Não faltam, nas cidades portuguesas e do resto do mundo, hotéis que tentam combater a perceção de que servem apenas para acolher quem está de visita. Mas poucos o fazem com argumentos tão convincentes como o Bairro Alto Hotel, em Lisboa.
(Re)aberto desde 2019 – descontando as interrupções provocadas pela pandemia –, depois de longas obras de requalificação e ampliação, segundo projeto assinado por Eduardo Souto Moura, o Bairro Alto Hotel surgiu mais virado do que nunca para a cidade sobre a qual oferece vista privilegiada.
Podemos dizer, sem correr risco de exagero, que se trata tanto de um hotel para quem visita a cidade, como para quem nela faz a sua vida diária. E esta versatilidade deve-se, sobretudo, a uma oferta gastronómica diversa, para todos os momentos do dia, e que brilha a – literalmente – várias alturas.
Comecemos por baixo, despidos de quaisquer privilégios, pela Pastelaria. É com este nome singelo, direto ao assunto, que se apresenta aos lisboetas, no piso térreo do hotel, com entrada independente pelo número 129 da Rua do Alecrim.
Este é, algo inesperadamente, um local de contrastes. Por um lado, a estética do grafismo e do mobiliário em madeira leva-nos para as décadas do apogeu do Chiado, no início do século XX. Por outro, as criações da chef pasteleira Maria Ramos não disfarçam um toque contemporâneo, alinhado com as tendências mais modernas.
“Tentámos diminuir o açúcar em todas as sobremesas”, começa por explicar a chef. Também nos obrigatórios pastéis de nata. “Aconselho que o comam à colher, o recheio é um bocadinho mais líquido que o habitual”, avisa. Comem-se muito bem, à colher ou à mão e melhor ainda se acompanhados por um café de especialidade preparado pela barista Abina, a partir do lote criado especialmente para o Bairro Alto Hotel pela The Royal Rawness, torrefação lisboeta, instalada no Hub Criativo do Beato. E de pequeno-almoço, ou lanche, ficamos servidos.
Debrucemo-nos, então, sobre os almoços e jantares. E debrucemo-nos, já agora, sobre Lisboa. É que a vista do BAHR, o restaurante do hotel, é convidativa a esse ponto: fica no 5.º piso do edifício e tem um terraço amplo sobre parte do casario lisboeta e do seu rio. É um cenário com muitos poucos rivais em toda a cidade e uma escolha óbvia para a mesa de refeição, assim o permita a meteorologia.
À frente da cozinha, aberta para a sala, está o chef Nuno Dinis, de 35 anos, que trabalhou com os dois anteriores responsáveis, Nuno Mendes e Bruno Rocha. A filosofia é, por isso, de continuidade natural. Com um pequeno twist: “Ao almoço queremos variar e dar pratos mais de conforto aos nossos clientes”, explica Nuno, que todos os meses define um menu diferente para este momento do dia.
Almocemos então. Para dar início à contenda, a já clássica tosta de percebes fumados, disponível também ao jantar, é incontornável. Não lhe ficam atrás os rissóis de camarão em que o tradicional recheio é substituído pelo balchão, prato de influência goesa. Depois, tanto se pode optar por uma salada de pera Nashi com queijo de cabra Ortodoxo, como pelos camarões da Mouraria, um prato que já era servido no antigo restaurante do hotel, o Flores, e que deve o nome à multiculturalidade desse bairro lisboeta, representada pelas especiarias usadas na sua confecção.
Nos pratos principais, a cremosidade é a palavra de ordem. Tanto na açorda de tomate e coentros que acompanha os suculentos filetes de garoupa, como no arroz de pato que, aqui, sob fatias de magret, se revela bem mais húmido e cítrico do que o habitual, graças à preciosa adição de raspa de laranja. As sobremesas, também pela mão de Maria Ramos, seguem uma tendência menos açucarada. É o caso das farófias, em que a habitual cobertura de leite creme ou doce de ovos é aqui substituída por um curd de limão, bem mais fresco.
À noite, a fasquia sobe. Porque é de alta cozinha que estamos a falar, elaborada sobretudo com produtos nacionais e sazonais e com os fornecedores identificados na ementa, com direito a um agradecimento. As opções são, por isso, mais complexas, com matéria-prima mais requintada, como o ceviche de toro de atum, o seu corte mais nobre, o lavagante azul com molho Marrare – o tradicional molho do bife à café – ou o lombo de vaca maturada, de raça Minhota e Galega, servido com um puré de castanhas apimentado por um molho de Sichuan.
Pode dizer-se, portanto, que do pequeno-almoço ao jantar não faltam razões para querer entrar no Bairro Alto Hotel. Mais difícil será encontrar razões para querer sair.