Os bancos portugueses demoraram muito mais do que a banca europeia a começar a subir as taxas de juro pagas nos depósitos. No verão, esse fosso começou a reduzir-se mas, segundo dados do Banco de Portugal, os aforradores portugueses ainda estão a perder muito em relação àquilo que está a ser pago aos clientes bancários no resto da zona euro. Para Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, não há um problema de concorrência no setor financeiro em Portugal, por isso, cabe aos clientes pressionar os bancos e levá-los a pagarem mais pelos depósitos.

A subida rápida das taxas de juro, nos últimos 18 meses, penalizou duplamente os portugueses. Por um lado, é maior a prevalência de créditos com taxa variável, que mais rapidamente refletiram o forte aumento dos indexantes e tornaram mais pesadas as prestações mensais de crédito. Por outro lado, se é expectável que a remuneração dos depósitos siga de perto a evolução desses mesmos indexantes (Euribor), dados do Banco de Portugal apresentados esta quarta-feira mostram que em Portugal esse ajuste positivo dos juros dos depósitos foi muito mais lento do que no resto da Europa. E o fosso continua a existir.

A taxa Euribor (a 3 meses) estava em valores negativos em junho de 2022 – cerca de -0,2% no final desse mês. Um ano depois, em julho de 2023, o mesmo indexante já tinha saltado para mais de 3,7%. No início do verão, os bancos portugueses tinham refletido apenas 40% deste aumento súbito da Euribor naquilo que pagava pelos depósitos. A subida média dos juros dos depósitos acelerou um pouco nos meses seguintes: em setembro de 2023, segundo o Banco de Portugal, 59% dessa subida da Euribor já tinha sido transmitida aos depósitos.

Mas o cenário na zona euro, em geral, é muito mais vantajoso para os clientes. Logo em junho de 2023 já se tinha transmitido aos depósitos 64% do movimento de subida da Euribor. E, em setembro, esse valor já tinha subido para 74%.

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Embora o aumento da remuneração dos depósitos pelos bancos portugueses tenha acelerado mais, no último verão, do que na média europeia, essa maior aceleração partiu de uma base muito mais baixa. E, mesmo com essa aceleração durante o verão, em setembro os bancos portugueses ainda tinham refletido nos depósitos uma proporção menor do aumento da Euribor do que os bancos europeus tinham refletido já em junho.

Centeno recusa responder perguntas sobre convite para primeiro-ministro

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A apresentação deste Relatório de Estabilidade Financeira aconteceu poucos dias depois de ter sido revelado que Mário Centeno terá sido convidado para liderar o Governo após o anúncio de saída de António Costa. A comissão de ética do Banco de Portugal decidiu que “o governador agiu com a reserva exigível” perante esse convite mas alertou que alertou para eventuais danos de imagem para o Banco de Portugal, devido aos “desenvolvimentos político-mediáticos”.

Centeno foi questionado, pelos jornalistas, na conferência de imprensa desta quarta-feira, sobre esse parecer da comissão de ética e sobre uma eventual tomada de posição por parte do BCE. “Há um comunicado do Conselho de Administração do Banco de Portugal que diz tudo o que há a dizer sobre o parecer da comissão de ética”, afirmou Mário Centeno, acrescentando apenas que “desde que as instituições funcionem o Banco de Portugal está muito confortável“.

Perante a insistência de outro jornalista sobre o mesmo tema, Mário Centeno interrompeu, afirmando que “todas as questões que [o jornalista] está a colocar já foram respondidas e sublinhando que esta conferência de imprensa servia para “apresentar o Relatório de Estabilidade Financeira” e, por isso, as questões devem ser relativamente a esse tema.

Mais tarde, num comentário geral sobre a crise política, Mário Centeno diz que legislaturas que não chegam ao fim nunca são algo que contribua para a estabilidade e para a previsibilidade, que são “ativos intangíveis” nas nossas sociedades e que suportam o crescimento económico. Além disso, Mário Centeno diz que “quando um país como Portugal aparece nas notícias com títulos que envolvem a palavra ‘corrupção’, o que devemos fazer não é pensar em nós próprios mas pensar no país. É isso que espero que todos possamos fazer”.

O cálculo aparece na última edição do Relatório de Estabilidade Financeira, uma análise semestral que o Banco de Portugal publicou esta quarta-feira. Segundo esta análise, ao mesmo tempo que em Portugal se paga menos pelos depósitos, nesta fase, existe uma grande disparidade entre aquilo que uns e outros bancos pagam pelos depósitos dos seus clientes. Entre os depósitos mais rentáveis e os menos rentáveis a diferença pode aproximar-se de dois pontos percentuais.

É neste contexto que, embora o relatório invoque outras razões mais técnicas como a situação de liquidez de cada banco, o governador do Banco de Portugal tenha colocado nos clientes o ónus de mudar este cenário. Como? Procurando depósitos mais generosos noutras outras instituições financeiras. Por essa via, os clientes irão pressionar os bancos a subir os juros dos depósitos, sob pena de estes perderem clientes se não acompanharem as melhores ofertas do mercado.

Há uma “enorme inércia e uma pouca ação do lado dos depositantes na renovação das condições dos depósitos”, afirmou Mário Centeno, na apresentação do Relatório de Estabilidade Financeira. Aliás, Centeno sublinhou que bastaria aproveitar as ofertas que hoje em dia já existem no mercado e isso “permitiria antecipar uma subida mais rápida da taxa de juro dos novos depósitos do que aquela que se verifica” no país.

“No mercado, enquanto consumidores, devemos ser muito ativos na procura de melhores soluções de depósitos“, frisou o governador do Banco de Portugal, garantindo que existe “elevada concorrência” no mercado bancário português – o que é visível, diz Centeno, tanto do lado dos depósitos como nos créditos, basta ver que houve largos milhares de transferências de créditos nos últimos meses, por pessoas que encontraram condições mais favoráveis num banco diferente daquele onde tinham o crédito originalmente.

Bancos nacionais têm o dobro da margem financeira vs zona euro (e cobram mais comissões)

Sem esse aumento da rentabilidade dos depósitos, a banca portuguesa vai continuar a beneficiar de uma “margem financeira” que, segundo o relatório, é quase o dobro daquela que os bancos europeus estão a ter neste momento. A margem financeira, em termos simples, é a diferença entre os juros que os bancos cobram pelos empréstimos que concedem e, por outro lado, aquilo que os bancos pagam para se financiar (sobretudo através de depósitos de clientes).

Segundo os dados do Relatório de Estabilidade Financeira, que dizem respeito ao primeiro semestre, a margem financeira dos bancos portugueses (em percentagem do ativo) é de 2,58%, ao passo que na zona euro a média é de 1,37%.

A partir de dados que englobam não apenas o primeiro semestre mas os primeiros nove meses do ano, o Observador calculou recentemente que os cinco maiores bancos a operar em Portugal extraíram da economia nacional mais de cinco mil milhões de euros em margem financeira – um valor que apenas diz respeito às operações em Portugal (exclui-se a atividade internacional que alguns têm) e aos três primeiros trimestres do ano.

Lebre a subir prestações e caracol a aumentar depósitos. Margem dos cinco maiores bancos supera os 5 mil milhões em nove meses

Há razões para acreditar que os próximos tempos serão menos favoráveis mas, para já, a banca está a ter o melhor ano da história recente graças a esta margem positiva – e, por outro lado, baixam pouco ou nada as comissões que tinham sido aumentadas para compensar a margem financeira mais pobre que havia nos anos de juros negativos. Segundo os dados publicados esta quarta-feira pelo Banco de Portugal, aquilo que os bancos portugueses cobram em comissões equivale a 0,74% do seu ativo, em média, ao passo que na zona euro esse valor fica-se pelos 0,65%.

“Riscos para a estabilidade financeira aumentaram“, diz o Banco de Portugal

A análise sobre os depósitos bancários está numa “caixa” do Relatório de Estabilidade Financeira. Mas a mensagem principal do documento é que, nos últimos meses, “os riscos para a estabilidade financeira aumentaram“. Isso aconteceu devido à “restritividade da política monetária, o abrandamento da atividade económica e, mais recentemente, a incerteza política” relacionada com a convocação de eleições antecipadas para 10 de março.

O Banco de Portugal salienta que “apesar da tendência de descida da inflação, esta permanece acima do objetivo de médio prazo estabelecido pelo Banco Central Europeu”. E “os conflitos militares em curso, na Ucrânia e no Médio Oriente, acrescentam complexidade à condução de políticas, dado o potencial efeito sobre a inflação e a atividade económica”.

Mário Centeno comentou que a “inflação está a descer mais rapidamente do que subiu” e, nesse contexto, “espera-se que, num futuro próximo, se esteja em condições para se inverter” a trajetória de subida das taxas de juro e aperto da política monetária que foi feita no último ano e meio.

Para o governador do Banco de Portugal, está a verificar-se uma descida da inflação “efetiva, sustentável e rápida”, depois dos “choques” que fizeram acelerar os preços nos últimos anos. Esse foi um processo inflacionário que, embora distendido no tempo, Mário Centeno continua a dizer que teve cariz “temporário”. Porém, o governador do Banco de Portugal sublinhou que, embora se possa perspetivar uma redução das taxas de juro, esse será um movimento “lento” e, portanto, os agentes económicos têm de estar preparados para um período longo de taxas de juro elevadas.