As “surpresas” das últimas semanas – favoráveis na inflação e menos favoráveis na economia – levaram o BCE a avançar com um terceiro corte consecutivo das taxas de juro, como se previa. Mas, apesar de admitir “preocupação” com a economia, Christine Lagarde não esclareceu até que ponto as taxas de juro “restritivas” podem estar a contribuir para a quebra recente na atividade (e não foi questionada sobre isso). Mesmo com o corte desta quinta-feira, uma nova descida em dezembro é provável e os analistas apostam que os indexantes de crédito voltam aos 2% até junho do próximo ano. Alguns questionam, até, se era necessário ter subido tanto as taxas de juro.
“O processo desinflacionista está bem encaminhado“, afirmou Christine Lagarde na conferência de imprensa após uma reunião do Conselho de BCE que, desta vez, não se realizou em Frankfurt mas, sim, em Liubliana, capital da Eslovénia. “Ainda é cedo para dizer que partimos o pescoço” da ameaça inflacionista, embora “tudo indique que caminhamos para lá”.
Estas são declarações que a francesa fez para justificar em simultâneo: 1) porque é que o BCE desceu as taxas de juro mais cedo do que aquilo que estava no guião em setembro; e 2) porque é que, apesar das três descidas consecutivas, é necessário que as taxas de juro continuem em 3,25% (um nível assumidamente restritivo da atividade económica) quando a própria presidente do BCE admite que os riscos para a atividade económica pendem para o lado negativo.
Lagarde reconhece "surpresas negativas" na crescimento
↓ Mostrar
↑ Esconder
Christine Lagarde afirma que houve nos últimos tempos “surpresas negativas” relacionadas com a atividade económica.
“A atividade económica tem sido algo mais fraca do que o previsto”, diz Lagarde, apontando para uma contração da atividade no setor industrial, menores exportações (sobretudo de bens, não tanto de serviços) e uma atividade nos serviços que melhorou em agosto mas, agora, estará mais frágil.
Embora o BCE mantenha a confiança de que, “ao longo do tempo” a economia irá fortalecer-se, os riscos para a atividade económica pendem para o lado negativo (ou seja, é maior a probabilidade de surpreenderem pela negativa do que pela positiva).
Apesar da confirmação de que a Alemanha, maior economia da zona euro, está com uma taxa negativa de crescimento económico, o BCE confia que “certamente” não estamos perante um risco de recessão no bloco. Ainda assim, o economista Holger Schmieding, do Berenberg Bank, considera provável que o BCE reveja em baixa as estimativas de crescimento quando divulgar as próximas projeções macroeconómicas – prevendo um crescimento em 2025 menor do que os 0,8% calculados em setembro.
[Já saiu o terceiro episódio de “A Grande Provocadora”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de Vera Lagoa, a mulher que afrontou Salazar, desafiou os militares de Abril e ridicularizou os que se achavam donos do país. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube. E pode ouvir aqui o primeiro episódio e aqui o segundo.]
A confirmar-se, “será mais um argumento para que o BCE avance com outro corte das taxas de juro em dezembro, como é quase universalmente previsto”, diz o economista, acrescentando que “a fraqueza persistente no crescimento económico suporta a nossa crença, que temos há muito, de que o BCE foi demasiado longe ao ter subido a taxa de juro até 4%“.
É neste contexto que os (sempre voláteis) mercados de futuros de taxas de juro estão a apostar que as Euribor – que não são diretamente fixadas pelo BCE mas que tendem a seguir de perto as taxas de juro decididas pela autoridade monetária – podem baixar para 2,66% até ao final do ano (no caso da Euribor a seis meses, que ronda atualmente os 3%) e para 2,04% até junho do próximo ano.
Isto significa que, de acordo com os cálculos de Nuno Rico, economista da Deco Proteste, num crédito à habitação do qual ainda falta pagar 150 mil euros, com spread de 1% e Euribor a 6 meses, a prestação em outubro de 2024 será de 738,61 euros – mas se a média mensal da Euribor baixar para os 2%, então a prestação cairá mais de 100 euros para 633,41 euros.
“A descida das taxas de juro anunciada pelo BCE, além da perspetiva de mais cortes nos próximos meses, é uma ótima notícia para as famílias e empresas que têm créditos com indexantes a taxa variável”, afirma GianLuigi Mandruzzato, economista sénior do banco EFG, numa análise partilhada com o Observador.
O especialista acrescenta que “o desaperto das condições de financiamento será especialmente positiva para os chamados países da ‘periferia’ da zona euro, incluindo Portugal“.
BCE deve voltar a cortar juros em dezembro. “25 pontos é provável, 50 pontos é possível”
Já depois de terminar a conferência de imprensa, fontes de dentro do BCE que falaram com a agência Reuters reforçaram a visão de que o banco central irá voltar a cortar as taxas de juro novamente em dezembro – a menos que os dados económicos que saírem nas próximas semanas apontem para uma inversão nos dados da inflação (isto depois de o Eurostat ter estimado uma inflação homóloga de 1,7% para setembro).
“Parece que, neste momento, o objetivo do BCE é levar as taxas de juro para níveis mais neutros o mais rapidamente possível“, afirma Carsten Brzeski, economista-chefe do banco holandês ING que se refere aos cálculos do próprio BCE de que uma taxa de juro na órbita dos 2% já seria “neutra” e não estaria, por isso, nem a restringir nem a estimular a atividade económica.
Lagarde pede aos governos que sigam as regras orçamentais e promovam "reformas promotoras do crescimento"
↓ Mostrar
↑ Esconder
Lagarde terminou a conferência de imprensa pedindo aos governos que sigam as regras orçamentais e promovam “reformas promotoras do crescimento”.
“Sobre a consolidação orçamental, temos agora uma enquadramento que define o nível de consolidação orçamental em cada país e o investimento necessário em reformas promotoras de crescimento”, diz Lagarde.
A presidente do BCE diz que “se essas orientações forem seguidas, isso irá criar o ambiente certo para que a economia se desenvolva”. “O BCE irá fazer a sua parte, mantendo a estabilidade dos preços, cada um tem de fazer a sua parte”, afirma Christine Lagarde.
Mesmo que a ideia seja chegar à tal taxa neutral “o mais rapidamente possível”, como diz Carsten Brzeski, os analistas concordam que o BCE, se puder, vai querer continuar a fazer cortes sucessivos pela dose mínima (25 pontos base), já que acelerar o ritmo de descidas (para 50 pontos, por exemplo) poderia passar uma imagem de pânico potencialmente contraproducente. O “gradualismo” de que falou Mário Centeno, há poucas semanas, deverá continuar a ser palavra de ordem.
Mas, embora concorde que mais 25 pontos base em dezembro é o cenário provável, Jack-Allen Reynolds, da consultora britânica Capital Economics, diz que “é possível” que a expectável revisão em baixa das perspetivas de crescimento (com inflação controlada) leve o BCE a fazer uma redução das taxas de juro em 50 pontos base.
“A nossa expectativa, depois da conferência de imprensa de hoje [quinta-feira], é a de que o BCE irá reduzir as taxas de juro em 25 pontos base em cada uma das próximas reuniões, pelo menos“, afirma Jack-Allen Reynolds, garantindo que, na sua opinião, “não seria surpreendente se o BCE optasse por um corte de 50 pontos base em algum momento durante este ciclo de descida dos juros” – seja em dezembro ou no início do próximo ano.