazos para cumprir e metas para cumprir. Afinal, uma campanha eleitoral não é assim tão diferente.
— É a sua primeira campanha, vamos começar por aí. Como é que se adaptou à campanha? Nem sempre é fácil para quem começa.
— Profissionalmente, trabalho muito sozinho, sou consultor há 20 anos. É quase ver isto como um projeto: este começou há seis meses e termina no domingo. É algo relativamente natural para mim.
— Mas o que é costuma fazer para preparar o dia? Tem algum ritual?
— Não tenho secretária, mas tem um Outlook, que é o meu Santo Graal. Sou altamente disciplinado a seguir a agenda.
— Até lhe perguntava mais no sentido prático do termo: acorda e a primeira coisa que faz é o quê?
— Faço sempre questão de levar os filhos à escola e depois é que sigo a agenda.
— E na rua, já beijou muitas senhoras nos mercados ou nem por isso?
— Não! Continua a ver-se muitas máscaras na cara das pessoas. O que não deixa de ser um tema: apesar de terem sido levantadas as restrições, vê-se muita gente que voluntariamente está de máscara. Não deixa de me preocupar, será que ficou aqui um medo subjacente nas pessoas? O momento que destacaria como momento mais constrangedor na campanha e que acontece constantemente é se cumprimentamos com murro ou aperto de mão. A parte do beijinho já está num patamar de loucura total.
— Portanto, o beijinho fica para a próxima campanha eleitoral, umas legislativas, por exemplo.
— Não, não tenho praticado.
— Foi uma forma pouco hábil da minha parte de lhe perguntar quais são as suas ambições depois das autárquicas?
— Segunda-feira, não é logo de manhã porque às 9h30 terei de estar a dar uma aula na Católica, mas estarei a dirigir-me para a cadeira de vereador. Ainda não sei onde é, é uma boa pergunta.
— Confiança em alta.
— É essa esperança que temos. É este o nosso objetivo, não vou estar a fazer aquele filme de onde está a cadeira do presidente. Nunca estivemos nesta campanha para brincar ao presidente da câmara. Sempre foi o objetivo de eleger o primeiro vereador liberal.
De uma forma ou de outra, o destino da Iniciativa Liberal esteve e estará sempre colado ao de Carlos Moedas nestas eleições. Inicialmente, o partido esteve quase a entrar no barco da grande coligação de direita mas acabou por decidir de outra forma. Apresentou um candidato, o candidato caiu e Horta Soares foi o “plano B”.
Em teoria, no dia 26, quantos mais votos tiver Carlos Moedas menos votos terá a Iniciativa Liberal. E vice-versa. O embate era temido e temia-se um resultado tremido. O estado de espírito, agora, é outro.
— O vosso objetivo foi sempre tentar furar o apelo ao voto útil em Carlos Moedas. Acha que têm conseguido?
— Estava muito preocupado no início. O primeiro embate, ‘é o Carlos Moedas, isto pode ser uma opção com que as pessoas se identificam e a proximidade ideológica vai penalizar-nos’. Não deixou de ser uma preocupação, mas quem começa há seis meses e não dispara não me parece que seja nos próximos dias. Não sinto sequer que as pessoas acreditem. Parece-me que o PSD é quem menos acredita neste momento, deitou a toalha ao chão.
A conversa já vai longa e Bruno Horta Soares tem um dia preenchido. Depois de ter passado o dia segunda-feira no Campo Grande e no Areeiro, o candidato liberal arranca o dia de terça-feira no Metro da Ameixoeira logo às oito da manhã e só vai acabar bem para lá das sete da tarde em Arroios. É altura de descansar.
— Não o maço mais, só uma curiosidade: o que é que faz no final de um dia de campanha?
— Tenho uma característica: eu preciso mesmo de dormir. Às vezes ainda arrisco ver uma série, mas não consigo. Não gosto daquela visão de super-homem, de vamos fazer impossível. Para mim dormir é uma forma de comprar energia para os dias seguintes. Não sou o Marcelo Rebelo de Sousa.
Terça-feira, 21 de setembro. É quase meia-noite e Bruno Horta Soares tinha passado as duas últimas horas em direto no Instagram. Tem sido uma constante ao longo de toda a campanha: sem um estrutura partidária que sirva para a amostra, sem os jotas e sem bandeirinhas, o partido tem apostado em formas mais criativas de fazer campanha.
— Boa noite, Bruno Horta Soares.
— Sim.
— Como está?
— Tudo bem, obrigado.
— Acabou tarde.
— E começou cedo.
— Acabou com uma entrevista transmitida pelo Instagram do Gato Político. É uma aposta da Iniciativa Liberal, centrar esforços nestas plataformas por oposição à campanha mais tradicional?
— Sim, aproveitar a dinâmica das redes sociais para chegar a públicos mais próximos da Iniciativa Liberal em vez de estar a dispersar os nossos esforços.
— Estive consigo a descer a Morais Soares. Por coincidência, Fernando Medina e Carlos Moedas também a desceram, com máquinas partidárias muito presentes. Percebi que não apostar tanto nessa arruada. Porquê? Porque sentem que não é esse o vosso segmento?
— É um estilo clássico de campanha que compreendemos, mas as pessoas são muitas vezes que já estão partido. Cruzei-me com a de Carlos Moedas e muitas daquelas caras reconheço-as de há muitos anos destas lides. A quantidade nem sempre representa o que as pessoas vão votar no domingo. Cria esse envolvimento mas já existe alguma maturidade política e democrática para as pessoas perceberem que não são os tambores e as fanfarras que ganham as eleições. No meio da fanfarra ninguém ouve.
Não há fanfarra, mas mas há remakes. Amanhã, quarta-feira, o partido vai organizar uma corrida entre uma trotineta e um autocarro da Carris, reeditando a célebre corrida entre o ferrari e o burro organizada em 1993 por um jovem e irreverente António Costa, então candidato a Loures.
— Amanhã vai ter uma ação diferente. Vão fazer uma corrida entre uma trotineta e um autocarro da Carris.
— Percebemos a importância de não olhar para estas formas de mobilidade uma a uma mas perceber estas sinergias que podem existir. Mais do que sim ou não, Carris ou trotineta, vamos querer chamar atenção para a importância de uma visão integrada dos transportes. Ainda não sei se vou ficar na carris ou na trotineta, mas amanhã vamos ter um bom momento. Não vamos utilizar nem dinheiro nem burros, não temos dinheiro para Ferraris e burros não vale a pena.
— Ao não andar de Ferrari arrisca-se a destruir estereótipos sobre a IL.
— Sim, os betos ricos… É impressionante: fala-se tanto do combate ao preconceito, etc., mas depois acha-se natural associar todos os militantes de um partido a esses estereótipos que não fazem sentido nenhum. Posso partilhar consigo: ao início da manhã, estávamos a fazer uma arruada na Ameixoeira, e um dos voluntários é um militante que trabalha da meia-noite às quatro da manhã na Telepizza. Às quatro da manhã foi ao ginásio e seguiu para ali para nos ajudar a fazer campanha.
— Nem de propósito, tenho uma péssima notícia para si: de acordo com a nota à imprensa o seu diretor de campanha, é o Bruno Horta Soares que vai andar na trotineta.
— Ah, sem problema. Estou habituadíssimo. Ando muito aqui no Parque das Nações. Para chegar ao Metro é dos transportes que mais utilizo. Eles achavam que não, mas assim vou surpreender.
— Vai equipado? Em segurança?
— Não! Como ando muito de fato, e para não suar, estou mais habituado à trotineta do que à bicicleta, e a para mim é fantástico.
— Uma última pergunta para o deixar e descansar e para que tudo corra bem, acha que vai ganhar quem: a trotineta ou a Carris?
— Não sei se colocaram alguma subida ou alguma colina, não sei qual vai ser o campo de batalha. Se for a direito, acho que as probabilidades da trotineta estarão muito mais presentes. E não sei se esta semana há alguma greve dos sindicatos da Carris, mas estou certo que não haverá greves das trotinetas.
Quarta-feira, 22 de setembro. Previsivelmente, Bruno Horta Soares ganhou a corrida ao autocarro onde seguia o líder do partido, João Cotrim Figueiredo. Não sou ganhou com deu uma, duas e três voltas de avanço. Mas o maior embalo desta quarta-feira não chegou à boleia da trotineta, mas sim da sondagem que mantém em aberto a hipótese de conseguir eleger um vereador.
— Alô?
— Boa noite, Bruno Horta Soares. Como está?
— Tudo bem.
— Teve um dia cheio.
— Agora vão ser todos assim.
— Teve sorte de não ter chovido durante a tarde, ou lá se ia a trotineta.
— É verdade, é verdade.
— O que é que achou?
— Foi muito divertido. Conseguimos passar aquela mensagem que queríamos passar, da liberdade de escolha e da importância de não termos monopólios.
— Recebeu uma notícia animadora, a sondagem que dá hipótese à IL de eleger um vereador. Isto anima?
— Não vai mudar nada neste nosso sprint final. Agora acredito que os eleitores, e há sempre muitos indecisos, podem perceber a importância que pode ter e o quão perto estamos de eleger o primeiro vereador liberal.
— Vai ser a última vez que falamos ao telefone, por isso pedia-lhe a honestidade possível: o que é que acha que correu mal nesta campanha?
— Na nossa?
— Sim, sim.
— Tem que ver com a inexperiência, temos equipas essencialmente de voluntários, está toda a gente a dar o seu melhor e a fazer pela primeira vez. Vai haver um conjunto de lições aprendidas.
— Quando fala dessa inexperiência, em que é que ela se refletiu?
— Às vezes gostamos de ter as coisas mais planeadas para gerir melhor os riscos. As coisas têm corrido muito, mas estamos a expor-nos a bastantes riscos por não estarmos a planear bem e por não termos tantos recursos para o fazer.
— Há sempre o risco de ficar aquém dos objetivos. Vai ser muito duro se isso acontecer?
— Não, não vai ser duro por este sentimento de dever cumprido. Se não for desta vez, certamente será da próxima. Só o facto de irmos a votos já permitiu que se mostrasse que a Iniciativa Liberal está a crescer como partido. Demos mais um sinal de que estamos para ficar e para crescer de forma sustentável.