A longa tormenta dos bancos acabou a 27 de julho, quando o BCE deixou de lhes cobrar pelos depósitos que fazem no banco central: a taxa dos depósitos no banco central, que era negativa desde 2014, passou para o nível zero. Pouco depois, a 14 de setembro, as notícias foram reforçadas: o BCE aumentou a taxa para 0,75% – e entretanto já a subiu para 1,5%, o que permite que os bancos tirem uma “renda” sem fazer nada, só parqueando a liquidez de que não necessitam no banco central, sem risco. E muita dessa liquidez vem dos depósitos pelos quais a banca continua a pagar, aos clientes, praticamente zero. “É só margem para os bancos“, diz uma fonte da área financeira, mas o fim (anunciado) de uma “subsidiação” do BCE à banca vai mudar as regras do jogo.
Os banqueiros têm dado a entender que não estará para breve a subida dos juros dos depósitos, mesmo sabendo-se que no próximo mês de dezembro o BCE deve voltar a subir as taxas de juro – incluindo a taxa dos depósitos, que pode passar para 2% ou mais. Assim, com os depósitos a renderem (perto de) zero, o benefício para os bancos alarga-se: mesmo que não emprestem às empresas e às famílias, vão poder ganhar 2% ou mais só clicando num botão que envia para Frankfurt a liquidez de que não precisam.
Quando se pede explicações aos banqueiros, estes falam de “estratégia comercial” e questionam porque é que “ninguém se indignava da mesma forma” quando os bancos estiveram durante vários anos a pagar pelos depósitos que faziam no banco central e, ao mesmo tempo, estavam impossibilitados de repercutir esse custo nas aplicações dos clientes (já que a lei portuguesa proíbe cobrar aos aforradores por depósitos abaixo de zero) – foi isso que disse Miguel Maya, presidente do BCP. João Pedro Oliveira e Costa, do BPI, falou no mesmo mas garantiu que o que está na cabeça dos banqueiros não é tentar, agora, obter “uma compensação” pelo que perderam durante a era das taxas negativas.
Neste momento, os dados do BCE mostram que Portugal é um dos países da zona euro onde a remuneração dos depósitos é mais baixa – 0,07%, em média – e só na Irlanda se paga ainda menos. Questionado pelo Observador sobre se o supervisor pondera exercer algum tipo de pressão para que os bancos subam os juros dos depósitos, o Banco de Portugal não fez comentários. Mas o governador comentou este tema na entrevista que deu na semana passada ao jornal Público: “num contexto de normalização [da política monetária], isso deveria estar a acontecer“, afirmou Mário Centeno.
Já “deveria estar a acontecer” mas, pela resposta do governador, o supervisor nesta fase não estará muito incomodado com a situação atual, acreditando que este é um problema que se resolverá, por si próprio, à medida que o tempo passa. “Penso que, à medida que o processo de normalização avance e que assuma outras dimensões que não apenas a da taxa de juro, poderemos ter também esse tipo de normalização no setor bancário”, afirmou Mário Centeno.
“Subsidiação” milionária aos bancos acaba este mês
O que está nas entrelinhas da declaração do governador do Banco de Portugal é uma referência à alteração iminente das operações de cedência de liquidez a longo prazo – as chamadas TLTRO – que, em termos simples, vai acabar com uma subsidiação milionária que tem sido feita aos bancos nos últimos anos. Uma subsidiação que foi, na prática, uma forma de compensar os bancos pelos juros negativos da taxa dos depósitos.
Na última reunião do Conselho do BCE, a autoridade monetária anunciou uma “recalibração” das TLTRO que, na prática, acabará com a situação paradoxal que é os bancos serem pagos para receber liquidez do banco central. Quando a zona euro enfrentava o problema inverso (inflação demasiado baixa) e quando, na pandemia, se quis incentivar os bancos a emprestarem à economia, estas operações de refinanciamento de longo prazo permitiram que bancos chegassem a receber até 1% para ir buscar liquidez ao BCE (desde que demonstrassem aumento da concessão de crédito à economia).
O que é que isso significa, na prática? As últimas contas do Banco de Portugal mostram que os bancos nacionais receberam 385 milhões de euros no ano de 2021 e cerca de 202 milhões em 2020 graças ao financiamento que junto do BCE ao abrigo das TLTRO. Ainda não é conhecido o valor relativo a 2022, mas sabe-se que só até finais de novembro é que os bancos vão ter esta via de receitas (que foi decisiva para os lucros que a banca teve nos últimos anos). Os bancos portugueses tinham, no final de 2021, quase 42 mil milhões em liquidez do BCE dada pelas TLTRO – foi sobre esse total que foram recebidos os 385 milhões.
Com a alteração das condições associadas às TLTRO, os bancos voltam a ter de pagar (não receber) pela liquidez que vão buscar ao BCE – algo que é um regresso à normalidade. O juro a pagar ao BCE será calculado na média das três taxas diretoras do banco central, ou seja, neste momento seria um valor ligeiramente abaixo de 2% (mas a expectativa é que Lagarde irá anunciar um novo aumento da taxa de juro em dezembro, pelo que essa liquidez sairá ainda mais cara aos bancos).
Assim, o que era um “bónus” vai transformar-se num custo (relevante). Se não quiserem pagar esse custo, os bancos vão ter oportunidades para reembolsar antecipadamente os valores recebidos nas TLTRO – isso irá ajudar a drenar o sistema financeiro, que é exatamente o objetivo do BCE no combate às elevadas taxas de inflação. Ao devolver ao BCE, porém, “os bancos vão deixar de ter as posições de liquidez abundante que têm atualmente – e é a partir daí que vão começar a ter de competir pelos depósitos dos clientes“, diz ao Observador fonte da área financeira.
Este processo poderá, porém, demorar alguns meses, acrescenta a mesma fonte, lembrando que a expectável redução das poupanças dos portugueses – poupanças que podem ser utilizadas para fazer face à inflação ou para amortizar dívida – também irá baixar os níveis de liquidez ao dispor dos bancos.
Enquanto mudança não chega, há depósitos a pagar mais de 1,5%
A generalidade dos bancos paga pelos depósitos taxas microscópicas. Mesmo quando se opta por soluções com prazo mais alargado, a remuneração é reduzida: a Caixa Geral de Depósitos, por exemplo, comercializa um depósito a prazo a três anos que oferece uma taxa média (bruta) de 0,015%, com montante mínimo de aplicação de 10 mil euros; o Santander tem o “Depósito a Prazo Tradicional“, que pode ir até cinco anos e rende 0,01% (taxa anual nominal bruta).
Neste contexto, os aforradores não têm muitas alternativas para rentabilizar as poupanças sem optar por produtos com maior risco. Para obter um retorno garantido pelo Fundo de Garantia de Depósitos, contam-se pelos dedos das mãos as aplicações que pagam juros (brutos) superiores àquela que é a taxa dos depósitos do BCE neste momento.
A aplicação mais generosa que existe neste momento é o depósito para novos clientes do Banco Carregosa (DP Bem-vindo), que remunera os aforradores com uma taxa anualizada de 2% – porém, o depósito só pode ser subscrito por três meses (montantes entre 25 mil e 50 mil euros). Para quem já é cliente deste banco, é possível subscrever o DP Rendimento Mensal 60 Meses (TANB de 1,8%) ou o DP Rendimento Mensal 36 Meses (TANB de 1,6%).
O Banco Finantia também tem algumas soluções que estão entre as mais generosas apresentadas pelas instituições financeiras a operar em Portugal. O DP Finantia Rendimento 2 anos paga 1,85%, o DP Finantia Rendimento 1 Ano dá 1,7% e o DP Finantia Rendimento 6 meses é remunerado com uma TANB de 1,6% – todos estes depósitos só valem, porém, para montantes entre 50 mil e 500 mil euros.
Uma alternativa, para montantes mais baixos (entre 2.500 e 25 mil euros), pode ser o depósito para novos clientes do Banco Best, que paga 1,5% mas só durante três meses.
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