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ma-no/Getty Images/iStockphoto

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Banda gástrica imaginária. Há quem acredite que emagrece pela força do pensamento

É uma técnica de hipnose e também lhe chamam "balão gástrico virtual". Não parece ter efeitos secundários, mas médicos e psicólogos são cautelosos: não há estudos que validem os resultados.

Quem passa na rua pode, facilmente, não reparar na porta que dá acesso à clínica, no rés-do-chão (quase cave) de um edifício imponente, numa das mais movimentadas avenidas de Lisboa. A José Mendes já não passava despercebida, mas demorou algum tempo até decidir entrar. Fê-lo há seis meses. Diz que, além de ter voltado ao ginásio, perdeu peso porque pôs um balão gástrico imaginário.

Sim, “imaginário”. Não leu mal.

Imagine que lhe é colocado um balão no estômago, que esse balão é cheio com soro e que, como tem o órgão parcialmente ocupado, começa a comer menos. Esta podia ser a descrição da operação realizada para colocar um balão real, mas também serve para uma sessão de hipnose para a colocação de um balão imaginário. O utente é convencido de que ele está lá… mas não está.

À técnica também pode chamar-se “banda gástrica imaginária” e a lógica é exatamente a mesma: por hipnose, acredita que fez a cirurgia para colocar uma banda gástrica (um anel que envolve a parte inicial do estômago) e, garantem os que o fazem, sente mesmo que a fez — e come menos.

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O método é usado, por exemplo, na clínica visitada pelo Observador, na qual a hipnose é apresentada como uma estratégia para o tratamento de pessoas obesas ou com excesso de peso. As Ordens dos Médicos e dos Psicólogos, porém, são cautelosas. Admitem que a hipnose, genericamente, pode ter resultados em algumas áreas, mas  alertam os doentes que a técnica só deve ser praticada por profissionais de saúde devidamente certificados.

E isso também não garantirá, com certeza, qualquer resultado. É que, pelo menos para já, não há qualquer estudo que comprove a eficácia do método da banda gástrica imaginária — muito menos os resultados anunciados.

Hipnose sim, hipnoterapia não

Comecemos pela hipnose, o chapéu que abriga técnicas como o balão ou banda gástrica virtual. Genericamente, a hipnose é um estado de relaxamento progressivo, profundo, como se a pessoa estivesse adormecida — muitas vezes, num estado ainda consciente. Esta técnica permite ao profissional de saúde que conduz a sessão induzir estados mentais e, assim, conseguir, por exemplo: amplificar os resultados de outros tratamentos ou substituir alguns medicamentos, como ansiolíticos, hipnoindutores, analgésicos e outros medicamentos sintomáticos.

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A prática de hipnose é reclamada pelos médicos como competência profissional. Pelos psicólogos também. Nesta (quase) disputa, ambos os lados concordam que a técnica só deve ser usada por profissionais inscritos nas respetivas Ordens e com formação específica para tal, sejam eles médicos, psicólogos ou mesmo enfermeiros. Mas a verdade é que não existe qualquer regulamentação sobre a hipnose, diz o psiquiatra José Pio Abreu. “A competência está em discussão [na Ordem dos Médicos], mas ainda não foi implementada”, explica ao Observador o membro da direção do Colégio de Psiquiatria da Ordem.

José Pio Abreu acrescenta que “existem várias formações certificadas internacionalmente”, mas “não é possível, de momento, escolher a melhor, nem denunciar as que são falsas ou perigosas.” Na dúvida, o doente deve contactar a respetiva ordem profissional. E se tiver alguma denúncia a fazer, deve enviá-la para o respetivo Conselho Jurisdicional.

Se o profissional se apresentar como hipnoterapeuta, pode ser o primeiro sinal de alerta. “Hipnoterapia não existe, embora não possamos proibir o uso da palavra”, afirma o psiquiatra. “Tanto a Ordem dos Médicos como a dos Psicólogos já deram um parecer negativo, quando o Ministério da Economia nos pediu para considerarmos a profissão de hipnoterapeuta independente da atividade de psicólogos clínicos ou médicos.”

No caso da clínica de emagrecimento e estética Nu3Clinic, visitada pelo Observador, a terapeuta Andreia Gomes apresenta-se como hipnoterapeuta, mas diz que também não gosta do nome: “Hipnose não é uma terapia, é uma ferramenta”.

“Tanto a Ordem dos Médicos como a dos Psicólogos já deram um parecer negativo quando o Ministério da Economia nos pediu para considerarmos a profissão de hipnoterapeuta independente da atividade de psicólogos clínicos ou médicos.”
José Pio Abreu, membro da direção do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos

Formada em Psicologia Clínica, pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (Lisboa), chegou a exercer a especialidade antes de surgir a Ordem dos Psicólogos Portugueses (constituída em 2008), mas nunca completou o processo de inscrição na organização. O interesse pela hipnose, que vinha já do tempo da universidade, levou-a a uma pós-graduação em Hipnose Clínica e Experimental, pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Ao balão intragástrico virtual diz que chegou naturalmente, “por estudar tanto”, e completou uma formação online de emagrecimento hipnótico com Waldiney S. Soares, diretor clínico do Instituto Free Life, no Brasil.

Hipnose para emagrecer? A ciência ainda não sabe

A sessão em que se coloca o balão intragástrico hipnótico (ou banda gástrica imaginária, consoante o terapeuta) é só uma, mas faz parte de um conjunto que tem normalmente 12 sessões, pelo menos segundo o método usado nesta clínica de Lisboa. “Por norma, instalamos [hipnoticamente] sempre o balão, porque ajuda bastante”, diz ao Observador Andreia Gomes. É ela a terapeuta que acompanha José Mendes. “A pessoa começa a ingerir menos comida naturalmente, porque não tem vontade de comer tanto.” As outras sessões são adaptadas ao cliente, consoante o problema sejam os doces ou os salgados, comer compulsivamente ou ter pouca vontade de fazer exercício, acrescenta.

A primeira sessão começa por traçar o historial de saúde do doente, a relação com o peso, as variações ao longo do tempo e as questões emocionais. Logo depois, a terapeuta dá início à hipnose, durante a qual tenta que a pessoa comece a ver-se mais magra, com o peso que gostava de atingir ou a vestir aquela roupa que está guardada há anos no armário. A sessão é gravada para a pessoa a poder ouvir em casa. Andreia Gomes defende que, não só ajuda ao ajuste mental, como permite que a voz da terapeuta seja associado ao relaxamento e este aconteça mais rapidamente nas sessões seguintes. E só umas sessões mais tarde se avança para o balão gástrico virtual.

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Andreia Gomes admite que, na generalidade dos casos que trata, o problema principal não é o excesso de peso — este é apenas uma consequência dos problemas psicológicos da pessoa. José Mendes, de 60 anos, confirma: “Muita coisa mudou e não foi só o peso”. O antigo informático na área da banca reformou-se há mais de 10 anos por problemas psicológicos, cansaço e falta de memória. Quando procurou a clínica, queria perder 20 dos quase 81 quilos que tinha. Até agora, diz que perdeu 17 — “progressivo, sem solavancos” —, e que já não se preocupa com aquilo que come.

O emagrecimento e a obesidade não aparecem, porém, na lista de potenciais aplicações da técnica validadas pela ciência, segundo resposta da Ordem dos Médicos ao Observador. “Consoante os diagnósticos e objetivos terapêuticos, tem existido evidência científica sobre os resultados da aplicação da hipnose, em conjunto com outras terapias, em várias situações, como ansiedade, fobias, analgesia, cuidados paliativos, doenças psicossomáticas, pediatria, dermatologia”, diz o psiquiatra José Pio Abreu. Logo, nada diretamente relacionado com a perda de peso.

A Ordem dos Psicólogos Portugueses defende, pelo contrário, que, genericamente, as intervenções psicológicas podem ser um recurso no tratamento de casos de obesidade e excesso de peso, mas desde que usadas, por exemplo, em conjunto com outros tipos de intervenções. “O objetivo é ajudar os indivíduos a fazer mudanças duradouras nos estilos de vida”, diz ao Observador Duarte Zoio, responsável pelo Gabinete de Comunicação da Ordem dos Psicólogos. Andreia Gomes diz que a hipnose é uma forma de realizar essas mesmas intervenções psicológicas, em que se estimula a prática de exercício, controla a ansiedade ou promove uma alimentação saudável. Um “ajuste mental” porque, “regra geral, o peso não é uma questão dietética, é uma questão emocional”, acrescenta, referindo-se aos casos dos doentes que trata, incluindo o de José Mendes.

“Não estamos preocupados com o peso em si, mas com a mudança de atitude.” E a mudança tem de começar mentalmente, porque há pessoas que até conseguem perder alguns quilos, mas “mentalmente continuam a ver-se com excesso de peso”.

Banda gástrica virtual? A Ordem dos Psicólogos nem sabe o que é

Durante a sessão de implantação do balão intragástrico virtual — uma das tais 12 sessões —, o doente entra em hipnose e é-lhe relatado todo o procedimento cirúrgico — o físico, porque, nesta cirurgia virtual, nem sequer há toque. Isso é, aliás, uma vantagem, aos olhos do psiquiatra José Pio Abreu, que explica que, assim, “o procedimento não tem efeitos secundários nefastos — como pode ter a banda cirúrgica —, pelo que pode ser experimentada sem problemas”. Mais ou menos. Há, pelo menos, uma exceção: quando a mesma técnica é usada em pessoas com problemas psiquiátricos, como esquizofrénicos ou bipolares, admite Andreia Gomes. Mas, para isso, é preciso conseguir identificá-los — e ter formação para isso.

Quando questionada sobre os terapeutas que não têm formação na área da saúde e podem não ser capazes de identificar situações de risco, a terapeuta diz: “Há sempre um risco. Estamos a lidar com o psicológico da pessoa e pode fazer-se estragos”. E confirma que já teve ao seu lado, nos cursos de hipnose, contabilistas e bancários.

“Há sempre um risco. Estamos a lidar com o psicológico da pessoa e pode fazer-se estragos.”
Andreia Gomes, hipnoterapeuta

Ao Observador, a Ordem dos Psicólogos Portugueses admite que não conhecia o método da banda gástrica virtual, mas ressalva que “é necessário ter cuidado com eventuais ‘pseudo-técnicas’ [técnicas não baseadas na ciência]”. O psiquiatra José Abreu alerta ainda que a “literatura disponível encara-a [a banda gástrica virtual], para já, como investigação-piloto” e, como tal, “não pode ser apresentada — ou mercantilizada — como tratamento eficaz”.

A bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Alexandra Bento, vai mais longe e fala não só das cirurgias virtuais, mas também da hipnose em geral referindo que não existem resultados significativos da utilidade da hipnose para perda de peso ou para tratar outras patologias relacionadas com a nutrição e comportamento alimentar. “Os resultados de ensaios clínicos e revisões sistemáticas são inconclusivos e, quando existe efeito, é subclínico”, diz a nutricionista ao Observador.

A título de exemplo, a investigação-piloto sobre banda gástrica virtual, realizada por investigadores da escola médica da Universidade de Hull (Reino Unido), comparou o recurso a esta técnica com a terapia de relaxamento em 30 pessoas ao longo de 24 semanas. A conclusão? Não foram encontradas diferenças significativas entre os dois tipos de terapias na perda de peso, segundo os resultados publicados na revista científica International Journal of Clinical and Experimental Hypnosis.

As formações em cirurgias virtuais

O balão (ou banda) gástrica virtual, como o nome indica, não está lá, mas a mente acredita que sim, garante Andreia Gomes. “Com a minha imaginação, posso fazer o que quiser”, conclui. “A pessoa, conscientemente, sabe que não tem o balão. Mas, quando vai comer, tem a recordação de que o estômago está mais pequeno, por isso vai comer menos”, assegura, sem dúvidas, a terapeuta. Para manter a memória viva, a gravação da sessão é entregue aos doentes, para ouvirem quando quiserem.

A bastonária da Ordem dos Nutricionistas insiste que a hipnose não faz parte das competências do nutricionista. Alexandra Bento sublinha que a técnica não tem demonstrado eficácia no controlo do peso ou do comportamento alimentar.

Andreia Gomes, que gere o Toque de Hipnose — “um espaço especializado em Psicologia Clínica, Neuropsicologia, Hipnoterapia e outras especialidades Holísticas” (terapias alternativas não validadas pela ciência) —, usa como técnica o balão intragástrico hipnótico, como aprendeu no instituto brasileiro. Em Espanha, por exemplo, dá-se formação de banda gástrica virtual, no Instituto Scharovsky de Hipnosis Clínica Reparadora, cujo mentor diz ser uma marca registada.

Trauma aos sete anos vale sete quilos a mais? Ordem multa nutricionista por enganar leitores

Há mais de uma dezena de pessoas a trabalhar em Portugal que completaram o curso no instituto espanhol, conforme indicação na página. São terapeutas alternativos, médicos, psicólogos, fisioterapeutas ou nutricionistas, como Alexandre Fernandes, que foi processado pela Ordem dos Nutricionistas por fazer alegações sem fundamento científico e falta de zelo no desempenho da profissão.

A hipnose não faz parte das competências do nutricionista e, segundo a bastonária, que insiste que a técnica não tem demonstrado eficácia no controlo do peso ou do comportamento alimentar. “A Ordem dos Nutricionistas não pode aceitar que um nutricionista, apresentando-se enquanto tal, exponha ao público em geral, ou a um cliente seu em particular, soluções na área da nutrição que não tenham sustentação científica”, diz. Quando contactado pelo Observador, em novembro de 2018, Alexandre Fernandes garantiu que não usa o balão gástrico imaginário nas consultas de nutrição, mas em consultas específicas para essa técnica.

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